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Jurisprudência


TRF3 0010637-34.2013.4.03.0000 00106373420134030000

Ementa
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE. DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS DA LEI N. 12.651/12. INAPLICABILIDADE AO CASO. ATIVIDADE DE PESCA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. - O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público, entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação. - A Constituição Federal recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal, e a Lei n. 6.938/1981, que dispôs sobre a política nacional do meio ambiente. A Lei nº 7.803, editada em 18 de julho de 1989, incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos diretores municipais. - Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização encontra fundamento nos artigos 4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº 6.938/81. - Quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. O simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. - A Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º, da Lei 10.406/02). - Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função sócio ambiental daquela propriedade. Precedentes. - Mesmo em existindo incerteza quanto aos danos ambientais (o que, frise-se, não é o caso), esta não pode ser imposta como óbice ao deferimento de medidas acauteladoras do meio ambiente, em homenagem ao princípio da precaução. Precedentes. - Saliento, por oportuno, que a Lei nº 4.771/65 foi revogada com a edição do novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012). O referido Código, no capítulo XIII, Disposições Transitórias, previu a implantação de programa de regularização ambiental (artigo 59), bem assim dispôs sobre a possibilidade de continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em APP de áreas rurais consolidadas (artigo 61-A) e nova fórmula de cálculo para a faixa da área de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais (artigo 62). - Todavia, mesmo diante da possibilidade de consolidação da área, nos termos do art. 61-A da Lei n.º 12.651/12 não pode imperar como óbice à limitação da continuidade da realização de danos ambientais decorrentes da exploração econômica da pousada em questão (vide fls. 104/105), em indesculpável sobreposição do interesse particular sobre o público. - É certo que se poderia ponderar da inconstitucionalidade de tal dispositivo, principalmente considerando-se a possibilidade de retrocesso na proteção ambiental, vedada pelo princípio da proibição do retrocesso judicial, acolhido pelo C. STF (ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177). - Mas tal não se faz necessário (nem a vedação do artigo 97 da CF/88 o permitiria), pois, em primeiro lugar, como obtemperou o Ministro Herman Benjamin, a Lei 12.651/2012 "não anistiou geral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 de julho de 2008" (REsp nº 1240122/PR, DJ 02/10/2102), apenas estabelecendo critérios para recuperação das áreas degradadas na seara administrativa e, em segundo lugar, o turismo realizado pelo proprietário do "rancho Buraco da onça" é o de pesca, como ele próprio admite em fls. 76, não estando incluída, esta modalidade, na abrangência do referido art. 61-A da Lei n.º 12.651/12. - Assim, de rigor a reforma parcial da decisão agravada, com o regular prosseguimento do feito. - Com relação ao pedido de demolição da construção em discussão, há evidente irreversibilidade da medida, encontrando vedação, pois, no artigo 300, § 3º, do CPC. - Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar a proibição de realização de qualquer obra, edificação ou congênere na área de preservação permanente ocupada, bem como a vedação de realização de qualquer atividade capaz de afetar a qualidade ambiental local, tais como supressão de vegetação, lançamento de quaisquer detritos no rio e condutas semelhantes, bem como ali estabelecendo o veto à prática de qualquer atividade econômica, sob pena de aplicação de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais).
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 03/05/2018
Data da Publicação : 25/05/2018
Classe/Assunto : AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 503784
Órgão Julgador : QUARTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Referência legislativa : ***** CFLO-12 CÓDIGO FLORESTAL DE 2012 LEG-FED LEI-12651 ANO-2012 ART-59 ART-61A ART-62 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-23 ART-97 ART-225 ***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL LEG-FED LEI-4771 ANO-1965 ART-2 PAR-ÚNICO LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-4 INC-7 ART-14 PAR-1 LEG-FED LEI-7803 ANO-1989 LEG-FED LEI-7511 ANO-1986 ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1228 PAR-1 ***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-300 PAR-3
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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