TRF3 0010093-64.2013.4.03.6105 00100936420134036105
DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME OMISSIVO. DOLO
GENÉRICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO SUFICIENTEMENTE PROVADAS. DA
DOSIMETRIA
I.O tipo penal em apreço pune quem não repassa à previdência social
contribuição ou outra importância que tenha sido descontada de pagamento
efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público, normalmente
o empregador que não repassa à previdência social as contribuições
incidentes sobre as remunerações pagas aos seus empregados. Trata-se de
um crime omissivo próprio e não comissivo omissivo (misto), já que não
se vislumbra uma ação (desconto) seguida de uma omissão (não repasse),
mas simplesmente uma omissão (não repasse), pois o desconto a cargo do
agente não é físico, mas meramente escritural.
II.O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade consciente
de omitir o repasse para a previdência social dos valores devidos pelos
segurados. É o que basta para a configuração do delito, uma vez que a
lei não exige uma finalidade específica do agente (dolo específico);
o intuito de fraudar a Previdência Social, o animus rem sibi habendi.
III.A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelos autos de infração
de n. 51.025.969-8 e 51.024.970-1 e pelo Procedimento Administrativo Fiscal
n. 10830.722939/2012-51 de fls. 06/73, os quais demonstram que a empresa
administrada pelo réu deixou de recolher as "contribuições descontadas
dos segurados empregados a seu serviço, no período de 05/2007 a 10/2010"
(fl. 03).
IV.A autoria também ficou demonstrada, na forma da ficha cadastral de
fls. 121/125 e dos atos constitutivos de fls. 128/141, os quais revelam que o
réu, a partir de 04/03/2004 passou a ocupar a posição de sócio e gerente
da empresa, por ela assinando com exclusividade. A alegação da defesa,
no sentido de que o réu não seria o gestor e proprietário de fato da
empresa autuada, papel que caberia a terceiro, de nome Vitor, não restou
comprovada, sendo certo que nenhum documento ou testemunho nesse sentido
foi trazido aos autos.
V.A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão
de culpabilidade, impondo-se perquirir se, nesta hipótese, o réu estava
efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados,
ou seja, se as dificuldades financeiras suportadas pela empresa eram de ordem
a colocar em risco a sua própria existência, incumbindo ao réu a prova da
alegação consoante o artigo 156 do Código de Processo Penal. Inexistindo
provas nos autos que autorizem o reconhecimento da inexigibilidade de conduta
diversa, estando devidamente comprovados a autoria, o dolo e a materialidade
delitiva, o édito condenatório em face do réu deve ser mantido.
VI.A análise da representação fiscal de fls. 02/05 revela que a
empresa gerida pelo réu deixou de recolher aproximadamente R$520.000,00
(quinhentos e vinte mil reais) a título de contribuições descontadas de
seus empregados, valor esse que não contempla os juros e multa. Trata-se,
pois, de valor expressivo, donde se conclui que a conduta delitiva sub judice,
de fato, produziu consequências especialmente deletérias, o que justifica a
exasperação da pena-base, a qual é fixada em 2 anos e 6 meses de reclusão
e 12 dias-multa.
VII.Na segunda fase da dosimetria, há que se aplicar a atenuante do artigo
65, I, do CP - reconhecida desde a sentença, mas não aplicada, ante a
impossibilidade de a pena intermediária ser fixada abaixo do mínimo legal
-, eis que o réu, à época da sentença (28/07/2015), era maior de 70 anos
(nasceu em 12/02/1940, cf. fl. 145). A pena intermediária fica em 2 anos e 1
(um) mês de reclusão e 10 dias-multa.
VIII.Na terceira fase, verifica-se que a continuidade delitiva prevista
no artigo 71, do CP, perdurou por 45 competências, entre 05/2007 e
10/2010. Aplicada a orientação delineada na ACR nº 11780, de relatoria do
e. Des. Fed. Nelton dos Santos, em que foram estabelecidos critérios objetivos
de exasperação, considerando o número de competências objeto da omissão
[de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições
previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de
omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, 1/4
(um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro
a cinco anos de omissão, 1/2 (um meio); e acima de cinco anos de omissão,
2/3 (dois terços)]. Guardando essa proporção e tendo em vista que o
réu praticou delito num intervalo de 3 (três) anos e 5 (cinco) meses,
fixada a exasperação em 1/3, resultando na pena definitiva de 02 (dois)
anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa,
no valor unitário mínimo.
IX.O valor da prestação pecuniária deve ser redimensionado. Não havendo nos
autos quaisquer informações acerca da situação financeira do réu, o que,
inclusive, levou a decisão recorrida a fixar o valor do dia-multa no mínimo
legal e não tendo a decisão apelada apresentado qualquer fundamentação para
fixar tal valor acima do mínimo legal, deve o valor da prestação pecuniária
ser reduzido para o patamar mínimo, conforme jurisprudência desta C. Turma.
Ementa
DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME OMISSIVO. DOLO
GENÉRICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO SUFICIENTEMENTE PROVADAS. DA
DOSIMETRIA
I.O tipo penal em apreço pune quem não repassa à previdência social
contribuição ou outra importância que tenha sido descontada de pagamento
efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público, normalmente
o empregador que não repassa à previdência social as contribuições
incidentes sobre as remunerações pagas aos seus empregados. Trata-se de
um crime omissivo próprio e não comissivo omissivo (misto), já que não
se vislumbra uma ação (desconto) seguida de uma omissão (não repasse),
mas simplesmente uma omissão (não repasse), pois o desconto a cargo do
agente não é físico, mas meramente escritural.
