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Jurisprudência


TRF3 0009813-19.2014.4.03.6183 00098131920144036183

Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTE BIOLÓGICO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. ATIVIDADE COMPROVADAMENTE EXPOSTA A FATORES DE RISCO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. LAUDO EXTEMPORÂNEO. VALIDADE. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO ART. 57, §8º, DA LEI 8.213/91. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1.Recebida a apelação interposta pelo INSS, já que manejada tempestivamente, conforme certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de Processo Civil/2015. 2.O INSS requer o reconhecimento expresso da prescrição quinquenal, Todavia, a sentença apelada, conforme se verifica à fl. 105, em relação ao pedido de prescrição quinquenal das parcelas vencidas anteriormente aos cinco anos do ajuizamento da demanda, registra determinação expressa para que a mesma seja observada. 3.Destarte tendo o r. decisum determinado a observância da prescrição quinquenal, constata-se que o recurso do INSS não pode ser conhecido, nestes particulares, à míngua de interesse recursal. 4. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova. 5. A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Diante de tal evolução normativa e do princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -, reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 06.03.97); superior a 90dB (de 06.03.1997 a 17.11.2003); e superior a 85 dB, a partir de 18.11.2003. O C. STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto 4.882/2003: "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694). 6. O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria". Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de que o segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. 7. As atribuições do atendente de enfermagem e de auxiliar de enfermagem equivalem, para fins de enquadramento como atividade especial, à de enfermeira, sendo, destarte, consideradas insalubres pelos Códigos 2.1.3 do Decreto 53.831/1964 e 2.1.3, Anexo II, do Decreto 83.080/1979, já que o contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes é inerente às atividades desenvolvidas por tais profissionais. 8. Até 28.04.1995, o enquadramento do labor especial poderia ser feito com base na categoria profissional. Após essa data, o segurado passou a ter que provar, por meio de formulário específico, a exposição a agente nocivo, no caso biológico, previsto no item 3.0.1 do Anexo IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99. 9. Irresigna-se a autarquia previdenciária, afirmando que não basta a presunção ou risco genérico, devendo restar provada a exposição efetiva ao agente agressivo. 10. In casu, na sua descrição de atividades nos PPP's de fls. 52/53 e 54/55, consta que, desde 07/04/1987 até 28/05/2012, a autora " executa trabalho técnico, que consiste em prestar cuidados integrais de enfermagem ao paciente, seguindo plano previamente estabelecido pela Enfermeira da Unidade" 11. Verifica-se, pois, que em seu rol de atividades cotidianas, o primordial era o atendimento direto a pacientes, o que implica em contato direto. E, além disso, consta como fator de risco nos referidos formulário legais, o "biológico" e " vírus fungos, bactérias e protozoários", condições que não podem ser desconsideradas quando avaliado todo o conjunto probatório. 12. Demais disso, como bem ponderou o Juízo monocrático, que a parte autora exerceu por longo período a mesma atividade, sem interrupção de vínculo empregatício junto à Sociedade Beneficente Israelita Hospital Albert Einstein. Outrossim, evidencia-se que sempre exerceu as funções de auxiliar de enfermagem, de maneira idêntica àquelas do período de 07/04/1987 a 05/03/1997, interim cuja especialidade já foi reconhecida administrativamente pelo INSS (fls. 59 e 64). 13. Nesse cenário, considerando que, conforme se extrai do formulário legal juntado às fls. 142/143, as atividades desenvolvidas pela autora, no período sub judice, implicavam em contato habitual e permanente com agentes biológicos considerados nocivos pela legislação de regência, devem tais interregnos, nos quais a autora trabalhou na Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein, ser enquadrados como especial. 14. Não restam dúvidas que, mais que o mero enquadramento profissional, o PPP noticia a efetiva exposição a agentes infectocontagiosos, importando, à vista da análise conjunta com a descrição de suas atividades desenvolvidas pela segurada ora descritas, no seu contato com agentes biológicos nocivos de forma habitual. 