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Jurisprudência


TRF3 0010675-84.2001.4.03.6105 00106758420014036105

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. DANOS MATERIAS E MORAIS. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - SFH. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. 1. Pedido e causa de pedir. O Magistrado pode trazer qualquer fundamento jurídico para o pedido do autor, de acordo com o seu conhecimento do ordenamento jurídico. É por esta razão que entendo que indeferir a inicial configuraria excesso de formalismo, sobretudo porque, em meio a esse cenário confuso criado pela autora, uma coisa é certa: a autora busca ser indenizada pelos danos sofridos em razão da situação narrada na petição inicial - e isso se depreende claramente da petição inicial. Assim, embora a parte autora tenha se equivocado ao especificar os danos a serem indenizados pela ré, é possível se depreender da narrativa da inicial que estes se referem aos prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da não conclusão da obra e do descumprimento contratual pela CEF. Portanto, é a este pedido que me atenho. 2. Preliminar de ausência de interesse de agir. O fato de a CEF ter retomado o imóvel em 2003 não gera a perda de objeto, pois na presente ação se discute a responsabilidade civil da ré pela não conclusão da obra e pelo descumprimento contratual, assim como a consequente obrigação de indenizar. Nestes termos, rejeito a preliminar. 3. Responsabilidade da CEF. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível haver responsabilidade da CEF por vícios de construção em imóveis adquiridos no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação - SFH. Todavia, a responsabilidade dependerá das circunstâncias em que se verifica sua intervenção no caso concreto: a) inexistirá responsabilidade da CEF, quando ela atuar como agente financeiro em sentido estrito; b) existirá responsabilidade da CEF, quando ela como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, isto é, nas hipóteses em que tenha atuado, de algum modo, na elaboração do projeto, na escolha do terreno, na execução das obras (construção) ou na fiscalização das obras do empreendimento. No caso dos autos, de acordo com a "Escritura de venda e compra e mútuo de dinheiro com pacto adjeto de hipoteca e outras obrigações - aquisição de terreno e construção" de fls. 10/22, a CEF financiou o empreendimento em construção, com prazo de entrega. Assim, uma vez que do contrato se vê claramente que a CEF financia um imóvel em construção, forçoso é reconhecer sua responsabilidade pelos danos advindos da construção. Logo, no caso, a CEF responde pelos danos advindos da construção - no caso, da não conclusão da obra. Ademais, é certo que houve descumprimento do contrato pela CEF, por meio de ato de seu preposto, que liberou os valores para a construtora, sem acompanhar a evolução da obra. E o empregador responde objetivamente (sem necessidade de comprovar culpa) pelos atos de seus prepostos que causem danos a terceiros, nos termos do art. 1.521, IV, do CC/1916. Acrescento ainda que o depoimento pessoal da preposta da CEF (fls. 487/489) confirma que o Sr. Eliseu, pelo cargo que ocupava na CEF, tinha poderes para liberar as parcelas do financiamento para a construtora, mesmo sem os laudos exigidos pelas cláusulas do contrato. Assim, seja como for, por qualquer um dos dois motivos apontados, está presente a responsabilidade da CEF. 4. Danos materiais. A parte autora aponta como dano material as parcelas indevidamente liberadas para a construtora, porém, conforme já explicado nas considerações iniciais deste voto, entendo que a liberação destes valores não possui natureza de dano material. Primeiro porque estes valores que supostamente foram liberados de forma indevida para a construtora não integravam o patrimônio da autora, mas sim uma universalidade composta por depósitos da autora, por recursos do FGTS da autora e por depósitos da CEF, destinada exclusivamente à construção do imóvel financiado. Segundo porque o pagamento das prestações do contrato de financiamento habitacional (as quais, depois, foram supostamente liberadas de forma indevida para a construtora) não é dano decorrente da não conclusão da obra e do descumprimento contratual pela CEF; a liberação dos valores para a construtora não é dano que decorre da não entrega do imóvel e do descumprimento contratual da CEF; não há nexo de causalidade. O pagamento das parcelas à CEF é, em verdade, a prestação aventada no contrato de financiamento habitacional. Ausente