TRF3 0010539-49.2018.4.03.9999 00105394920184039999
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. BENEFÍCIO NÃO
CONTRIBUTIVO. ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. NORMA TRANSITÓRIA. TRABALHADOR
RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL FRÁGIL. NÃO COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL ATÉ O ADVENTO DA
INCAPACIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA
JURÍDICA PROVISÓRIA REVOGADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
- A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do art. 42 da
Lei n. 8.213/91, é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível
de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência. O auxílio-doença, benefício pago se a incapacidade for
temporária, é disciplinado pelo art. 59 da Lei n. 8.213/91, e a aposentadoria
por invalidez tem seus requisitos previstos no art. 42 da Lei 8.213/91.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o
pagamento de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário
mínimo (artigo 39, I, da Lei nº 8.213/91). Depois da edição da Lei
n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores
urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social. A partir
do advento da Constituição da República de 1988 não mais há distinção
entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/88),
cujos critérios de concessão e cálculo de benefícios previdenciários
regem-se pelas mesmas regras. Assim, a concessão dos benefícios de
aposentadoria por invalidez e auxílio-doença para os trabalhadores rurais,
se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência
do egrégio Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte.
- Entendo, pessoalmente, que somente os trabalhadores rurais, na qualidade
de segurados especiais, não necessitam comprovar os recolhimentos das
contribuições previdenciárias, devendo apenas provar o exercício da
atividade laboral no campo, ainda que de forma descontínua, pelo prazo da
carência estipulado pela lei, tal como exigido para o segurado especial. Assim
dispõe o art. 11, VII, c/c art. 39, I, da Lei 8.213/91. Consequentemente,
uma vez ausente a comprovação de exercício de atividade rural na forma
do inciso I do artigo 39 da Lei nº 8.213/91, não se lhe pode conceder
aposentadoria por invalidez rural.
- À míngua da previsão legal de concessão de benefício previdenciário
não contributivo, não cabe ao Poder Judiciário estender a previsão
legal a outros segurados que não sejam "segurados especiais", sob pena
de afrontar o princípio da distributividade (artigo 194, § único, III,
da Constituição Federal). O artigo 143 da Lei nº 8.213/91, que permite
a concessão de benefício sem o recolhimento de contribuições, referia-se
somente à aposentadoria por idade. Ainda assim, trata-se de norma transitória
com eficácia já exaurida.
- Enfim, penso que, quanto aos boias-frias ou diaristas - enquadrados como
trabalhadores eventuais, ou seja, contribuintes individuais na legislação
previdenciária, na forma do artigo 11, V, "g", da LBPS - não há previsão
legal de cobertura previdenciária no caso de benefícios por incapacidade,
exatamente porque o artigo 39, I, da LBPS só oferta cobertura aos segurados
especiais. Todavia, com a ressalva de meu entendimento pessoal, curvo-me ao
entendimento da jurisprudência francamente dominante nos Tribunais Federais,
nos sentido de que também o trabalhador boia-fria, diarista ou volante faz
jus aos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença não
contributivos.
- No caso dos autos, a perícia judicial concluiu pela incapacidade total e
permanente da parte autora para o exercício de atividades laborais, desde,
pelo menos, 2015.
- A autora alega ter exercido o labor rural sem registro em carteira em
diversas propriedades rurais e depois em sua chácara, em regime de economia
familiar, até o advento da incapacidade laboral.
- Com o objetivo de produzir início de prova material apresentou cópia
da certidão de casamento, celebrado em 1986, onde consta a profissão do
marido de lavrador; cópia da CTPS dele, com registros de vínculos rurais
e urbanos; declaração (datada de 4/3/2016) de manutenção de contrato de
comodato firmado entre a autora, seu cônjuge e a Associação dos Pequenos
produtores rurais de meridiano, com vigência até 16/01/2020; notas fiscais em
nome do marido, datadas de 2015/2016 de compra de produtos para plantação.
- De fato os documentos apresentados servem, como regra, de início de prova
material da condição de rurícola da esposa, conforme jurisprudência
consolidada. Acontece que em exceção à regra geral, a extensão de prova
material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível
quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola,
como o de natureza urbana.
- No caso em tela, os dados do CNIS revelam que o marido da autora manteve
vínculos urbanos nos períodos de 9/1998 a 1/2001; 7/2001 a 4/2003; 5/2006 e
de 10/7/2006 a 6/2016, bem como vínculos rurais de 9/1992 a 1/1993; 7/1993
a 12/1994 e de 7/2006 a 12/2009.
- Ou seja, o marido passou a exercer atividades urbanas a partir de 1998
até 2016, cumprindo ressaltar que não se tratam de vínculos esporádicos
ou de entressafra, mormente porque apresentou um nível de continuidade
e de diversidade bastante dispare dos pleitos previdenciários similares;
portanto, o que contamina a extensão da prova material.
- Ademais, quanto aos vínculos rurais, mostra-se impossibilitada a extensão
da condição de lavrador do marido à mulher, em vista do caráter individual
e específico em tais atividades laborais ocorrem. Assim, ao contrário da
hipótese do segurado especial, não há de se falar em empréstimo, para
fins previdenciários, da condição de lavrador do cônjuge (vide súmula
nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
- A existência de diversos vínculos trabalhistas da pessoa cujas provas
pretende beneficiar-se demonstra que o núcleo familiar não tinha como fonte
de receita somente o labor rural, tanto que o esposo recebe aposentadoria
por idade, na qualidade de comerciário, desde 5/2/2016.
- Nos termos do artigo 11, § 9º, da Lei nº 8.213/91, com a redação da
Lei nº 11.718/2008, não é segurado especial o membro de grupo familiar que
possuir outra fonte de rendimento, consistindo no trabalho do companheiro e,
posteriormente, na aposentadoria dele.
- A alegação da requerente que passou a trabalhar de forma individual, após
o marido iniciar suas atividades como empregado urbano, não se sustenta,
por si só, já que a única prova apresentada, em nome próprio, foi uma
declaração de contrato de comodato rural, com data posterior à data de
início da incapacidade laboral fixada na perícia.
- Tal documento não tem o condão de demonstrar o exercício de atividades
rurais até o advento da incapacidade, mormente considerando que a DII foi
fixada antes disso, em 3/9/2015, sendo que a própria autora afirmou, por
ocasião da perícia, que não mais trabalhava desde 2012.
- Além disso, os testemunhos colhidos foram assaz genéricos, simplórios
e mal circunstanciados e, portanto, insuficiente para comprovar o mourejo
asseverado.
- Nesse passo, entendo não demonstrado o efetivo exercício de trabalho
campesino da parte autora até o advento de sua incapacidade laboral, sendo
indevida, portanto, a concessão do benefício pretendido.
- Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas
processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo
CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º,
do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
- Apelação do INSS conhecida e provida.
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. BENEFÍCIO NÃO
CONTRIBUTIVO. ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. NORMA TRANSITÓRIA. TRABALHADOR
RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL FRÁGIL. NÃO COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL ATÉ O ADVENTO DA
INCAPACIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA
JURÍDICA PROVISÓRIA REVOGADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
- A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do art. 42 da
Lei n. 8.213/91, é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível
de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência. O auxílio-doença, benefício pago se a incapacidade for
temporária, é disciplinado pelo art. 59 da Lei n. 8.213/91, e a aposentadoria
por invalidez tem seus requisitos previstos no art. 42 da Lei 8.213/91.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o
pagamento de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário
mínimo (artigo 39, I, da Lei nº 8.213/91). Depois da edição da Lei
n. 8.213/91, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores
urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social. A partir
do advento da Constituição da República de 1988 não mais há distinção
entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/88),
cujos critérios de concessão e cálculo de benefícios previdenciários
regem-se pelas mesmas regras. Assim, a concessão dos benefícios de
aposentadoria por invalidez e auxílio-doença para os trabalhadores rurais,
se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência
do egrégio Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte.
- Entendo, pessoalmente, que somente os trabalhadores rurais, na qualidade
de segurados especiais, não necessitam comprovar os recolhimentos das
contribuições previdenciárias, devendo apenas provar o exercício da
atividade laboral no campo, ainda que de forma descontínua, pelo prazo da
carência estipulado pela lei, tal como exigido para o segurado especial. Assim
dispõe o art. 11, VII, c/c art. 39, I, da Lei 8.213/91. Consequentemente,
uma vez ausente a comprovação de exercício de atividade rural na forma
do inciso I do artigo 39 da Lei nº 8.213/91, não se lhe pode conceder
aposentadoria por invalidez rural.
- À míngua da previsão legal de concessão de benefício previdenciário
não contributivo, não cabe ao Poder Judiciário estender a previsão
legal a outros segurados que não sejam "segurados especiais", sob pena
de afrontar o princípio da distributividade (artigo 194, § único, III,
da Constituição Federal). O artigo 143 da Lei nº 8.213/91, que permite
a concessão de benefício sem o recolhimento de contribuições, referia-se
somente à aposentadoria por idade. Ainda assim, trata-se de norma transitória
com eficácia já exaurida.
