TRF3 0010439-95.2002.4.03.6106 00104399520024036106
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTABELECIMENTO BANCÁRIO QUE,
SEM AUTORIZAÇÃO DA CORRENTISTA, TRANSFERIU VALORES DE UMA CONTA-CORRENTE
PARA OUTRA. OPERAÇÕES QUE BUSCAVAM A QUITAÇÃO DE SALDO DEVEDOR E PAGAMENTO
DE PRESTAÇÃO DE FINANCIAMENTO. INDEVIDA APROPRIAÇÃO DE VALORES COM ORIGEM
EM SALÁRIOS. OFENSA AO ARTIGO 649, INCISOS IV E VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. ATO ILÍCITO BEM CARACTERIZADO. DANO MORAL EVIDENCIADO. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
1. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção
ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal
8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do Superior
Tribunal de Justiça.
2. Nesse contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária
é objetiva, porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor, responde o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço,
independentemente da existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição
financeira não tenha colaborado diretamente para a ocorrência do evento
danoso, responderá pelo dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa
exclusiva do consumidor (artigo 14, §3º, inciso II do CDC). E o serviço
é defeituoso, conforme parágrafo primeiro do dispositivo indicado, quando
não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.
3. No caso dos autos, narram os autores que, em 29/06/2001, a ré ingressou
com ação monitória nº 2001.61.06.005216-2 contra o autor, visando a
cobrança da dívida decorrente de cheque especial vinculado a conta corrente
nº 01.13.541-9, junto à agência nº 0364-6 da ré, denominado "contrato
de crédito rotativo - cheque azul", no valor de R$ 5.936,97. Todavia,
apesar de ter optado pela cobrança judicial, não zerou o saldo devedor
da aludida conta corrente, fazendo incidir sobre ele juros e encargos. E,
nos meses de agosto e setembro de 2001, apropriou-se dos valores que o
autor recebeu nesta conta a título de salário para quitação parcial da
dívida. Afirma que este fato levou o autor a propor a Ação Cautelar nº
2001.61.06.008136-8, visando reaver os valores. Defende que a conduta da ré
de cobrar em duplicidade os valores e se apropriar de seus salários ensejou
danos morais. Juntou documentos de fls. 12/213. Por sua vez, a parte ré deixou
de contestar os fatos, limitando-se a sustentar a inexistência de dano moral.
4. Como se vê, são questões incontroversas, porquanto não impugnadas
pela ré, a cobrança em duplicidade da dívida decorrente de cheque
especial vinculado a conta corrente nº 13.541.9, denominado "contrato de
crédito rotativo - cheque azul", e a apropriação, nos meses de agosto e
setembro de 2001, dos valores que o autor recebeu nesta conta a título de
salário para quitação parcial da dívida. E ainda que assim não fosse,
tais questões estão comprovadas nos autos. As cópias da ação monitória
nº 2001.61.06.005216-2 demonstram que esta ação, ajuizada em 29/07/2001,
visava a cobrança de R$ 5.936,97, decorrente do contrato "cheque azul"
vinculado à conta corrente do autor (fls. 16/38). E o extrato de fl. 121 prova
que o saldo da mencionada conta não foi zerado, porquanto, em 01/08/2001,
constava o saldo devedor de R$ 7.093,34. Este extrato também evidencia que,
em 21/08/2001 e 21/09/2001, foram creditados na conta do autor R$ 1.234,56 e R$
1.426,45, respectivamente, a título de salário ("TRAB PUBLI"), assim como que
estes valores foi utilizados pela ré para cobrir a dívida, o que se conclui
da redução dos saldos devedores nas mesmas datas em que foram creditados.
5. A controvérsia dos autos cinge-se à verificação de se estes fatos
ensejam os alegados danos morais.
