TRF3 0009130-66.2007.4.03.6105 00091306620074036105
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 20, CAPUT, §§1º E 2º, DA LEI
7.719/89. DIVULGAÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS DE CONTEÚDO RACISTA E NAZISTA
PELA INTERNET. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONCURSO FORMAL
RECONHECIDO DE OFÍCIO. PENA REDIMENSIONADA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1 - a materialidade, autoria e O dolo estão sobejamente comprovados.
2 - A materialidade é comprovada pela divulgação de imagens e textos de
conteúdo racista e nazista, contendo às escâncaras a cruz suástica,
disponibilizados no perfil criado pelo réu da extinta rede social Orkut
(conforme declarou) e no site de compartilhamento de vídeos "You Tube",
cuja essência é a divulgação indiscriminada, de alcance de milhões de
internautas, de todas as suas publicações.
3 - A autoria e o dolo são induvidosos. Em todos os momentos em que foi
ouvido, o réu confirmou que divulgava sua idelologia pela anti-miscigenação,
superioridade da raça branca e apreço pelo nazismo ou partido nacionalista,
atribuindo sua conduta à livre manifestação de pensamento.
4 - As justificativas do réu, nem de longe, são capazes de configurar erro
de proibição ou ausência de dolo como pretende a defesa. Ao contrário,
o réu estava absolutamente consciente de que a divulgação de tais idéias
era ilícita.
5 - Vale ainda observar que o réu declarou ser estudante de História e
pela desenvoltura de sua autodefesa, percebe-se, claramente, que se trata de
pessoa de cultura relativamente satisfatória, plenamente capaz de entender
o conteúdo e a gravidade do que estava publicando.
6 - Quanto à dosimetria, verifrica-se que o caput do mencionado artigo diz
que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tendo sua pena
majorada quando for praticado por intermédio dos meios de comunicação social
(§2º), como foi o caso. Já o §1º diz que é crime fabricar, comercializar,
distribuir ou veicular símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada,
para fins de divulgação do nazismo.
7 - Com efeito, o nazismo, resumidamente e no que nos interessa, era, ou é,
um movimento que propagava a ideia da superioridade e pureza da raça ariana
(povos europeus de etnia branca-caucasiana descendentes do antigo povo ariano),
e dessa forma traz consigo, implicitamente, a bandeira do preconceito contra
a raça, cor, etnia ou procedência.
8 - De outro lado, não há dúvidas de que o réu publicava por meio do
"You Tube" ou "Orkut" com acesso ilimitado a quem quer que fosse, símbolos
nazistas, os quais, conjugados aos textos que postava, demonstra clara
intenção de difundir o nazismo.
9 - Dessa forma, embora numa análise simplista o nazismo induza ou incite a
discriminação ou preconceito de raça, não há como ignorar que de fato
o réu também veiculou a cruz suástica para fins de divulgação dessa
ideologia.
10 - Não é o caso, assim, de se aplicar o concurso material de crimes,
mas sim a regra do concurso formal, previsto no artigo 70, primeira parte,
do Código Penal.
11 - Com efeito, o réu, mediante uma única ação (divulgação de
textos e imagens) e nas mesmas condições de tempo e lugar (rede mundial de
computadores), praticou dois crimes distintos - crime contra a discriminação
ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, bem como a
distribuição ou veiculação de símbolos nazistas.
12 - Ressalta-se que os crimes em questão, embora distintos, ocorreram
simultaneamente. Aliás, não se sabe se pelo preconceito contra os negros e
homossexuais é que se chegou à admiração pelo nazismo e consequentemente
à veiculação da suástica e outros símbolos, ou ao contrário, visto
que a discriminação se confunde com as premissas do regime nazista, que
levaram o réu a publicar seus símbolos como forma de divulgá-lo.
13 - Assim, no caso dos autos, a sentença deve ser parcialmente reforma,
devendo o réu ser condenado pela prática do artigo 20, caput, c/c §1º, e
§2º, todos da Lei 7.716/89, c/c artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
14 - Mantidas as penas base no mínimo legal. Apesar de se reconhecer a
atenuante da confissão, as penas não podem ser reduzidas , nos termos
da Súmula 231 do STJ. Ausentes agravantes. Na terceira fase, diante da
causa de aumento prevista no artigo 70, primeira parte, do Código Penal,
sendo as penas idênticas, aumenta-se a pena de uma delas na fração de 1/6,
restando definitivamente fixada em 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias
multa no valor unitário mínimo.
15 - O regime inicial de cumprimento da pena foi estipulado no aberto e
assim deve ser mantido.
16 - As penas substitutivas também devem ser mantidas, porque adequadas
às condutas ilícitas e aplicadas nos termos da Lei, devendo, porém,
serem adequadas ao tempo da pena privativa de liberdade doravante cominada.
17 - Por fim, o requerimento da defesa para que a pena do réu seja fixada
"aquém" do mínimo legal não tem respaldo jurídico. Ademais, a conduta
do réu está longe de ser pouco reprovável, conforme alegou.
18 - Apelação improvida.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 20, CAPUT, §§1º E 2º, DA LEI
7.719/89. DIVULGAÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS DE CONTEÚDO RACISTA E NAZISTA
PELA INTERNET. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONCURSO FORMAL
RECONHECIDO DE OFÍCIO. PENA REDIMENSIONADA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1 - a materialidade, autoria e O dolo estão sobejamente comprovados.
