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Jurisprudência


TRF3 0010984-92.2007.4.03.6106 00109849220074036106

Ementa
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÕES. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA DA DEGRADAÇÃO. LEI Nº 4.771/65. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E PROPTER REM DO POSSUIDOR. FUNÇÃO SÓCIO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESOLUÇÃO CONAMA. INTERESSE NACIONAL. SUPERIORIDADE DAS NORMAS FEDERAIS. RECURSOS DE APELAÇÃO DE RUY FLORES DA CUNHA, JOSÉ FLORES DA CUNHA E AES TIETÊ IMPROVIDOS. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, E APELAÇÃO DO IBAMA PROVIDAS - Ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal para apuração de responsabilidade por dano ao meio ambiente, decorrente da ocupação de área considerada de preservação permanente localizada às margens do lago da usina hidrelétrica de Água Vermelha, no local conhecido como loteamento Tomanzinho, em Cardoso/SP. - Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. - Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, no uso de suas atribuições, deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da prova. Ademais, os documentos que instruem a inicial são suficientes para demonstrar a ocupação de área de preservação permanente. - O art. 225 da Constituição Federal consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, criando o dever de o agente degradador reparar os danos causados e estabeleceu o fundamento de responsabilização de agentes poluidores, pessoas físicas e jurídicas. Para assegurar a efetividade desse direito, a CF determina ao Poder Público, entre outras obrigações, que crie espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos em todas as unidades da Federação. - A Constituição Federal recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se, em especial, a Lei nº 4.771/1965, que instituiu o antigo Código Florestal, e a Lei n. 6.938/1981, que dispôs sobre a política nacional do meio ambiente. A Lei nº 7.803, editada em 18 de julho de 1989, incluiu um parágrafo único ao art. 2º do Código Florestal então vigente, informando que os limites definidos como áreas de proteção permanente (que haviam sido ampliados pela Lei nº 7.511/86), também se aplicavam às áreas urbanas e deveriam ser observados nos planos diretores municipais. - A Lei nº 4.771/1965 foi revogada com a edição da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012). Todavia, não é o caso de aplicabilidade das normas do novo Código Florestal. O C. STJ já firmou entendimento, no sentido de que o novo regramento material tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos, quando implicar em redução do patamar de proteção do meio ambiente sem a necessária compensação. - Com relação à tutela ambiental, se aplica a responsabilidade objetiva, ou seja, não há espaço para a discussão de culpa, bastando a comprovação da atividade e o nexo causal com o resultado danoso. Tal responsabilização encontra fundamento nos artigos 4º, VII, c/c 14, §1º, ambos, da Lei nº 6.938/81. - Quanto ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que as obrigações decorrentes de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. O simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. - A Constituição Federal estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, inciso XXIII) e que o Código Civil assinala que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (artigo 1.228, § 1º, da Lei 10.406/02). - Não se pode negar, portanto, que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função sócio ambiental daquela propriedade. - Após análise do conjunto probatório, não há dúvidas da existência de danos ao meio ambiente em razão de ocupação da referida área. A controvérsia diz respeito em verificar se o imóvel dos réus está localizado em área considerada rural ou urbana consolidada, o que influenciará na definição da extensão da área de preservação permanente. - A Lei nº 8.028, de 12/04/1990, que deu nova redação ao artigo 6º, II, da Lei n. 6.938/81, instituiu a composição do Sistema Nacional do Meio Ambiente, definindo como órgão consultivo e deliberativo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. - Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas. Estas normas possuem caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V, e § § 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81. - Segundo a resolução CONAMA nº 302/02, que dispôs sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno, não basta que a lei municipal defina determinada área do município como sendo urbana. Esta definição só é possível quando presentes outros requisitos presentes na própria resolução e não por critério do município. - No caso dos autos, a área em questão não possui os requisitos pela resolução CONAMA para caracteriza-la como área urbana consolidada. Verifica-se, por exemplo, que a referida resolução requer que o município tenha densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km², todavia, a cidade possuía, em 2015, apenas 18,40 habitante por km² (dado retirado do site do IBGE e ratificado no site do SEADE - IMP - Portal de Estatística do Governo do Estado de São Paulo). Ademais, conforme cópia do registro de imóveis (fls. 243/252), o imóvel pertence aos réus e é registrado como parte de "uma gleba de terras, com área de 7.804,73 metros quadrados de terras, encravado na Fazenda Cachoeira dos Tomazes, sendo certo que o alienante da área adquirida pelos réus exercia atividade de agropecuarista" (fl. 248). Atualmente, o local tem sido usado para o lazer, contudo, deve ser levado em conta que ele foi edificado na área de preservação permanente, inexistindo características de área urbana. - Cumpre salientar, ainda, que incumbe à AES Tietê a fiscalização do entorno do reservatório e a recuperação dos danos ambientais na referida área, nos termos do art. 23, da Lei nº 8.171/91 que dispõe que "as empresas que exploram economicamente águas represadas e as concessionárias de energia elétrica serão responsáveis pelas alterações ambientais por elas provocadas e obrigadas a recuperação do meio ambiente, na área de abrangência de suas respectivas bacias hidrográficas". Conforme observado no parecer ministerial (fls. 1510/1511), "a cláusula 6ª, subcláusula 1ª do contrato de concessão firmado entre a AES Tietê S.A. e a ANELL (cópia anexa) impõe à empresa o dever de realizar vistoria permanente e manter diagnóstico atualizado da situação das áreas marginais. Evidente, assim, que a empresas AES Tietê S.A. foi omissa na fiscalização do perímetro do reservatório, permitindo, deste modo, que os réus perpetuassem a degradação da área de preservação permanente, impondo-se a sua responsabilização. - Sentença parcialmente reformada, para que as medidas adotadas pelo MM. Juizo a quo incidam sobre a área de preservação de 100 (cem) metros. - Recursos de apelação de RUY FLORES DA CUNHA, JOSÉ FLORES DA CUNHA e AES TIETÊ improvidos. REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e apelação do INSTITUTO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - IBAMA providas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos aos recursos de apelação de RUY FLORES DA CUNHA, JOSÉ FLORES DA CUNHA e da AES TIETÊ, e dar provimento à REMESSA OFICIAL, tida por interposta, e à apelação do INSTITUTO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - IBAMA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 22/06/2016
Data da Publicação : 06/07/2016
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1721588
Órgão Julgador : QUARTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/07/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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