- Enfim, penso que, quanto aos boias-frias ou diaristas - enquadrados como
trabalhadores eventuais, ou seja, contribuintes individuais na legislação
previdenciária, na forma do artigo 11, V, "g", da LBPS - não há previsão
legal de cobertura previdenciária no caso de benefícios por incapacidade,
exatamente porque o artigo 39, I, da LBPS só oferta cobertura aos segurados
especiais. Todavia, com a ressalva de meu entendimento pessoal, curvo-me ao
entendimento da jurisprudência francamente dominante nos Tribunais Federais,
nos sentido de que também o trabalhador boia-fria, diarista ou volante faz
jus aos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença não
contributivos.
- No caso dos autos, a perícia judicial concluiu pela incapacidade total e
permanente da parte autora para o exercício de atividades laborais, desde,
pelo menos, 2015.
- A autora alega ter exercido o labor rural sem registro em carteira em
diversas propriedades rurais e depois em sua chácara, em regime de economia
familiar, até o advento da incapacidade laboral.
- Com o objetivo de produzir início de prova material apresentou cópia
da certidão de casamento, celebrado em 1986, onde consta a profissão do
marido de lavrador; cópia da CTPS dele, com registros de vínculos rurais
e urbanos; declaração (datada de 4/3/2016) de manutenção de contrato de
comodato firmado entre a autora, seu cônjuge e a Associação dos Pequenos
produtores rurais de meridiano, com vigência até 16/01/2020; notas fiscais em
nome do marido, datadas de 2015/2016 de compra de produtos para plantação.
- De fato os documentos apresentados servem, como regra, de início de prova
material da condição de rurícola da esposa, conforme jurisprudência
consolidada. Acontece que em exceção à regra geral, a extensão de prova
material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível
quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola,
como o de natureza urbana.
- No caso em tela, os dados do CNIS revelam que o marido da autora manteve
vínculos urbanos nos períodos de 9/1998 a 1/2001; 7/2001 a 4/2003; 5/2006 e
de 10/7/2006 a 6/2016, bem como vínculos rurais de 9/1992 a 1/1993; 7/1993
a 12/1994 e de 7/2006 a 12/2009.
- Ou seja, o marido passou a exercer atividades urbanas a partir de 1998
até 2016, cumprindo ressaltar que não se tratam de vínculos esporádicos
ou de entressafra, mormente porque apresentou um nível de continuidade
e de diversidade bastante dispare dos pleitos previdenciários similares;
portanto, o que contamina a extensão da prova material.
- Ademais, quanto aos vínculos rurais, mostra-se impossibilitada a extensão
da condição de lavrador do marido à mulher, em vista do caráter individual
e específico em tais atividades laborais ocorrem. Assim, ao contrário da
hipótese do segurado especial, não há de se falar em empréstimo, para
fins previdenciários, da condição de lavrador do cônjuge (vide súmula
nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
- A existência de diversos vínculos trabalhistas da pessoa cujas provas
pretende beneficiar-se demonstra que o núcleo familiar não tinha como fonte
de receita somente o labor rural, tanto que o esposo recebe aposentadoria
por idade, na qualidade de comerciário, desde 5/2/2016.
- Nos termos do artigo 11, § 9º, da Lei nº 8.213/91, com a redação da
Lei nº 11.718/2008, não é segurado especial o membro de grupo familiar que
possuir outra fonte de rendimento, consistindo no trabalho do companheiro e,
posteriormente, na aposentadoria dele.
- A alegação da requerente que passou a trabalhar de forma individual, após
o marido iniciar suas atividades como empregado urbano, não se sustenta,
por si só, já que a única prova apresentada, em nome próprio, foi uma
declaração de contrato de comodato rural, com data posterior à data de
início da incapacidade laboral fixada na perícia.
- Tal documento não tem o condão de demonstrar o exercício de atividades
rurais até o advento da incapacidade, mormente considerando que a DII foi
fixada antes disso, em 3/9/2015, sendo que a própria autora afirmou, por
ocasião da perícia, que não mais trabalhava desde 2012.
- Além disso, os testemunhos colhidos foram assaz genéricos, simplórios
e mal circunstanciados e, portanto, insuficiente para comprovar o mourejo
asseverado.
- Nesse passo, entendo não demonstrado o efetivo exercício de trabalho
campesino da parte autora até o advento de sua incapacidade laboral, sendo
indevida, portanto, a concessão do benefício pretendido.
- Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas
processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo
CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º,
do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
- Apelação do INSS conhecida e provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, conhecer da apelação e lhe dar provimento, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. A
Desembargadora Federal Marisa Santos acompanha o relator pela conclusão.
Data do Julgamento
:
20/06/2018
Data da Publicação
:
04/07/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2300285
Órgão Julgador
:
NONA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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