TRF3 0009239-57.2015.4.03.6119 00092395720154036119
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ESTADO DE
NECESSIDADE EXCULPANTE. ARTIGO 24, §2° CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA
E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA
LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO
MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A materialidade, autoria e dolo restaram comprovados nos autos.
2. Cumpre afastar qualquer alegação de que a ré agiu em estado de
necessidade exculpante ou em inexigibilidade de conduta diversa, pois ocorre
que a simples alegação, sem qualquer comprovação nos autos, não é
suficiente para caracterizar a alegada excludente de culpabilidade, ademais,
a ré poderia ter-se valido de outros meios lícitos para sanar a suposta
dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos e, ainda que
houvesse essa comprovação, tal fato não seria hábil para justificar
a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de
entorpecentes) e elidir a responsabilização criminal, já que ingressar
no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver
problemas econômicos.
3. O estado de necessidade pressupõe um perigo atual, ou seja, de
ocorrência concomitante em relação à consumação do fato típico,
o qual deixa de ser antijurídico tendo em vista a necessidade premente e
imediata de salvar bem jurídico de maior relevância do que o sacrificado
na execução do fato típico. A necessidade econômica, por si só, não
preenche este requisito. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade,
é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de
perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". No
presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo
que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas
financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Alegar dificuldade
no sustento da família não altera o fato de que se praticou um delito,
e nem retira a ilicitude do ato. Dificuldades econômicas, psicológicas
ou existenciais não constituem salvo-conduto para o cometimento de atos
ao arrepio do ordenamento, nem os justificam, e muito menos são pela ordem
jurídica aceitas como circunstâncias autorizadoras da realização de atos
puníveis na seara penal.
4. Dosimetria da Pena. Primeira fase. A forma como a droga foi ocultada é
mera etapa preparatória ordinária para a consumação do delito, de modo
que não pode configurar circunstâncias negativas e a pena não deve ser
exacerbada com base nisso. Trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59
do Código Penal não lhe são desfavoráveis. Considerando a natureza e
quantidade da droga apreendida com o réu, 4.262 g (quatro mil, duzentos
e sessenta e dois gramas- massa líquida) de cocaína, com fundamento no
art. 42 da Lei n.º 11.343/06, a pena-base merece exasperação em 1/5,
consoante entendimento firmado por esta Turma. Reduzida a pena na primeira
fase e fixada em 6 (seis) anos e 600 (seiscentos) dias-multa.
5. Segunda fase. O fato do réu somente ter confessado em decorrência
da prisão em flagrante e a ausência de informações precisas acerca
das pessoas que o contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante,
direito subjetivo do réu que confessa os fatos. Fixada a pena nesta fase em 5
(cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
6. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
7. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa de
tráfico internacional de drogas. Pena definitivamente fixada em 4 (quatro)
anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 485 (quatrocentos e
oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
8. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
9. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e
a pena definitiva fixada 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias
de reclusão, o que não impede seja fixado o regime inicial semiaberto,
em razão da quantidade da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b"
e § 3º, do Código Penal.
10. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
11. Exauridos os recursos nesta Corte, expeça-se Carta de Sentença, bem
como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena
imposta à ré.
12. Apelação da defesa parcialmente provida.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ESTADO DE
NECESSIDADE EXCULPANTE. ARTIGO 24, §2° CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA
E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA
LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO
MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A materialidade, autoria e dolo restaram comprovados nos autos.
2. Cumpre afastar qualquer alegação de que a ré agiu em estado de
necessidade exculpante ou em inexigibilidade de conduta diversa, pois ocorre
que a simples alegação, sem qualquer comprovação nos autos, não é
suficiente para caracterizar a alegada excludente de culpabilidade, ademais,
a ré poderia ter-se valido de outros meios lícitos para sanar a suposta
dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos e, ainda que
houvesse essa comprovação, tal fato não seria hábil para justificar
a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de
entorpecentes) e elidir a responsabilização criminal, já que ingressar
no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver
problemas econômicos.
3. O estado de necessidade pressupõe um perigo atual, ou seja, de
ocorrência concomitante em relação à consumação do fato típico,
o qual deixa de ser antijurídico tendo em vista a necessidade premente e
imediata de salvar bem jurídico de maior relevância do que o sacrificado
na execução do fato típico. A necessidade econômica, por si só, não
preenche este requisito. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade,
é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de
perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". No
presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo
que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas
financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Alegar dificuldade
no sustento da família não altera o fato de que se praticou um delito,
e nem retira a ilicitude do ato. Dificuldades econômicas, psicológicas
ou existenciais não constituem salvo-conduto para o cometimento de atos
ao arrepio do ordenamento, nem os justificam, e muito menos são pela ordem
jurídica aceitas como circunstâncias autorizadoras da realização de atos
puníveis na seara penal.
4. Dosimetria da Pena. Primeira fase. A forma como a droga foi ocultada é
mera etapa preparatória ordinária para a consumação do delito, de modo
que não pode configurar circunstâncias negativas e a pena não deve ser
exacerbada com base nisso. Trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59
do Código Penal não lhe são desfavoráveis. Considerando a natureza e
quantidade da droga apreendida com o réu, 4.262 g (quatro mil, duzentos
e sessenta e dois gramas- massa líquida) de cocaína, com fundamento no
art. 42 da Lei n.º 11.343/06, a pena-base merece exasperação em 1/5,
consoante entendimento firmado por esta Turma. Reduzida a pena na primeira
fase e fixada em 6 (seis) anos e 600 (seiscentos) dias-multa.
5. Segunda fase. O fato do réu somente ter confessado em decorrência
da prisão em flagrante e a ausência de informações precisas acerca
das pessoas que o contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante,
direito subjetivo do réu que confessa os fatos. Fixada a pena nesta fase em 5
(cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
6. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
7. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa de
tráfico internacional de drogas. Pena definitivamente fixada em 4 (quatro)
anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 485 (quatrocentos e
oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
8. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
9. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e
a pena definitiva fixada 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias
de reclusão, o que não impede seja fixado o regime inicial semiaberto,
em razão da quantidade da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b"
e § 3º, do Código Penal.
10. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
11. Exauridos os recursos nesta Corte, expeça-se Carta de Sentença, bem
como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena
imposta à ré.
12. Apelação da defesa parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, em dar parcial provimento à apelação da defesa,
para reduzir a pena-base da ré, fazer incidir a atenuante da confissão
espontânea, reconhecer a causa especial de diminuição de pena prevista
no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/2006, fixando a pena de YUDI LINETH
CIFUENTES GONZALEZ em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de
reclusão, e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor
unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos
fatos, no regime prisional semiaberto, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/02/2017
Data da Publicação
:
14/02/2017
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 69283
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
STF HC 111840.
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-24 PAR-2 ART-59 ART-33 PAR-2 PAR-3 ART-44
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-42 ART-40 INC-1
***** LCH-90 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
LEG-FED LEI-8072 ANO-1990 ART-2 PAR-1
LEG-FED LEI-11464 ANO-2007
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2017
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