6. Com efeito, o C. superior Tribunal de Justiça já assentou que, não
existindo anotação irregular nos órgãos de proteção ao crédito, a
mera cobrança indevida de serviços ao consumidor não gera danos morais
presumidos, isto é, in re ipsa. Assim, nestes casos, a configuração do
dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto,
a serem alegadas e comprovadas nos autos. A jurisprudência tem entendido
caracterizado dano moral quando evidenciado abuso na forma de cobrança,
por exemplo com publicidade negativa de dados do consumidor, reiteração
da cobrança indevida, inscrição em cadastros de inadimplentes,
protesto, ameaças descabidas, descrédito, coação, constrangimento,
ou interferência na sua vida social. A par disso, faz-se necessária a
análise das circunstâncias fáticas para, a partir daí, verificar se
efetivamente houve a alegada situação vexatória suscetível de reparação.
7. No caso dos autos, houve cobrança em duplicidade, pois a ré optou pela
cobrança do saldo devedor de cheque especial na via judicial, por meio do
ajuizamento de ação monitória, porém não encerrou o cheque especial,
de modo que o saldo devedor persistiu na conta corrente do autor e continuou
sendo acrescido dos encargos legais. E, após o ajuizamento da ação, a ré
utilizou, por dois meses seguidos, os valores creditados na conta do autor
a título de salário para amortizar o saldo devedor em aberto.
8. Ora, a partir do momento que o credor recorre ao Judiciário para ver
satisfeito o seu crédito, não pode mais autotutelar este direito, mantendo
o contrato em vigor. Assim, não pode acrescer o saldo devedor da conta
de encargos legais contratuais, já que também serão acrescidos na via
judicial. Tampouco pode fazer uso da cláusula sexta, parágrafo segundo, do
contrato, que permite à CEF utilizar o saldo devedor de qualquer conta e/ou
de aplicações financeiras mantidas pelo mutuário em quaisquer agencias,
para efeito de liquidação ou amortização das obrigações assumidas em
decorrência do contrato. Ademais, mesmo se o credor não tivesse recorrido
simultaneamente ao Judiciário, não poderia utilizar para amortização da
dívida a totalidade do salário do mutuário, por dois meses consecutivos,
haja vista que o art. 649, IV, do CPC determina que os salários são
absolutamente impenhoráveis. É evidente que a simples apropriação indevida
do salário já aponta para o dano moral, tendo em vista a sensação de
insegurança e o desgaste emocional que o fato naturalmente provoca. Por
estas razões, a situação a que foram submetidos os autores ultrapassa o
limite dos meros aborrecimentos e dissabores inerentes à vida em sociedade,
justificando a caracterização dos danos morais. Assim, está cabalmente
comprovado o abuso na forma de cobrança promovida pela ré e a configuração
dos danos morais.
9. Por fim, consigno que os extratos juntados pela ré às fls. 234/235,
demonstrando a existência de diversas negativações do nome do autor,
promovidas por outras empresas, não é capaz de afastar a conclusão pela
existência de danos morais, haja vista que no caso dos autos o dano do
autor não decorre de negativação promovida pela ré - mas sim de cobrança
em duplicidade e apropriação de valores. Assim, não há que se falar em
aplicação da Súmula nº 385 do E. Superior Tribunal de Justiça.
10. Com relação ao quantum indenizatório, a indenização em dano moral
define-se pela incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade
da sanção em relação à extensão do dano ou do ilícito, evitando-se
assim condenações extremas. Vale dizer que o valor da condenação imposta
à ré deve cumprir esse dúplice escopo, ou seja, ressarcir a vítima do
dano moral sofrido e desestimular práticas correlatas; afastando a comissão
de condutas análogas; não podendo, pois, tornar baixos os custos e riscos
sociais da infração. Diante das circunstâncias fáticas que nortearam
o presente caso, sobretudo o elevado valor apropriado pela ré, mostra-se
razoável manter a condenação arbitrada na sentença, no patamar de R$
5.000,00 (cinco mil reais), eis que tal importância não proporcionará
enriquecimento indevido e exagerado da parte autora e, ainda, é capaz de impor
punição a parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente,
além de ser compatível com os parâmetros adotados por esta E. Quinta Turma.
