TRF3 0009817-43.2006.4.03.6181 00098174320064036181
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 344 DO CÓDIGO PENAL. COAÇÃO NO CURSO DO
PROCESSO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEITADA. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. APELAÇÃO DA DEFESA
PARCIALMENTE PROVIDA. DE OFÍCIO DECRETADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA RETROATIVA.
1. Da análise dos autos, depreende-se que os elementos de prova colhidos
durante a fase investigativa foram ratificadas em juízo, sobretudo pelo
interrogatório com declarações contraditórias do próprio apelante,
aliado ao depoimento da vítima e da testemunha de acusação, ratificada em
juízo. Preliminar de nulidade por ofensa ao art. 155 do Código de Processo
Penal rejeitada.
2. Não há que se falar em nulidade por ofensa ao artigo 204 do Código de
Processo Penal, que apenas pretende evitar que a testemunha leve tudo por
escrito, adredemente preparado, sem sinceridade ou veracidade, o que não
ocorreu no caso dos autos, em que a testemunha precisou recorrer a seu próprio
depoimento prestado na fase investigativa em razão do longo período de
tempo decorrido desde então (quase 9 anos!). Preliminar de nulidade afastada.
3. A materialidade delitiva restou comprovada a partir do boletim de
ocorrência (fls. 03), termo de declarações da vítima (fls. 09/10) e da
testemunha (fls. 18/19).
4. A autoria também está demonstrada pelos depoimentos colhidos na fase
policial, ratificados pelo interrogatório do apelante em sede judicial
(mídia às fls. 333), depoimento da vítima (mídia às fls. 310) e da
testemunha de acusação (mídia às fls. 333), também realizados em juízo.
5. Não há como desclassificar a conduta do réu para o crime de ameaça,
previsto no art. 147 do Código Penal, com o consequente reconhecimento da
decadência e/ou da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em
abstrato. Com efeito, no curso da instrução processual, restou demonstrado
que o recorrente valeu-se de grave ameaça à vida de seu ex-empregado Arlon,
a fim de que não ajuizasse ação trabalhista e, uma vez proposta, para
que dela desistisse, visando, com isso, não pagar as verbas trabalhistas
que lhe eram devidas. Portanto, a conduta do apelante somada ao elemento
subjetivo do tipo, qual seja, o especial fim de agir que qualifica o crime
de coação no curso do processo, adequa-se exatamente ao tipo penal descrito
no art. 344 do Código Penal.
6. Dosimetria da pena. Primeira fase: A culpabilidade realmente deve ser
valorada negativamente, pois, não obstante seja elemento do tipo o uso de
violência ou grave ameaça para favorecer interesse próprio em processo
judicial, no caso, trata-se de um específico processo judicial, qual seja,
reclamação trabalhista, ação esta mais reprovável socialmente, pois
afronta diretamente os direitos sociais constitucionalmente assegurados
aos trabalhadores. Por outro lado, não há outros elementos nos autos que
permitam a valoração negativa da personalidade do acusado, pois o fato de
se utilizar de grave ameaça para a prática do delito é elemento ínsito
ao tipo penal do art. 334 do Código Penal. Da mesma forma, o motivo de
"implementar interesse seu a despeito das normas vigentes na sociedade,
empreendimento de ações com prepotência" utilizado pelo Juízo a quo para
considerar desfavorável tal circunstância, também é implícito do tipo ora
analisado e, portanto, não deve ser valorada negativamente em desfavor do
réu. As circunstâncias do crime não são normais à espécie, haja vista
o apelante ter se utilizado de terceira pessoa, no caso, o segurança de sua
casa noturna, para ameaçar o ex-funcionário. Entretanto, tal circunstância
negativa será utilizada para majorar a pena na segunda fase da dosimetria,
como agravante genérica, prevista no art. 62, III, do Código Penal, não
podendo, nesta primeira fase, ser considerada desfavorável ao acusado. A
valoração negativa das consequências do crime também deve ser mantida,
pois o apelante realmente "demonstrou total desrespeito ao próximo, alguém
que já trabalhou como empregado dele, a quem resolveu ameaçar e constranger
moralmente". Assim, a pena-base do acusado deve ser majorada em 1/3 (um
terço), em decorrência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis
(culpabilidade e consequências), restando fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro)
meses de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
7. Dosimetria da pena. Segunda fase: Não existem circunstâncias
atenuantes. Entretanto, deve ser mantida a agravante prevista no art. 62, III,
do Código Penal, pois o próprio apelante afirmou, em seu interrogatório
judicial, ter enviado o segurança de sua casa noturna para falar com o
ex-funcionário, embora tenha dito que o fizera para tentar viabilizar um
acordo trabalhista com a vítima. Assim, a pena deve ser majorada em 1/6
(um sexto), restando fixada em 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
8. Dosimetria da pena. Terceira fase. Ausente causa de aumento ou de
diminuição.