15. A descrição das atividades deixa claro que ela executava tarefas de atendimento ao paciente (cuidados integrais de enfermagem) estando exposta a agentes nocivos de forma habitual, o que impõe a manutenção do reconhecimento do labor especial no período. 16. Considerando demonstrada a exposição a agentes biológicos, o trabalho da parte autora deve ser enquadrado como especial. 17. O laudo técnico não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços. 18. Na data do requerimento administrativo, (05/06/2012, fl. 22), já estavam implementados os requisitos para a concessão do benefício, conforme tabela e cálculos inseridos às fls. 104/104v da sentença. Por isso, o termo inicial deve ser mantido na data do pedido administrativo, momento em que o INSS tomou ciência da pretensão da parte autora. 19. Considerando período de tempo enquadrado neste feito, tem-se que a parte autora comprovou o labor em condições especiais por período superior a 25 anos, conforme cálculo elaborado à fl. 104 e tabela anexada à fl. 104v da sentença apelada, de sorte que a autora faz jus à aposentadoria especial, a qual é devida desde a data do requerimento administrativo, em função do quanto estabelecido no artigo 57, §2° c.c. o artigo 49, I, b, ambos da Lei 8.213/91. 20. A inteligência do artigo 57, §8° c.c o artigo 46, ambos da Lei 8.231/91, revela que o segurado que estiver recebendo aposentadoria especial terá tal benefício cancelado se retornar voluntariamente ao exercício da atividade especial. Logo, só há que se falar em cancelamento do benefício e, consequentemente, em incompatibilidade entre o recebimento deste e a continuidade do exercício da atividade especial se houver (i) a concessão do benefício e, posteriormente, (ii) o retorno ao labor especial. No caso, não houve a concessão da aposentadoria especial, tampouco o posterior retorno ao labor especial. A parte autora requereu o benefício; o INSS o indeferiu na esfera administrativa, circunstância que, evidentemente, levou o segurado a continuar a trabalhar, até mesmo para poder prover a sua subsistência e da sua família. Considerando que a aposentadoria especial só foi concedida na esfera judicial e que o segurado não retornou ao trabalho em ambiente nocivo, mas sim continuou nele trabalhando após o INSS ter indeferido seu requerimento administrativo, tem-se que a situação fática verificada in casu não se amolda ao disposto no artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, de sorte que esse dispositivo não pode ser aplicado ao caso vertente, ao menos até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que concedeu a aposentadoria especial. 21. O artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, tem como finalidade proteger a saúde do trabalhador, vedando que o beneficiário de uma aposentadoria especial continue trabalhando num ambiente nocivo. Sendo assim, considerando que tal norma visa proteger o trabalhador, ela não pode ser utilizada para prejudicar aquele que se viu na contingência de continuar trabalhando pelo fato de o INSS ter indevidamente indeferido seu benefício. A par disso, negar ao segurado os valores correspondentes à aposentadoria especial do período em que ele, após o indevido indeferimento do benefício pelo INSS, continuou trabalhando em ambiente nocivo significa, a um só tempo, beneficiar o INSS por um equívoco seu - já que, nesse cenário, a autarquia deixaria de pagar valores a que o segurado fazia jus por ter indeferido indevidamente o requerido - e prejudicar duplamente o trabalhador - que se viu na contingencia de continuar trabalhando em ambiente nocivo mesmo quando já tinha direito ao benefício que fora indevidamente indeferido pelo INSS - o que colide com os princípios da proporcionalidade e da boa-fé objetiva (venire contra factum proprium). 22. Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/PE, repercussão geral). 23. Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado. 24. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral. 25. De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E. 26. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento das verbas honorárias, ora mantidos em 10% do valor das prestações vencidas, até a data da sentença, até porque razoavelmente fixados, na forma da Súmula 111 do STJ. 27. Apelação do INSS conhecida em parte e, na parte conhecida, desprovida. De ofício, corrigida a correção monetária.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer em parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, negar provimento e, e ofício, corrigir a correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 30/07/2018
Data da Publicação : 16/08/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2272895
Órgão Julgador : SÉTIMA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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