2 - A materialidade é comprovada pela divulgação de imagens e textos de
conteúdo racista e nazista, contendo às escâncaras a cruz suástica,
disponibilizados no perfil criado pelo réu da extinta rede social Orkut
(conforme declarou) e no site de compartilhamento de vídeos "You Tube",
cuja essência é a divulgação indiscriminada, de alcance de milhões de
internautas, de todas as suas publicações.
3 - A autoria e o dolo são induvidosos. Em todos os momentos em que foi
ouvido, o réu confirmou que divulgava sua idelologia pela anti-miscigenação,
superioridade da raça branca e apreço pelo nazismo ou partido nacionalista,
atribuindo sua conduta à livre manifestação de pensamento.
4 - As justificativas do réu, nem de longe, são capazes de configurar erro
de proibição ou ausência de dolo como pretende a defesa. Ao contrário,
o réu estava absolutamente consciente de que a divulgação de tais idéias
era ilícita.
5 - Vale ainda observar que o réu declarou ser estudante de História e
pela desenvoltura de sua autodefesa, percebe-se, claramente, que se trata de
pessoa de cultura relativamente satisfatória, plenamente capaz de entender
o conteúdo e a gravidade do que estava publicando.
6 - Quanto à dosimetria, verifrica-se que o caput do mencionado artigo diz
que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tendo sua pena
majorada quando for praticado por intermédio dos meios de comunicação social
(§2º), como foi o caso. Já o §1º diz que é crime fabricar, comercializar,
distribuir ou veicular símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada,
para fins de divulgação do nazismo.
7 - Com efeito, o nazismo, resumidamente e no que nos interessa, era, ou é,
um movimento que propagava a ideia da superioridade e pureza da raça ariana
(povos europeus de etnia branca-caucasiana descendentes do antigo povo ariano),
e dessa forma traz consigo, implicitamente, a bandeira do preconceito contra
a raça, cor, etnia ou procedência.
8 - De outro lado, não há dúvidas de que o réu publicava por meio do
"You Tube" ou "Orkut" com acesso ilimitado a quem quer que fosse, símbolos
nazistas, os quais, conjugados aos textos que postava, demonstra clara
intenção de difundir o nazismo.
9 - Dessa forma, embora numa análise simplista o nazismo induza ou incite a
discriminação ou preconceito de raça, não há como ignorar que de fato
o réu também veiculou a cruz suástica para fins de divulgação dessa
ideologia.
10 - Não é o caso, assim, de se aplicar o concurso material de crimes,
mas sim a regra do concurso formal, previsto no artigo 70, primeira parte,
do Código Penal.
11 - Com efeito, o réu, mediante uma única ação (divulgação de
textos e imagens) e nas mesmas condições de tempo e lugar (rede mundial de
computadores), praticou dois crimes distintos - crime contra a discriminação
ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, bem como a
distribuição ou veiculação de símbolos nazistas.
12 - Ressalta-se que os crimes em questão, embora distintos, ocorreram
simultaneamente. Aliás, não se sabe se pelo preconceito contra os negros e
homossexuais é que se chegou à admiração pelo nazismo e consequentemente
à veiculação da suástica e outros símbolos, ou ao contrário, visto
que a discriminação se confunde com as premissas do regime nazista, que
levaram o réu a publicar seus símbolos como forma de divulgá-lo.
13 - Assim, no caso dos autos, a sentença deve ser parcialmente reforma,
devendo o réu ser condenado pela prática do artigo 20, caput, c/c §1º, e
§2º, todos da Lei 7.716/89, c/c artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
14 - Mantidas as penas base no mínimo legal. Apesar de se reconhecer a
atenuante da confissão, as penas não podem ser reduzidas , nos termos
da Súmula 231 do STJ. Ausentes agravantes. Na terceira fase, diante da
causa de aumento prevista no artigo 70, primeira parte, do Código Penal,
sendo as penas idênticas, aumenta-se a pena de uma delas na fração de 1/6,
restando definitivamente fixada em 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias
multa no valor unitário mínimo.
15 - O regime inicial de cumprimento da pena foi estipulado no aberto e
assim deve ser mantido.
16 - As penas substitutivas também devem ser mantidas, porque adequadas
às condutas ilícitas e aplicadas nos termos da Lei, devendo, porém,
serem adequadas ao tempo da pena privativa de liberdade doravante cominada.
17 - Por fim, o requerimento da defesa para que a pena do réu seja fixada
"aquém" do mínimo legal não tem respaldo jurídico. Ademais, a conduta
do réu está longe de ser pouco reprovável, conforme alegou.
18 - Apelação improvida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao recurso, e, de ofício, redimensionar a
pena de VITOR KALAF pela prática dos crimes previstos nos artigos 20, caput,
c/c §§1º e 2º , da Lei 7.716/89, pelo reconhecimento do concurso formal
de crimes, resultando numa pena final de 02 anos e 04 meses de reclusão
em regime aberto e 11 dias multa no valor unitário mínimo, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/05/2016
Data da Publicação
:
03/06/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 61222
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-70
LEG-FED LEI-7716 ANO-1989 ART-20 PAR-1 PAR-2
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-231
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/06/2016
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