TRF3 0011194-51.2004.4.03.6106 00111945120044036106
DIREITO CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - REVISÃO CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO -
DÍVIDA ORIUNDA DE INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO
- COMPETÊNCIA DO JUÍZO - PRESCRIÇÃO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS -
TAXA DE RENTABILIDADE - ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA - AGRAVO RETIDO IMPROVIDO -
APELO PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
1. O NCPC, conquanto se aplique imediatamente aos processos em curso,
não atinge as situações já consolidadas dentro do processo (art. 14),
em obediência ao princípio da não surpresa e ao princípio constitucional
do isolamento dos atos processuais. Assim, ainda que o recurso tivesse sido
interposto após a entrada em vigor do NCPC, o que não é o caso, por ter
sido a sentença proferida sob a égide da lei anterior, é à luz dessa
lei que ela deverá ser reexaminada pelo Tribunal, ainda que para reformá-la.
2. Considerando a condição de hipossuficiente da autora e as dificuldades
para demandar no foro de eleição, e não demonstrado pela CEF
qualquer prejuízo, deve subsistir a decisão que rejeitou a exceção de
incompetência, desprovido, assim, o agravo retido às fls. 38/40, reiterado
nas razões de apelo.
3. Tratando-se de ação fundada em direito pessoal, a prescrição
sofreu alteração com a entrada em vigor do Código Civil de 2002:
o prazo vintenário (art. 177 do antigo Código Civil) passou a ser (i)
quinquenal para a revisão contratual e para a cobrança da dívida oriunda
de contrato inadimplido (artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC/2002),
e (ii) trienal para a restituição requerida com base no enriquecimento sem
causa (artigo 206, parágrafo 3º, inciso IV, do CC/2002). E o novo Código
Civil prevê, em seu artigo 2.028, uma regra de transição, segundo a qual
"serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade
do tempo estabelecido na lei revogada".
4. Para a revisão contratual e para a cobrança da dívida oriunda de
contrato inadimplido, o prazo prescricional deve ser contado a partir da
quitação ou do vencimento final previsto no contrato, mesmo nos casos em
que há vencimento antecipado da dívida, pois a cobrança de crédito antes
do vencimento normalmente contratado é uma faculdade do credor, e não
uma obrigatoriedade, que pode inclusive ser renunciado, não modificando,
por essa razão, o início da fluência do prazo prescricional. Entretanto,
em relação ao crédito rotativo, como no caso, há que se considerar
a peculiaridade desse tipo de crédito, que é disponibilizado pela
instituição financeira dentro do limite contratado para utilização
de forma automática, conforme as necessidades do tomador, ou seja, não
havendo saldo disponível na conta-corrente, o banco libera automaticamente
o crédito pré-estabelecido. Nesse caso, a prescrição deve ser contada a
partir da data apontada, no demonstrativo de débito, como data de início de
inadimplemento, pois esta corresponde, na verdade, ao termo final do prazo
para pagamento da dívida, estabelecido em contrato e contado a partir da
data em que o débito atinge o limite do crédito contratado, sem que o
tomador realize qualquer depósito para saldar sua dívida.
5. Para a restituição de valor pago indevidamente, a prescrição deve ser
contada a partir da quitação ou, no caso de obrigação de trato sucessivo,
a partir de cada pagamento indevido. Nesses casos, se ainda vigente o contrato,
e reconhecido o pagamento indevido ou a maior, tem o requerente direito à
sua restituição, mas limitada aos pagamentos realizados posteriormente ao
requerimento e nos três anos que o antecederam.
6. No caso dos autos, considerando que o contrato é de abertura de crédito
rotativo, e que a autora ainda não quitou o débito nem foi considerada
inadimplente, não há que se falar em prescrição quanto ao pedido de
revisão contratual. Com relação ao pedido de restituição dos valores
indevidamente pagos, é de se reconhecer que apenas os pagamentos realizados
anteriormente aos 3 (três) anos que antecederam o ajuizamento da presente
ação foram atingidos pela prescrição.
