TRF3 0010877-70.2010.4.03.6000 00108777020104036000
MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. DECISÃO ADMINISTRATIVA DO
INCRA. IMPOSSIBILIDADE DE CERTIFICAÇÃO DE GEORREFERENCIAMENTO DO IMÓVEL
DOS IMPETRANTES. SOBREPOSIÇÃO COM TERRA INDÍGENA. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.
1. O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a
procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX,
da Constituição Federal: "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público".
2. Percebe-se, portanto, que, dentre outras exigências, é necessário que
o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo.
3. Todavia, a conceituação de direito líquido e certo não se relaciona
com a existência ou não de dúvida ou controvérsia, sob o prisma jurídico,
em relação à existência do direito. Assim, é líquido e certo o direito
apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os
fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável
no processo.
4. No caso dos autos, não assiste razão aos impetrantes ao alegarem que
houve violação de seu direito líquido e certo de usar e dispor do imóvel
rural que lhes pertence. Isso porque, quando foi verificada no sistema do
INCRA a sobreposição da referida propriedade com a área indígena Reserva
Kadiwéu, a autarquia ficou impossibilitada de efetuar a certificação do
georreferenciamento.
5. Da leitura do artigo 9º, caput e §1º, do Decreto nº 4.449/2002 se
extrai que, para fins de identificação do imóvel rural, caberá ao INCRA
certificar que a propriedade em análise não se sobrepõe a nenhuma outra
constante de seu cadastro georreferenciado, de modo que, por decorrência
lógica, havendo sobreposição de terras, a autarquia fica impedida de
prosseguir com os demais procedimentos de identificação.
6. Da mesma forma, o fato do registro em Cartório do imóvel dos
impetrantes ser anterior ao da Reserva Indígena Kadiwéu não tem o
condão de deslegitimar a demarcação da terra indígena, posto que tal
reconhecimento em nada se relaciona com a data de registro. Com efeito,
conforme bem anotado pelo Exmo. Des. Fed. Luiz Stefanini, ao apreciar o agravo
de instrumento interposto pelos impetrantes (proc. nº 2011.03.00.018539-1),
"a demarcação da terra dos aborígenes deve ser escorada através de laudo
antropológico e do devido estudo geográfico da área, não havendo como
confrontar critérios de anterioridade no registro".
7. Desta feita, por todos os ângulos analisados, não restou demonstrada
a existência de direito líquido e certo dos impetrantes à obtenção de
certificação do georreferenciamento da Fazenda Santa Márcia, tampouco
qualquer vício na decisão administrativa do impetrado, posto que a negativa
da certificação do imóvel se deu em razão de sua sobreposição com terras
indígenas, e não por critérios subjetivos ou por inércia da autarquia.
8. Portanto, ao pleitearem na via judicial a certificação de seu imóvel
rural, tendo conhecimento das razões que levaram o INCRA a negá-la, pretendem
os impetrantes, na realidade, discutir de forma indireta a própria validade
do registro da Reserva Indígena Kadiwéu, o que não se pode admitir.
9. Ainda que fosse outro o entendimento, tal discussão seria incabível
em sede de mandado de segurança, por demandar dilação probatória, uma
vez que qualquer atividade probatória revela-se incompatível com o rito
da ação mandamental, bem como exigiria a inclusão da FUNAI e da UNIÃO
no polo passivo, conforme requerido pelo Ministério Público Federal.
10. Remessa oficial a que se dá provimento. Denegada a segurança.
Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. DECISÃO ADMINISTRATIVA DO
INCRA. IMPOSSIBILIDADE DE CERTIFICAÇÃO DE GEORREFERENCIAMENTO DO IMÓVEL
DOS IMPETRANTES. SOBREPOSIÇÃO COM TERRA INDÍGENA. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.
1. O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a
procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX,
da Constituição Federal: "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público".
2. Percebe-se, portanto, que, dentre outras exigências, é necessário que
o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo.
3. Todavia, a conceituação de direito líquido e certo não se relaciona
com a existência ou não de dúvida ou controvérsia, sob o prisma jurídico,
em relação à existência do direito. Assim, é líquido e certo o direito
apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os
fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável
no processo.
4. No caso dos autos, não assiste razão aos impetrantes ao alegarem que
houve violação de seu direito líquido e certo de usar e dispor do imóvel
rural que lhes pertence. Isso porque, quando foi verificada no sistema do
INCRA a sobreposição da referida propriedade com a área indígena Reserva
Kadiwéu, a autarquia ficou impossibilitada de efetuar a certificação do
georreferenciamento.
5. Da leitura do artigo 9º, caput e §1º, do Decreto nº 4.449/2002 se
extrai que, para fins de identificação do imóvel rural, caberá ao INCRA
certificar que a propriedade em análise não se sobrepõe a nenhuma outra
constante de seu cadastro georreferenciado, de modo que, por decorrência
lógica, havendo sobreposição de terras, a autarquia fica impedida de
prosseguir com os demais procedimentos de identificação.
6. Da mesma forma, o fato do registro em Cartório do imóvel dos
impetrantes ser anterior ao da Reserva Indígena Kadiwéu não tem o
condão de deslegitimar a demarcação da terra indígena, posto que tal
reconhecimento em nada se relaciona com a data de registro. Com efeito,
conforme bem anotado pelo Exmo. Des. Fed. Luiz Stefanini, ao apreciar o agravo
de instrumento interposto pelos impetrantes (proc. nº 2011.03.00.018539-1),
"a demarcação da terra dos aborígenes deve ser escorada através de laudo
antropológico e do devido estudo geográfico da área, não havendo como
confrontar critérios de anterioridade no registro".
7. Desta feita, por todos os ângulos analisados, não restou demonstrada
a existência de direito líquido e certo dos impetrantes à obtenção de
certificação do georreferenciamento da Fazenda Santa Márcia, tampouco
qualquer vício na decisão administrativa do impetrado, posto que a negativa
da certificação do imóvel se deu em razão de sua sobreposição com terras
indígenas, e não por critérios subjetivos ou por inércia da autarquia.
8. Portanto, ao pleitearem na via judicial a certificação de seu imóvel
rural, tendo conhecimento das razões que levaram o INCRA a negá-la, pretendem
os impetrantes, na realidade, discutir de forma indireta a própria validade
do registro da Reserva Indígena Kadiwéu, o que não se pode admitir.
9. Ainda que fosse outro o entendimento, tal discussão seria incabível
em sede de mandado de segurança, por demandar dilação probatória, uma
vez que qualquer atividade probatória revela-se incompatível com o rito
da ação mandamental, bem como exigiria a inclusão da FUNAI e da UNIÃO
no polo passivo, conforme requerido pelo Ministério Público Federal.
10. Remessa oficial a que se dá provimento. Denegada a segurança.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar provimento à remessa oficial e denegar a segurança, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
29/05/2018
Data da Publicação
:
08/06/2018
Classe/Assunto
:
ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 339253
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-69
LEG-FED DEC-4449 ANO-2002 ART-9 PAR-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão