TRF3 0009817-28.2015.4.03.6181 00098172820154036181
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL
DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA
E DOLO DEMONSTRADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ESTADO DE
NECESSIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV DO CP NÃO VERIFICADA. CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, §
4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO
PROVIDA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A materialidade, autoria e dolo do crime restaram comprovados nos autos.
2. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que
o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha
gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais
requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos
lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir
para a criminalidade. Contudo, O réu optou pela saída cômoda, preferindo
auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime,
cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
3. 6. O "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria
diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial,
é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o
qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um
bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do
agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou
não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se
a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante.
4. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a
punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso
ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de
causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda
que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista
que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única
alternativa de sobrevivência da ré.
5. Dosimetria do Tráfico transnacional de entorpecentes. Primeira
fase. Trata-se de apelante primário, que não ostenta maus antecedentes,
bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal
não lhe são desfavoráveis. Considerando a natureza e quantidade da droga
apreendida, 3,486kg (três quilos, quatrocentos e oitenta e seis gramas -
massa líquida) de cocaína, com fundamento no art. 42 da Lei n.º 11.343/06,
a pena-base merece exasperação em 1/6 e, em decorrência, resta fixada a
pena na primeira fase para 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e
583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
6. Segunda fase da dosimetria. O pagamento de recompensa é circunstância
ordinária no delito de tráfico de drogas, ocorrendo na quase totalidade
dos casos de prática desse delito, mostrando-se, portanto, indevida a
incidência da agravante com base nesse argumento. A confissão do réu,
porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza
o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada
como um dos fundamentos da condenação, assim, de rigor o reconhecimento
da atenuante da confissão espontânea, pelo que a pena deve ser fixada
nesta fase em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa,
observada a Súmula 231 do STJ.
7. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
8. Para a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico
é irrelevante a distância da viagem realizada, pois a finalidade não é a
disseminação do tráfico pelos lugares por onde o réu passaria, mas apenas
a entrega da droga no destino. Em consequência, não há afetação maior
do bem jurídico tutelado em razão de ser maior ou menor a distância a ser
percorrida, até porque o dano à coletividade não depende da distância,
mas à quantidade de pessoas que efetivamente recebem a droga.
9. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primário, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa
de tráfico internacional de drogas.
10. Rejeitado o pleito da defesa relativo à causa de diminuição prevista
no artigo 24, §2° do CP, pois o réu poderia ter-se valido de outros
meios lícitos para sanar a suposta dificuldade financeira, que sequer ficou
comprovada nos autos. E, ainda que houvesse essa comprovação, tal fato não
seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade
(tráfico internacional de entorpecentes), já que ingressar no mundo do
crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas
econômicos.
11. Pena definitivamente fixada em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10
(dez) dias de reclusão e pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco)
dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo,
vigente na data dos fatos.
12. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
13. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e
a pena definitiva fixada em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses, 10 (dez) dias
de reclusão, o que não impede seja fixado o regime inicial semiaberto,
em razão da quantidade da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b"
e § 3º, do Código Penal.
14. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
15. Apelação da acusação a que se nega provimento. Apelação da defesa
parcialmente provida.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL
DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA
E DOLO DEMONSTRADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ESTADO DE
NECESSIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV DO CP NÃO VERIFICADA. CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, §
4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO
PROVIDA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A materialidade, autoria e dolo do crime restaram comprovados nos autos.
2. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que
o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha
gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais
requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos
lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir
para a criminalidade. Contudo, O réu optou pela saída cômoda, preferindo
auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime,
cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
3. 6. O "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria
diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial,
é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o
qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um
bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do
agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou
não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se
a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante.
4. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a
punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso
ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de
causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda
que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista
que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única
alternativa de sobrevivência da ré.
5. Dosimetria do Tráfico transnacional de entorpecentes. Primeira
fase. Trata-se de apelante primário, que não ostenta maus antecedentes,
bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal
não lhe são desfavoráveis. Considerando a natureza e quantidade da droga
apreendida, 3,486kg (três quilos, quatrocentos e oitenta e seis gramas -
massa líquida) de cocaína, com fundamento no art. 42 da Lei n.º 11.343/06,
a pena-base merece exasperação em 1/6 e, em decorrência, resta fixada a
pena na primeira fase para 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e
583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
6. Segunda fase da dosimetria. O pagamento de recompensa é circunstância
ordinária no delito de tráfico de drogas, ocorrendo na quase totalidade
dos casos de prática desse delito, mostrando-se, portanto, indevida a
incidência da agravante com base nesse argumento. A confissão do réu,
porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza
o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada
como um dos fundamentos da condenação, assim, de rigor o reconhecimento
da atenuante da confissão espontânea, pelo que a pena deve ser fixada
nesta fase em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa,
observada a Súmula 231 do STJ.
7. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
8. Para a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico
é irrelevante a distância da viagem realizada, pois a finalidade não é a
disseminação do tráfico pelos lugares por onde o réu passaria, mas apenas
a entrega da droga no destino. Em consequência, não há afetação maior
do bem jurídico tutelado em razão de ser maior ou menor a distância a ser
percorrida, até porque o dano à coletividade não depende da distância,
mas à quantidade de pessoas que efetivamente recebem a droga.
9. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primário, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa
de tráfico internacional de drogas.
10. Rejeitado o pleito da defesa relativo à causa de diminuição prevista
no artigo 24, §2° do CP, pois o réu poderia ter-se valido de outros
meios lícitos para sanar a suposta dificuldade financeira, que sequer ficou
comprovada nos autos. E, ainda que houvesse essa comprovação, tal fato não
seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade
(tráfico internacional de entorpecentes), já que ingressar no mundo do
crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas
econômicos.
11. Pena definitivamente fixada em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10
(dez) dias de reclusão e pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco)
dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo,
vigente na data dos fatos.
12. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
13. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e
a pena definitiva fixada em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses, 10 (dez) dias
de reclusão, o que não impede seja fixado o regime inicial semiaberto,
em razão da quantidade da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b"
e § 3º, do Código Penal.
14. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
15. Apelação da acusação a que se nega provimento. Apelação da defesa
parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, em negar provimento à apelação da acusação e
dar parcial provimento à apelação da defesa, para reduzir a pena-base e
alterar o regime prisional inicial, fixando a pena de JAIME PLA CUESTA em 4
(quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de
485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos, fixando o
regime prisional inicial semiaberto, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
28/06/2016
Data da Publicação
:
12/07/2016
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 66571
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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