7. Conforme a Súmula nº 539/STJ:"É permitida a capitalização de juros com
periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/03/2000 (MP nº
1.963-17/2000, reeditada com MP nº 2.170-36/2001), desde que expressamente
pactuada". Tal entendimento está em conformidade com os julgados proferidos
pelo Egrégio STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp nº 973.827/RS, 2ª
Seção, Relatora p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 24/09/2012;
REsp nº 1.112.879/PR, 2ª Seção, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe
19/05/2010; REsp nº 1.112.880/PR, 2ª Seção, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, DJe 19/05/2010).
8. No caso, o contrato em questão foi firmado após a entrada em vigor da
Medida Provisória nº 1.963-17/2000, em 31/03/2000, sendo admissível a
capitalização mensal de juros, até porque assim foi pactuado.
9. Não obstante previsão contratual, é inadmissível o cálculo da
comissão de permanência com base em duas taxas de mesma natureza, qual
seja, de juros remuneratórios, razão pela qual, em conformidade com os
julgados desta Egrégia Corte Regional, há que se reconhecer a abusividade
da cláusula em questão, mas apenas na parte em que prevê o acréscimo da
taxa de rentabilidade.
10. No caso, deve ser reconhecida a potestividade da cláusula 12ª, mas
apenas na parte em que prevê a composição da comissão de permanência
com a taxa de rentabilidade. Por outro lado, considerando que ainda não
houve incidência da comissão de permanência, como se vê da planilha de
fls. 321/323, nada há a ser restituído.
11. Vencida a autora em parte mínima do pedido, a ela incumbe o pagamento
das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10%
(dez por cento) do valor atualizado atribuído à causa, em harmonia com os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20,
parágrafo 4º, do CPC/1973.
12. Agravo retido improvido. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada,
em parte.
Ementa
DIREITO CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - REVISÃO CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO -
DÍVIDA ORIUNDA DE INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO
- COMPETÊNCIA DO JUÍZO - PRESCRIÇÃO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS -
TAXA DE RENTABILIDADE - ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA - AGRAVO RETIDO IMPROVIDO -
APELO PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
1. O NCPC, conquanto se aplique imediatamente aos processos em curso,
não atinge as situações já consolidadas dentro do processo (art. 14),
em obediência ao princípio da não surpresa e ao princípio constitucional
do isolamento dos atos processuais. Assim, ainda que o recurso tivesse sido
interposto após a entrada em vigor do NCPC, o que não é o caso, por ter
sido a sentença proferida sob a égide da lei anterior, é à luz dessa
lei que ela deverá ser reexaminada pelo Tribunal, ainda que para reformá-la.
2. Considerando a condição de hipossuficiente da autora e as dificuldades
para demandar no foro de eleição, e não demonstrado pela CEF
qualquer prejuízo, deve subsistir a decisão que rejeitou a exceção de
incompetência, desprovido, assim, o agravo retido às fls. 38/40, reiterado
nas razões de apelo.
3. Tratando-se de ação fundada em direito pessoal, a prescrição
sofreu alteração com a entrada em vigor do Código Civil de 2002:
o prazo vintenário (art. 177 do antigo Código Civil) passou a ser (i)
quinquenal para a revisão contratual e para a cobrança da dívida oriunda
de contrato inadimplido (artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC/2002),
e (ii) trienal para a restituição requerida com base no enriquecimento sem
causa (artigo 206, parágrafo 3º, inciso IV, do CC/2002). E o novo Código
Civil prevê, em seu artigo 2.028, uma regra de transição, segundo a qual
"serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade
do tempo estabelecido na lei revogada".