9. Pena de multa. O entendimento desta Turma é no sentido de que sua
dosimetria acompanha a mesma proporcionalidade da pena privativa de liberdade
aplicada, razão pela qual foi reduzida de 283 (duzentos e oitenta e três)
dias-multa pra 15 (quinze) dias-multa.
10. Mantido o regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de
liberdade, nos termos da sentença apelada.
11. Considerando que a pena imposta ao réu enseja o prazo prescricional de
4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, V do Código Penal, verifica-se
que já decorreu o prazo prescricional de 04 (quatro) anos entre a data dos
fatos e a data do recebimento da denúncia. Assim, de ofício, reconheida e
declarada extinta a punibilidade do réu ALLAN CARAMASCHI pela ocorrência
da prescrição da pretensão punitiva estatal, com supedâneo nos artigos
107, inciso IV, 109, inciso V, 110, § 1º (com redação anterior à Lei
nº 12.234/2010) e 115, todos do Código Penal, c.c. o artigo 61 do Código
de Processo Penal.
12. Apelação defensiva parcialmente provida para reduzir a pena
aplicada. Prescrição da pretensão punitiva retroativa reconhecida, de
ofício.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 344 DO CÓDIGO PENAL. COAÇÃO NO CURSO DO
PROCESSO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEITADA. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. APELAÇÃO DA DEFESA
PARCIALMENTE PROVIDA. DE OFÍCIO DECRETADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA RETROATIVA.
1. Da análise dos autos, depreende-se que os elementos de prova colhidos
durante a fase investigativa foram ratificadas em juízo, sobretudo pelo
interrogatório com declarações contraditórias do próprio apelante,
aliado ao depoimento da vítima e da testemunha de acusação, ratificada em
juízo. Preliminar de nulidade por ofensa ao art. 155 do Código de Processo
Penal rejeitada.
2. Não há que se falar em nulidade por ofensa ao artigo 204 do Código de
Processo Penal, que apenas pretende evitar que a testemunha leve tudo por
escrito, adredemente preparado, sem sinceridade ou veracidade, o que não
ocorreu no caso dos autos, em que a testemunha precisou recorrer a seu próprio
depoimento prestado na fase investigativa em razão do longo período de
tempo decorrido desde então (quase 9 anos!). Preliminar de nulidade afastada.
3. A materialidade delitiva restou comprovada a partir do boletim de
ocorrência (fls. 03), termo de declarações da vítima (fls. 09/10) e da
testemunha (fls. 18/19).
4. A autoria também está demonstrada pelos depoimentos colhidos na fase
policial, ratificados pelo interrogatório do apelante em sede judicial
(mídia às fls. 333), depoimento da vítima (mídia às fls. 310) e da
testemunha de acusação (mídia às fls. 333), também realizados em juízo.
5. Não há como desclassificar a conduta do réu para o crime de ameaça,
previsto no art. 147 do Código Penal, com o consequente reconhecimento da
decadência e/ou da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em
abstrato. Com efeito, no curso da instrução processual, restou demonstrado
que o recorrente valeu-se de grave ameaça à vida de seu ex-empregado Arlon,
a fim de que não ajuizasse ação trabalhista e, uma vez proposta, para
que dela desistisse, visando, com isso, não pagar as verbas trabalhistas
que lhe eram devidas. Portanto, a conduta do apelante somada ao elemento
subjetivo do tipo, qual seja, o especial fim de agir que qualifica o crime
de coação no curso do processo, adequa-se exatamente ao tipo penal descrito
no art. 344 do Código Penal.