a pretensão de rescisão do contrato, não vislumbro fundamento jurídico para a devolução das parcelas pagas à CEF em decorrência do contrato de financiamento. Portanto, reformo a sentença quanto a este tópico para afastar a condenação da CEF à devolução do valor da última parcela liberada pela CEF em 27/07/2000, no valor de R$ 4.150,37, em favor do Sr. Eliseu Pereira Matias. E a parte autora não apontou nenhum dano patrimonial que tenha sofrido por causa da não conclusão da obra e pelo descumprimento contratual perpetrado pela CEF, muito menos trouxe prova dos gastos/prejuízos sofridos e que pretende sejam ressarcidos. É verdade que a autora menciona superficialmente que arcou com os gastos para a conclusão da obra, todavia não trouxe qualquer recibo ou orçamento que comprove esse dano. E é certo que os danos materiais precisam ser comprovados para que sejam ressarcidos. Assim, não procede o pedido de ressarcimento dos danos materiais. 5. Danos morais. No que concerne aos danos morais, tem-se que estes decorrem de ato que violem direitos de personalidade, causando sofrimento, angústia, aflição física ou espiritual ou qualquer padecimento infligido à vítima em razão de algum evento danoso. Em consonância com os parâmetros firmados pelo C. Superior Tribunal de Justiça, entende-se que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, a responsabilidade do agente resulta do próprio fato, ou seja, dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato (STJ, AgRg no Ag n. 1365711, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 22.03.11) e o dano moral decorre do próprio ato lesivo, "independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrido pelo autor, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento". Contudo, o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. No caso dos autos, o dano moral decorre das dificuldades impostas à autora, compelida a residir em imóvel cuja construção não foi concluída, além de ser diversa do projeto contratado, causando-lhe frustação, insegurança e receio, além dos transtornos decorrentes de ter que diligenciar junto à construtora, à CEF, à seguradora e ao judiciário na tentativa de solucionar a situação. 6. Quantum indenizatório dos danos morais. No tocante ao quantum indenizatório, a título de danos morais, é fato que a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade e, ainda, deve levar em consideração a intensidade do sofrimento do ofendido, a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável, a situação econômica deste e também da vítima, de modo a não ensejar um enriquecimento sem causa do ofendido. O seu escopo define-se pela incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade da sanção em relação à extensão do dano ou do ilícito, evitando-se assim condenações extremas. O valor da condenação imposta à ré deve cumprir esse dúplice escopo, ou seja, ressarcir a vítima do dano moral sofrido e desestimular práticas correlatas; afastando a comissão de condutas análogas; não podendo, pois, tornar baixos os custos e riscos sociais da infração. Assim, diante das circunstâncias fáticas que nortearam o presente caso, mostra-se razoável a fixação da indenização a título de danos morais para o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), eis que tal importância não proporcionará enriquecimento indevido e exagerado a parte autora e, ainda, é capaz de impor punição a parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente, além de compatível com os parâmetros desta E. Quinta Turma. Esse valor deve ser atualizado monetariamente, conforme os índices definidos no manual de Cálculos da Justiça Federal, a partir do arbitramento nos termos da súmula 362 do STJ. Os juros de mora incidem a partir do evento danoso, no caso, desde a data em que a obra deveria ter sido concluída, na conformidade da súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça, devendo ser observada a taxa de 6% (seis por cento) ao ano, prevista no artigo 1.062 do Código Civil de 1916, até 10/01/2003 e, a partir de 11/01/2003, nos termos prescritos no art. 406 do novo Código Civil, que determina a aplicação da taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Pública, a qual atualmente é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC. 7. Paralisação dos pagamentos das prestações. Tratando-se de ação indenizatória, não havia justificativa para a paralisação dos pagamentos das prestações do financiamento, pois a parte autora jamais pretendeu a extinção do contrato ou a sua suspensão até o cumprimento da contraprestação pelas rés, mas apenas o ressarcimento dos danos sofridos. E, permanecendo hígido o contrato, persistia também a obrigação da autora de cumprir suas obrigações contratuais, de modo que não é possível invocar a exceção do contrato não cumprido. 