11. Apelações da CEF e da parte autora improvidas.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTABELECIMENTO BANCÁRIO QUE,
SEM AUTORIZAÇÃO DA CORRENTISTA, TRANSFERIU VALORES DE UMA CONTA-CORRENTE
PARA OUTRA. OPERAÇÕES QUE BUSCAVAM A QUITAÇÃO DE SALDO DEVEDOR E PAGAMENTO
DE PRESTAÇÃO DE FINANCIAMENTO. INDEVIDA APROPRIAÇÃO DE VALORES COM ORIGEM
EM SALÁRIOS. OFENSA AO ARTIGO 649, INCISOS IV E VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. ATO ILÍCITO BEM CARACTERIZADO. DANO MORAL EVIDENCIADO. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
1. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção
ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal
8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do Superior
Tribunal de Justiça.
2. Nesse contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária
é objetiva, porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor, responde o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço,
independentemente da existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição
financeira não tenha colaborado diretamente para a ocorrência do evento
danoso, responderá pelo dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa
exclusiva do consumidor (artigo 14, §3º, inciso II do CDC). E o serviço
é defeituoso, conforme parágrafo primeiro do dispositivo indicado, quando
não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.
3. No caso dos autos, narram os autores que, em 29/06/2001, a ré ingressou
com ação monitória nº 2001.61.06.005216-2 contra o autor, visando a
cobrança da dívida decorrente de cheque especial vinculado a conta corrente
nº 01.13.541-9, junto à agência nº 0364-6 da ré, denominado "contrato
de crédito rotativo - cheque azul", no valor de R$ 5.936,97. Todavia,
apesar de ter optado pela cobrança judicial, não zerou o saldo devedor
da aludida conta corrente, fazendo incidir sobre ele juros e encargos. E,
nos meses de agosto e setembro de 2001, apropriou-se dos valores que o
autor recebeu nesta conta a título de salário para quitação parcial da
dívida. Afirma que este fato levou o autor a propor a Ação Cautelar nº
2001.61.06.008136-8, visando reaver os valores. Defende que a conduta da ré
de cobrar em duplicidade os valores e se apropriar de seus salários ensejou
danos morais. Juntou documentos de fls. 12/213. Por sua vez, a parte ré deixou
de contestar os fatos, limitando-se a sustentar a inexistência de dano moral.
4. Como se vê, são questões incontroversas, porquanto não impugnadas
pela ré, a cobrança em duplicidade da dívida decorrente de cheque
especial vinculado a conta corrente nº 13.541.9, denominado "contrato de
crédito rotativo - cheque azul", e a apropriação, nos meses de agosto e
setembro de 2001, dos valores que o autor recebeu nesta conta a título de
salário para quitação parcial da dívida. E ainda que assim não fosse,
tais questões estão comprovadas nos autos. As cópias da ação monitória
nº 2001.61.06.005216-2 demonstram que esta ação, ajuizada em 29/07/2001,
visava a cobrança de R$ 5.936,97, decorrente do contrato "cheque azul"
vinculado à conta corrente do autor (fls. 16/38). E o extrato de fl. 121 prova
que o saldo da mencionada conta não foi zerado, porquanto, em 01/08/2001,
constava o saldo devedor de R$ 7.093,34. Este extrato também evidencia que,
em 21/08/2001 e 21/09/2001, foram creditados na conta do autor R$ 1.234,56 e R$
1.426,45, respectivamente, a título de salário ("TRAB PUBLI"), assim como que
estes valores foi utilizados pela ré para cobrir a dívida, o que se conclui
da redução dos saldos devedores nas mesmas datas em que foram creditados.
5. A controvérsia dos autos cinge-se à verificação de se estes fatos
ensejam os alegados danos morais.
