TRF3 0010784-51.2008.4.03.6106 00107845120084036106
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ARTIGO
225, CF/88. LEIS 4.771/1965, 6.938/1981, 7.347/1985, 12.651/2012. RESOLUÇÕES
CONAMA 04/1985, 302/2002, 303/2002. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE
CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. CONDUTA, NEXO E
DANO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E À
RESTAURAÇÃO AMBIENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. APELAÇÃO
DESPROVIDA. REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA.
I. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o
objetivo de impor condenação pela ocorrência de danos ambientais causados
em área de preservação permanente - APP, consistente em utilização de
área de preservação permanente para edificação irregular de "rancho"
na margem esquerda do Rio Grande, a dificultar a regeneração natural em
estágio pioneiro.
II. Em sede de ação civil pública, é cabível o reexame necessário, à
semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por
analogia o art. 19 da Lei nº 4.717/65, em decorrência da interpretação
harmônica do microssistema de tutela dos interesses difusos e
coletivos. Precedentes do STJ.
III. A proteção ambiental detém status constitucional e os agentes
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções
civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante
sua autonomia (art. 225, § 3º, CF/88, art. 4º, VII, c/c art. 14, § 1º,
Lei nº 6.938/81). O tema é também regido pelo primado do devido uso da
propriedade (artigos 182 e 186 da CF), a intitulada função socioambiental,
a qual permeia a dimensão da tutela ambiental (artigo 1.228, § 1º, do
Código Civil).
IV. Não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato
jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época
existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque
a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental,
o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica
ou injustiça.
V. O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação
permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua
regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o
qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja
a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar
pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da
responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano
não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma,
quem contribui para sua manutenção.
VI. Descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de
preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das
edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade",
quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa
e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio
irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens
legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses
locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a
toda a coletividade.
VII. É princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a
aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de
seu alcance e importância. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça,
em situação análoga à dos autos, estabeleceu a aplicabilidade da norma
mais rigorosa vigente à época dos fatos. Não bastasse, as casas de
lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo,
de modo a possibilitar sua continuidade, consoante já restou pacificado
pela referida corte superior.
VIII. Em conclusão, considerados os elementos probatórios dos autos
apontados, a legislação norteadora do tema e correlata doutrina, verifica-se
comprovada a atuação ilegítima do requerido, consistente na manutenção
de rancho de lazer e respectiva estrutura em violação aos normativos de
proteção ao meio ambiente, bem como estabelecido o nexo de causalidade
entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é cabível a
responsabilização do requerido pelo dano ambiental causado.
IX. A proteção integral ao meio ambiente, primado constante do artigo 225,
§ 3º, da CF/1988, autoriza impor ao agente infrator obrigações de fazer,
não fazer e indenizar. Tal cominação cumulativa é plenamente admitida e,
ainda, amplamente reconhecida por toda a doutrina e jurisprudência. Pela
própria definição constitucional (art. 225, caput, CF), o meio ambiente
é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna,
respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu
conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente
equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Em consequência,
cabível não só a restauração ambiental, como de igual modo o pagamento de
indenização pecuniária, porque dita condenação "cumpre dois objetivos
principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima
(o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do
poluidor ou de terceiros" (Edis Milaré, Direito do Ambiente - A Gestão
Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT,
2007, p. 818). Diga-se, outrossim, que a restauração busca assegurar o
reequilíbrio ecológico para efeitos futuros, ao passo que a indenização
tem por escopo a reparação dos malefícios causados ao meio ambiente ao
longo do tempo passado, em decorrência do uso ilegal da APP, que, no caso
dos autos, remonta há mais de duas décadas.
X. Descabimento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios,
em razão da interpretação sistemática e isonômica do artigo 18 da Lei
nº 7.347/85.
XI. Negado provimento ao apelo, bem como parcialmente provido o reexame
necessário para explicitar que deverá constar do plano de recuperação
da área degradada a ser aprovado pelo órgão ambiental responsável a
obrigação de realizar a demolição completa das edificações existentes
no terreno e retirar o entulho para local apropriado, vedada qualquer medida
alternativa à remoção, bem como ao pagamento de indenização pelo dano
ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento,
sob pena de multa diária.
Ementa
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ARTIGO
225, CF/88. LEIS 4.771/1965, 6.938/1981, 7.347/1985, 12.651/2012. RESOLUÇÕES
CONAMA 04/1985, 302/2002, 303/2002. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE
CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. CONDUTA, NEXO E
DANO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E À
RESTAURAÇÃO AMBIENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. APELAÇÃO
DESPROVIDA. REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA.
I. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o
objetivo de impor condenação pela ocorrência de danos ambientais causados
em área de preservação permanente - APP, consistente em utilização de
área de preservação permanente para edificação irregular de "rancho"
na margem esquerda do Rio Grande, a dificultar a regeneração natural em
estágio pioneiro.
II. Em sede de ação civil pública, é cabível o reexame necessário, à
semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por
analogia o art. 19 da Lei nº 4.717/65, em decorrência da interpretação
harmônica do microssistema de tutela dos interesses difusos e
coletivos. Precedentes do STJ.
III. A proteção ambiental detém status constitucional e os agentes
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções
civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante
sua autonomia (art. 225, § 3º, CF/88, art. 4º, VII, c/c art. 14, § 1º,
Lei nº 6.938/81). O tema é também regido pelo primado do devido uso da
propriedade (artigos 182 e 186 da CF), a intitulada função socioambiental,
a qual permeia a dimensão da tutela ambiental (artigo 1.228, § 1º, do
Código Civil).
IV. Não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato
jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época
existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque
a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental,
o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica
ou injustiça.
V. O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação
permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua
regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o
qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja
a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar
pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da
responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano
não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma,
quem contribui para sua manutenção.
VI. Descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de
preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das
edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade",
quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa
e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio
irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens
legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses
locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a
toda a coletividade.
VII. É princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a
aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de
seu alcance e importância. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça,
em situação análoga à dos autos, estabeleceu a aplicabilidade da norma
mais rigorosa vigente à época dos fatos. Não bastasse, as casas de
lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo,
de modo a possibilitar sua continuidade, consoante já restou pacificado
pela referida corte superior.
VIII. Em conclusão, considerados os elementos probatórios dos autos
apontados, a legislação norteadora do tema e correlata doutrina, verifica-se
comprovada a atuação ilegítima do requerido, consistente na manutenção
de rancho de lazer e respectiva estrutura em violação aos normativos de
proteção ao meio ambiente, bem como estabelecido o nexo de causalidade
entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é cabível a
responsabilização do requerido pelo dano ambiental causado.
IX. A proteção integral ao meio ambiente, primado constante do artigo 225,
§ 3º, da CF/1988, autoriza impor ao agente infrator obrigações de fazer,
não fazer e indenizar. Tal cominação cumulativa é plenamente admitida e,
ainda, amplamente reconhecida por toda a doutrina e jurisprudência. Pela
própria definição constitucional (art. 225, caput, CF), o meio ambiente
é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna,
respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu
conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente
equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Em consequência,
cabível não só a restauração ambiental, como de igual modo o pagamento de
indenização pecuniária, porque dita condenação "cumpre dois objetivos
principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima
(o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do
poluidor ou de terceiros" (Edis Milaré, Direito do Ambiente - A Gestão
Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT,
2007, p. 818). Diga-se, outrossim, que a restauração busca assegurar o
reequilíbrio ecológico para efeitos futuros, ao passo que a indenização
tem por escopo a reparação dos malefícios causados ao meio ambiente ao
longo do tempo passado, em decorrência do uso ilegal da APP, que, no caso
dos autos, remonta há mais de duas décadas.
X. Descabimento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios,
em razão da interpretação sistemática e isonômica do artigo 18 da Lei
nº 7.347/85.
XI. Negado provimento ao apelo, bem como parcialmente provido o reexame
necessário para explicitar que deverá constar do plano de recuperação
da área degradada a ser aprovado pelo órgão ambiental responsável a
obrigação de realizar a demolição completa das edificações existentes
no terreno e retirar o entulho para local apropriado, vedada qualquer medida
alternativa à remoção, bem como ao pagamento de indenização pelo dano
ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento,
sob pena de multa diária.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao apelo e dar parcial provimento ao reexame
necessário, nos termos do relatório e voto que integram o julgado.
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
14/03/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1844723
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Doutrina
:
Autor: EDIS MILARÉ
Título: DIREITO DO AMBIENTE - A GESTÃO AMBIENTAL EM FOCO SÃO PAULO
, Editora: RT 2007 , Pag.: 818
Referência
legislativa
:
***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL
LEG-FED LEI-4771 ANO-1965
LEG-FED LEI-6938 ANO-1981
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-18
***** CFLO-12 CÓDIGO FLORESTAL DE 2012
LEG-FED LEI-12651 ANO-2012
LEG-FED RES-4 ANO-1985
CONAMA
LEG-FED RES-302 ANO-2002
CONAMA
LEG-FED RES-303 ANO-2002
CONAMA
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-225 PAR-3 ART-182 ART-186
LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-14 PAR-1
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1228 PAR-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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