II.O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade consciente
de omitir o repasse para a previdência social dos valores devidos pelos
segurados. É o que basta para a configuração do delito, uma vez que a
lei não exige uma finalidade específica do agente (dolo específico);
o intuito de fraudar a Previdência Social, o animus rem sibi habendi.
III.A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelos autos de infração
de n. 51.025.969-8 e 51.024.970-1 e pelo Procedimento Administrativo Fiscal
n. 10830.722939/2012-51 de fls. 06/73, os quais demonstram que a empresa
administrada pelo réu deixou de recolher as "contribuições descontadas
dos segurados empregados a seu serviço, no período de 05/2007 a 10/2010"
(fl. 03).
IV.A autoria também ficou demonstrada, na forma da ficha cadastral de
fls. 121/125 e dos atos constitutivos de fls. 128/141, os quais revelam que o
réu, a partir de 04/03/2004 passou a ocupar a posição de sócio e gerente
da empresa, por ela assinando com exclusividade. A alegação da defesa,
no sentido de que o réu não seria o gestor e proprietário de fato da
empresa autuada, papel que caberia a terceiro, de nome Vitor, não restou
comprovada, sendo certo que nenhum documento ou testemunho nesse sentido
foi trazido aos autos.
V.A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão
de culpabilidade, impondo-se perquirir se, nesta hipótese, o réu estava
efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados,
ou seja, se as dificuldades financeiras suportadas pela empresa eram de ordem
a colocar em risco a sua própria existência, incumbindo ao réu a prova da
alegação consoante o artigo 156 do Código de Processo Penal. Inexistindo
provas nos autos que autorizem o reconhecimento da inexigibilidade de conduta
diversa, estando devidamente comprovados a autoria, o dolo e a materialidade
delitiva, o édito condenatório em face do réu deve ser mantido.
VI.A análise da representação fiscal de fls. 02/05 revela que a
empresa gerida pelo réu deixou de recolher aproximadamente R$520.000,00
(quinhentos e vinte mil reais) a título de contribuições descontadas de
seus empregados, valor esse que não contempla os juros e multa. Trata-se,
pois, de valor expressivo, donde se conclui que a conduta delitiva sub judice,
de fato, produziu consequências especialmente deletérias, o que justifica a
exasperação da pena-base, a qual é fixada em 2 anos e 6 meses de reclusão
e 12 dias-multa.
VII.Na segunda fase da dosimetria, há que se aplicar a atenuante do artigo
65, I, do CP - reconhecida desde a sentença, mas não aplicada, ante a
impossibilidade de a pena intermediária ser fixada abaixo do mínimo legal
-, eis que o réu, à época da sentença (28/07/2015), era maior de 70 anos
(nasceu em 12/02/1940, cf. fl. 145). A pena intermediária fica em 2 anos e 1
(um) mês de reclusão e 10 dias-multa.
VIII.Na terceira fase, verifica-se que a continuidade delitiva prevista
no artigo 71, do CP, perdurou por 45 competências, entre 05/2007 e
10/2010. Aplicada a orientação delineada na ACR nº 11780, de relatoria do
e. Des. Fed. Nelton dos Santos, em que foram estabelecidos critérios objetivos
de exasperação, considerando o número de competências objeto da omissão
[de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições
previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de
omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, 1/4
(um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro
a cinco anos de omissão, 1/2 (um meio); e acima de cinco anos de omissão,
2/3 (dois terços)]. Guardando essa proporção e tendo em vista que o
réu praticou delito num intervalo de 3 (três) anos e 5 (cinco) meses,
fixada a exasperação em 1/3, resultando na pena definitiva de 02 (dois)
anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa,
no valor unitário mínimo.
IX.O valor da prestação pecuniária deve ser redimensionado. Não havendo nos
autos quaisquer informações acerca da situação financeira do réu, o que,
inclusive, levou a decisão recorrida a fixar o valor do dia-multa no mínimo
legal e não tendo a decisão apelada apresentado qualquer fundamentação para
fixar tal valor acima do mínimo legal, deve o valor da prestação pecuniária
ser reduzido para o patamar mínimo, conforme jurisprudência desta C. Turma.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, (i) dar provimento ao recurso de apelação ministerial,
a fim de exasperar a pena-base, fixando-a em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses
de reclusão; (ii) negar provimento ao recurso da defesa; e (iii) reduzir,
de ofício, (a) a pena intermediária, aplicando a atenuante do artigo 65, I,
do CP, e (b) o quantum de aumento da pena em razão da continuidade delitiva,
redimensionado a pena do réu, que passa a ser de 02 (dois) anos, 09 (nove)
meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial aberto, e 13 (treze)
dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a pena corporal
por duas penas restritivas de direitos, sendo uma prestação pecuniária,
reduzida de ofício para 1 (um) salário mínimo, e uma pena de prestação
de serviços, mantendo, no mais, a sentença tal como lançada, nos termos
delineados no voto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
20/09/2016
Data da Publicação
:
28/09/2016
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 64816
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-156
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-65 INC-1 ART-71
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/09/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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