6. Dosimetria da pena. Primeira fase: A culpabilidade realmente deve ser
valorada negativamente, pois, não obstante seja elemento do tipo o uso de
violência ou grave ameaça para favorecer interesse próprio em processo
judicial, no caso, trata-se de um específico processo judicial, qual seja,
reclamação trabalhista, ação esta mais reprovável socialmente, pois
afronta diretamente os direitos sociais constitucionalmente assegurados
aos trabalhadores. Por outro lado, não há outros elementos nos autos que
permitam a valoração negativa da personalidade do acusado, pois o fato de
se utilizar de grave ameaça para a prática do delito é elemento ínsito
ao tipo penal do art. 334 do Código Penal. Da mesma forma, o motivo de
"implementar interesse seu a despeito das normas vigentes na sociedade,
empreendimento de ações com prepotência" utilizado pelo Juízo a quo para
considerar desfavorável tal circunstância, também é implícito do tipo ora
analisado e, portanto, não deve ser valorada negativamente em desfavor do
réu. As circunstâncias do crime não são normais à espécie, haja vista
o apelante ter se utilizado de terceira pessoa, no caso, o segurança de sua
casa noturna, para ameaçar o ex-funcionário. Entretanto, tal circunstância
negativa será utilizada para majorar a pena na segunda fase da dosimetria,
como agravante genérica, prevista no art. 62, III, do Código Penal, não
podendo, nesta primeira fase, ser considerada desfavorável ao acusado. A
valoração negativa das consequências do crime também deve ser mantida,
pois o apelante realmente "demonstrou total desrespeito ao próximo, alguém
que já trabalhou como empregado dele, a quem resolveu ameaçar e constranger
moralmente". Assim, a pena-base do acusado deve ser majorada em 1/3 (um
terço), em decorrência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis
(culpabilidade e consequências), restando fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro)
meses de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
7. Dosimetria da pena. Segunda fase: Não existem circunstâncias
atenuantes. Entretanto, deve ser mantida a agravante prevista no art. 62, III,
do Código Penal, pois o próprio apelante afirmou, em seu interrogatório
judicial, ter enviado o segurança de sua casa noturna para falar com o
ex-funcionário, embora tenha dito que o fizera para tentar viabilizar um
acordo trabalhista com a vítima. Assim, a pena deve ser majorada em 1/6
(um sexto), restando fixada em 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
8. Dosimetria da pena. Terceira fase. Ausente causa de aumento ou de
diminuição.
9. Pena de multa. O entendimento desta Turma é no sentido de que sua
dosimetria acompanha a mesma proporcionalidade da pena privativa de liberdade
aplicada, razão pela qual foi reduzida de 283 (duzentos e oitenta e três)
dias-multa pra 15 (quinze) dias-multa.
10. Mantido o regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de
liberdade, nos termos da sentença apelada.
11. Considerando que a pena imposta ao réu enseja o prazo prescricional de
4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, V do Código Penal, verifica-se
que já decorreu o prazo prescricional de 04 (quatro) anos entre a data dos
fatos e a data do recebimento da denúncia. Assim, de ofício, reconheida e
declarada extinta a punibilidade do réu ALLAN CARAMASCHI pela ocorrência
da prescrição da pretensão punitiva estatal, com supedâneo nos artigos
107, inciso IV, 109, inciso V, 110, § 1º (com redação anterior à Lei
nº 12.234/2010) e 115, todos do Código Penal, c.c. o artigo 61 do Código
de Processo Penal.
12. Apelação defensiva parcialmente provida para reduzir a pena
aplicada. Prescrição da pretensão punitiva retroativa reconhecida, de
ofício.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da
3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares de nulidade, e dar
parcial provimento ao recurso interposto pela defesa, para reduzir a pena-base,
fixando a pena definitiva em 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de
reclusão, no regime inicial aberto e pagamento de 15 (quinze) dias-multa,
no valor de ½ do salário mínimo vigente na data dos fatos. Substituída
a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, nos termos
da sentença. De ofício, reconhecer e declarar extinta a punibilidade
do réu ALLAN CARAMASCHI pela ocorrência da prescrição da pretensão
punitiva estatal, com supedâneo nos artigos 107, inciso IV, 109, inciso V,
110, § 1º (com redação anterior à Lei nº 12.234/2010) e 115, todos do
Código Penal, c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
08/11/2016
Data da Publicação
:
18/11/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 68211
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-344 ART-147 ART-62 INC-3 ART-107 INC-4
ART-109 INC-5 ART-110 PAR-1 ART-115
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-155 ART-204 ART-61
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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