8. Lide secundária. A responsabilidade do litisdenunciado, Sr. Eliseu Pereira Matias, frente à denunciante, CEF, é subjetiva, sendo necessária a demonstração da existência de culpa. E, no caso, restou comprovada a culpa do Sr. Eliseu Pereira Matias, pois, em apuração interna da CEF (fls. 730/769), verificou-se que ele infringiu as normas interna da CEF, utilizando-se de seu cargo para obter vantagens para si, causando danos à autora, consoante apurado na 25ª Reunião do Conselho Disciplinar Regional da CEF, em que apurou-se a infração e aplicou-se a pena de suspensão do contrato de trabalho. Assim, deve ser mantida a procedência da lide secundária, a fim de obrigar o Sr. Eliseu Pereira Matias a ressarcir os valores que a CEF vier a pagar à autora, a título de indenização. 9. Sucumbência. A CEF, em suas razões de apelação, também pugnou pela condenação exclusiva do Sr. Eliseu ao pagamento das custas processuais e dos honorário advocatícios, afastando a sua condenação (i) ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da autora e (ii) ao pagamento de honorários advocatícios, em favor do patrono dos denunciados José Ronaldo Miranda Silva e Okinawa - Empreendimentos Imobiliários Ltda. A irresignação não procede, pois a CEF sucumbiu na lide primária, devendo arcar com os honorários advocatícios em favor do patrono da autora, os quais, ressalte-se, serão ressarcidos pelo litisdenunciado Sr. Eliseu, já que a sentença o condenou a pagar honorários advocatícios em favor da CEF no mesmo patamar da condenação da CEF em favor do patrono da autora. E, em relação aos denunciados José Ronaldo Miranda Silva e Okinawa - Empreendimentos Imobiliários Ltda, a CEF deve arcar com os honorários advocatícios, pois os denunciou à lide equivocadamente, já que se apurou a inexistência de responsabilidade deles. Nos termos da jurisprudência consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça, quando se tratar de denunciação da lide facultativa, isto é, nas hipóteses em que a não realização da denunciação não enseja a perda do direito de regresso em ação própria, o denunciante que iniciou a lide secundária, por vontade própria, deve arcar com os honorários advocatícios ao patrono do denunciado, mesmo nos casos em que a ação principal seja julgada improcedente e, consequentemente, a secundária reste prejudicada. E, no caso, não há duvidas quanto à denunciação ser facultativa, porquanto inexiste qualquer disposição legal ou contratual que imponha à CEF a obrigação de promover a denunciação da lide à construtora, sob pena de perda do direito de regresso. 10. Apelação da CEF parcialmente provida para afastar a condenação da CEF à devolução do valor da última parcela liberada pela CEF em 27/07/2000, no valor de R$ 4.150,37, em favor do Sr. Eliseu Pereira Matias, e, consequentemente, afastar a condenação do Sr. Eliseu a ressarcir este valor em favor da CEF. Apelação da parte autora parcialmente provida para condenar a CEF ao pagamento de indenização a título de danos morais no patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizado monetariamente a partir do arbitramento e acrescido de juros de mora a partir do evento danoso, e, consequentemente, condenar o Sr. Eliseu Pereira Matias a ressarcir os valores que a CEF vier a pagar à autora, a título dessa indenização.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da CEF para afastar a condenação da CEF à devolução do valor da última parcela liberada pela CEF em 27/07/2000, no valor de R$ 4.150,37, em favor do Sr. Eliseu Pereira Matias, e, consequentemente, afastar a condenação do Sr. Eliseu a ressarcir este valor em favor da CEF, e dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para condenar a CEF ao pagamento de indenização a título de danos morais no patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizado monetariamente a partir do arbitramento e acrescido de juros de mora a partir do evento danoso, e, consequentemente, condenar o Sr. Eliseu Pereira Matias a ressarcir os valores que a CEF vier a pagar à autora, a título dessa indenização, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 03/12/2018
Data da Publicação : 07/12/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1482865
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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