4. Para a revisão contratual e para a cobrança da dívida oriunda de
contrato inadimplido, o prazo prescricional deve ser contado a partir da
quitação ou do vencimento final previsto no contrato, mesmo nos casos em
que há vencimento antecipado da dívida, pois a cobrança de crédito antes
do vencimento normalmente contratado é uma faculdade do credor, e não
uma obrigatoriedade, que pode inclusive ser renunciado, não modificando,
por essa razão, o início da fluência do prazo prescricional. Entretanto,
em relação ao crédito rotativo, como no caso, há que se considerar
a peculiaridade desse tipo de crédito, que é disponibilizado pela
instituição financeira dentro do limite contratado para utilização
de forma automática, conforme as necessidades do tomador, ou seja, não
havendo saldo disponível na conta-corrente, o banco libera automaticamente
o crédito pré-estabelecido. Nesse caso, a prescrição deve ser contada a
partir da data apontada, no demonstrativo de débito, como data de início de
inadimplemento, pois esta corresponde, na verdade, ao termo final do prazo
para pagamento da dívida, estabelecido em contrato e contado a partir da
data em que o débito atinge o limite do crédito contratado, sem que o
tomador realize qualquer depósito para saldar sua dívida.
5. Para a restituição de valor pago indevidamente, a prescrição deve ser
contada a partir da quitação ou, no caso de obrigação de trato sucessivo,
a partir de cada pagamento indevido. Nesses casos, se ainda vigente o contrato,
e reconhecido o pagamento indevido ou a maior, tem o requerente direito à
sua restituição, mas limitada aos pagamentos realizados posteriormente ao
requerimento e nos três anos que o antecederam.
6. No caso dos autos, considerando que o contrato é de abertura de crédito
rotativo, e que a autora ainda não quitou o débito nem foi considerada
inadimplente, não há que se falar em prescrição quanto ao pedido de
revisão contratual. Com relação ao pedido de restituição dos valores
indevidamente pagos, é de se reconhecer que apenas os pagamentos realizados
anteriormente aos 3 (três) anos que antecederam o ajuizamento da presente
ação foram atingidos pela prescrição.
7. Conforme a Súmula nº 539/STJ:"É permitida a capitalização de juros com
periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/03/2000 (MP nº
1.963-17/2000, reeditada com MP nº 2.170-36/2001), desde que expressamente
pactuada". Tal entendimento está em conformidade com os julgados proferidos
pelo Egrégio STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp nº 973.827/RS, 2ª
Seção, Relatora p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 24/09/2012;
REsp nº 1.112.879/PR, 2ª Seção, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe
19/05/2010; REsp nº 1.112.880/PR, 2ª Seção, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, DJe 19/05/2010).
8. No caso, o contrato em questão foi firmado após a entrada em vigor da
Medida Provisória nº 1.963-17/2000, em 31/03/2000, sendo admissível a
capitalização mensal de juros, até porque assim foi pactuado.
9. Não obstante previsão contratual, é inadmissível o cálculo da
comissão de permanência com base em duas taxas de mesma natureza, qual
seja, de juros remuneratórios, razão pela qual, em conformidade com os
julgados desta Egrégia Corte Regional, há que se reconhecer a abusividade
da cláusula em questão, mas apenas na parte em que prevê o acréscimo da
taxa de rentabilidade.
10. No caso, deve ser reconhecida a potestividade da cláusula 12ª, mas
apenas na parte em que prevê a composição da comissão de permanência
com a taxa de rentabilidade. Por outro lado, considerando que ainda não
houve incidência da comissão de permanência, como se vê da planilha de
fls. 321/323, nada há a ser restituído.
11. Vencida a autora em parte mínima do pedido, a ela incumbe o pagamento
das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10%
(dez por cento) do valor atualizado atribuído à causa, em harmonia com os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20,
parágrafo 4º, do CPC/1973.
12. Agravo retido improvido. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada,
em parte.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento
ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
04/04/2017
Data da Publicação
:
11/04/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1557436
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-14
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-206 PAR-3 INC-4 PAR-5 INC-1 ART-2028
***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916
LEG-FED LEI-3071 ANO-1916 ART-177
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-539
LEG-FED MPR-1963 ANO-2000
EDIÇÃO 17
LEG-FED MPR-2170 ANO-2001
EDIÇÃO 36
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-20 PAR-4
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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