TRF3 0009806-74.2008.4.03.6106 00098067420084036106
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME
NECESSÁRIO. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CÓDIGO
FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA DA DEGRADAÇÃO. LEI Nº 4.771/65. INAPLICABILIDADE
DA LEI Nº 12.651/02. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO
EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER
REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE. CONDENAÇÃO
EM OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER E INDENIZAR MANTIDA. REMESSA OFICIAL,
TIDA POR INTERPOSTA, E APELAÇÃO IMPROVIDAS.
- Ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal para
apuração de responsabilidade por dano ao meio ambiente, decorrente da
ocupação de área considerada de preservação permanente localizada às
margens do Rio Grande, no município de Orindiúva/SP, abaixo do reservatório
da Usina Hidrelétrica de UHE de Água Vermelha, impossibilitando a
regeneração da floresta e da vegetação natural.
- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá
ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19
da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
- Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, no uso de suas atribuições,
deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias
ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder
à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da
prova. Ademais, os documentos que instruem a inicial (laudo de constatação
de fls. 311/318, emitido pelo IBAMA, por exemplo) são suficientes para
demonstrar a ocupação de área de preservação permanente.
- O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o
agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de
responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para
assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público,
entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação.
- A Constituição Federal recepcionou a proteção anteriormente existente
na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº
4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. A Lei nº 7.803, editada
em 18 de julho de 1989, incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código
Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas
de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86),
também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos
diretores municipais.
- A Lei nº 4.771/1965 foi revogada com a edição da Lei nº 12.651, de
25 de maio de 2012). Todavia, não é o caso de aplicabilidade das normas
do novo Código Florestal. O C. STJ já firmou entendimento, no sentido de
que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos
pretéritos, quando implicar em redução do patamar de proteção do meio
ambiente sem a necessária compensação. Desta forma, também não há que
se falar em inexistência de dano ambiental com fundamento no art. 61-A do
novo Código Florestal.
- Nos termos do art. 2º, "a", item 4, da L. 4.771/1965, constituem Área de
Preservação Permanente as florestas e demais formas de vegetação natural
situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível
mais alto, em faixa marginal, cuja largura mínima será de 200 (duzentos)
metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos)
metros de largura.
- Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva,
ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação
da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização
encontra fundamento nos artigos 4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº
6.938/81.
- Quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se
que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências
negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório
à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. O
simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange
à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para
caracterizar o nexo causal.
- A Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua
função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala
que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º,
da Lei 10.406/02).
- Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é
observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente,
e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área
protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente,
construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa
descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o
dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição
do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração
natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da
função sócio ambiental daquela propriedade.
- A controvérsia diz respeito em verificar se o réu, ora apelado, causou
danos ao meio ambiente em razão de ocupação de área considerada de
preservação permanente. Após análise do conjunto probatório, não há
dúvidas da existência de danos ao meio ambiente em razão de ocupação
da referida área.
- Manutenção da procedência da ação e da condenação do apelante à
desocupação da área de preservação permanente, ocupada por ele, e à
reparação dos danos ambientais verificados.
- Remessa oficial, tida por interposta, e apelação improvidas.
Ementa
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME
NECESSÁRIO. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CÓDIGO
FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA DA DEGRADAÇÃO. LEI Nº 4.771/65. INAPLICABILIDADE
DA LEI Nº 12.651/02. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO
EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER
REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE. CONDENAÇÃO
EM OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER E INDENIZAR MANTIDA. REMESSA OFICIAL,
TIDA POR INTERPOSTA, E APELAÇÃO IMPROVIDAS.
- Ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal para
apuração de responsabilidade por dano ao meio ambiente, decorrente da
ocupação de área considerada de preservação permanente localizada às
margens do Rio Grande, no município de Orindiúva/SP, abaixo do reservatório
da Usina Hidrelétrica de UHE de Água Vermelha, impossibilitando a
regeneração da floresta e da vegetação natural.
- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá
ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19
da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
- Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, no uso de suas atribuições,
deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias
ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder
à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da
prova. Ademais, os documentos que instruem a inicial (laudo de constatação
de fls. 311/318, emitido pelo IBAMA, por exemplo) são suficientes para
demonstrar a ocupação de área de preservação permanente.
- O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o
agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de
responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para
assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público,
entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação.
- A Constituição Federal recepcionou a proteção anteriormente existente
na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº
4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. A Lei nº 7.803, editada
em 18 de julho de 1989, incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código
Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas
de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86),
também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos
diretores municipais.
- A Lei nº 4.771/1965 foi revogada com a edição da Lei nº 12.651, de
25 de maio de 2012). Todavia, não é o caso de aplicabilidade das normas
do novo Código Florestal. O C. STJ já firmou entendimento, no sentido de
que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos
pretéritos, quando implicar em redução do patamar de proteção do meio
ambiente sem a necessária compensação. Desta forma, também não há que
se falar em inexistência de dano ambiental com fundamento no art. 61-A do
novo Código Florestal.
- Nos termos do art. 2º, "a", item 4, da L. 4.771/1965, constituem Área de
Preservação Permanente as florestas e demais formas de vegetação natural
situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível
mais alto, em faixa marginal, cuja largura mínima será de 200 (duzentos)
metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos)
metros de largura.
- Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva,
ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação
da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização
encontra fundamento nos artigos 4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº
6.938/81.
- Quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se
que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências
negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório
à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. O
simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange
à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para
caracterizar o nexo causal.
- A Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua
função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala
que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º,
da Lei 10.406/02).
- Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é
observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente,
e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área
protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente,
construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa
descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o
dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição
do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração
natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da
função sócio ambiental daquela propriedade.
- A controvérsia diz respeito em verificar se o réu, ora apelado, causou
danos ao meio ambiente em razão de ocupação de área considerada de
preservação permanente. Após análise do conjunto probatório, não há
dúvidas da existência de danos ao meio ambiente em razão de ocupação
da referida área.
- Manutenção da procedência da ação e da condenação do apelante à
desocupação da área de preservação permanente, ocupada por ele, e à
reparação dos danos ambientais verificados.
- Remessa oficial, tida por interposta, e apelação improvidas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, tida por interposta,
e apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
15/02/2017
Data da Publicação
:
09/03/2017
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1853140
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL
LEG-FED LEI-4771 ANO-1965 ART-2 LET-A ITE-4
LEG-FED LEI-12651 ANO-2002
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
LEG-FED LEI-7803 ANO-1989
LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-4 INC-7 ART-14 PAR-1
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-23
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1228 PAR-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2017
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