6. Com efeito, o C. superior Tribunal de Justiça já assentou que, não
existindo anotação irregular nos órgãos de proteção ao crédito, a
mera cobrança indevida de serviços ao consumidor não gera danos morais
presumidos, isto é, in re ipsa. Assim, nestes casos, a configuração do
dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto,
a serem alegadas e comprovadas nos autos. A jurisprudência tem entendido
caracterizado dano moral quando evidenciado abuso na forma de cobrança,
por exemplo com publicidade negativa de dados do consumidor, reiteração
da cobrança indevida, inscrição em cadastros de inadimplentes,
protesto, ameaças descabidas, descrédito, coação, constrangimento,
ou interferência na sua vida social. A par disso, faz-se necessária a
análise das circunstâncias fáticas para, a partir daí, verificar se
efetivamente houve a alegada situação vexatória suscetível de reparação.
7. No caso dos autos, houve cobrança em duplicidade, pois a ré optou pela
cobrança do saldo devedor de cheque especial na via judicial, por meio do
ajuizamento de ação monitória, porém não encerrou o cheque especial,
de modo que o saldo devedor persistiu na conta corrente do autor e continuou
sendo acrescido dos encargos legais. E, após o ajuizamento da ação, a ré
utilizou, por dois meses seguidos, os valores creditados na conta do autor
a título de salário para amortizar o saldo devedor em aberto.
8. Ora, a partir do momento que o credor recorre ao Judiciário para ver
satisfeito o seu crédito, não pode mais autotutelar este direito, mantendo
o contrato em vigor. Assim, não pode acrescer o saldo devedor da conta
de encargos legais contratuais, já que também serão acrescidos na via
judicial. Tampouco pode fazer uso da cláusula sexta, parágrafo segundo, do
contrato, que permite à CEF utilizar o saldo devedor de qualquer conta e/ou
de aplicações financeiras mantidas pelo mutuário em quaisquer agencias,
para efeito de liquidação ou amortização das obrigações assumidas em
decorrência do contrato. Ademais, mesmo se o credor não tivesse recorrido
simultaneamente ao Judiciário, não poderia utilizar para amortização da
dívida a totalidade do salário do mutuário, por dois meses consecutivos,
haja vista que o art. 649, IV, do CPC determina que os salários são
absolutamente impenhoráveis. É evidente que a simples apropriação indevida
do salário já aponta para o dano moral, tendo em vista a sensação de
insegurança e o desgaste emocional que o fato naturalmente provoca. Por
estas razões, a situação a que foram submetidos os autores ultrapassa o
limite dos meros aborrecimentos e dissabores inerentes à vida em sociedade,
justificando a caracterização dos danos morais. Assim, está cabalmente
comprovado o abuso na forma de cobrança promovida pela ré e a configuração
dos danos morais.
9. Por fim, consigno que os extratos juntados pela ré às fls. 234/235,
demonstrando a existência de diversas negativações do nome do autor,
promovidas por outras empresas, não é capaz de afastar a conclusão pela
existência de danos morais, haja vista que no caso dos autos o dano do
autor não decorre de negativação promovida pela ré - mas sim de cobrança
em duplicidade e apropriação de valores. Assim, não há que se falar em
aplicação da Súmula nº 385 do E. Superior Tribunal de Justiça.
10. Com relação ao quantum indenizatório, a indenização em dano moral
define-se pela incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade
da sanção em relação à extensão do dano ou do ilícito, evitando-se
assim condenações extremas. Vale dizer que o valor da condenação imposta
à ré deve cumprir esse dúplice escopo, ou seja, ressarcir a vítima do
dano moral sofrido e desestimular práticas correlatas; afastando a comissão
de condutas análogas; não podendo, pois, tornar baixos os custos e riscos
sociais da infração. Diante das circunstâncias fáticas que nortearam
o presente caso, sobretudo o elevado valor apropriado pela ré, mostra-se
razoável manter a condenação arbitrada na sentença, no patamar de R$
5.000,00 (cinco mil reais), eis que tal importância não proporcionará
enriquecimento indevido e exagerado da parte autora e, ainda, é capaz de impor
punição a parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente,
além de ser compatível com os parâmetros adotados por esta E. Quinta Turma.
11. Apelações da CEF e da parte autora improvidas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da CEF e da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
22/01/2018
Data da Publicação
:
31/01/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1230608
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/01/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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