TRF3 0011868-17.2012.4.03.6181 00118681720124036181
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. 241-A E 241-B,
AMBOS DA LEI 8.069/90. PORNOGRAFIA INFANTIL. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. DOLO INCONTESTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
CONSUNÇÃO E DA SUBSIDIARIEDADE. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA
PENA-BASE. PERSONALIDADE NEGATIVA. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO
DO PRÓPRIO TIPO PENAL. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. SÚMULA
545 DO STJ. REFORMA DO VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. AFASTADO O CONCURSO
MATERIAL DE CRIMES. INCIDÊNCIA DA CONTINUIDADE DELITIVA. REGIME INCIAL
ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSO DA DEFESA
PARCIALMENTE PROVIDO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO.
1. A materialidade delitiva dos crimes dos artigos 241-A e 241-B da
Lei 8.069/1990 restou devidamente comprovada pelo conjunto probatório
produzido. No Laudo 2350/2016, em relação ao crime do artigo 241-B da
Lei 8.069/1990, atestou-se o armazenamento no disco rígido examinado de 77
(setenta e sete) arquivos de vídeo contendo pornografia infantil, perfazendo
cerca de 05 (cinco) GB de dados. Já com relação ao delito do artigo 241-A
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi identificada a presença
de programas de compartilhamento "Ares", "DreaMule" (variante do "eMule") e
"Limewire", por meio dos quais foram disponibilizados 07 (sete) arquivos, entre
03.01.2014 e 13.01.2014, 12 (doze) arquivos, entre 04.01.2014 e 08.01.2014,
e 07 (sete) arquivos, entre 30.11.2013 e 13.01.2014, respectivamente. Além
disso, segundo consta, também havia registro de download e de upload de
pelo menos 130 (cento e trinta) arquivos de pornografia infantil, por meio
do programa "Limewire".
2. A autoria está amplamente comprovada, por meio da sua prisão em flagrante
delito, dos depoimentos testemunhais e dos interrogatórios do réu, que dão
conta que ele mantinha em seus equipamentos (computador e HDs externos)
arquivos de pornografia infantil e que utilizava dos programas "Ares,
"DreaMule" (variante do "eMule") e "Limewire" para baixar e disponibilizar
as imagens e vídeos de pedofilia.
3. Quanto ao dolo, o réu confirma que fez uso dos programas para obtenção
de arquivos de pornografia infantil, baixando diversas imagens e vídeos para
seu deleite. O fato de ter o primeiro contato com os arquivos de pornografia
infantil quando baixava um jogo, em nada exclui o seu dolo, porquanto o
próprio réu confirma que, após baixar o jogo, foi direcionado para outra
página, onde conseguia visualizar os vídeos e a partir disso pegou os
termos utilizados para fazer uma busca para obtenção de mais conteúdo
pedófilo. Ainda que tenha visualizado o primeiro vídeo de pornografia
infantil por curiosidade, esta se esgotou neste momento. Não se mostrando
crível que sua curiosidade em baixar e obter material pedófilo tenha
perdurado por quase dois anos e tenha necessitado do armazenamento e do
compartilhamento de centenas de arquivos de vídeo e de imagens contendo
pornografia infantil.
4. Ademais, ao deixar ativo para download os diversos arquivos mencionados,
o réu assumiu o risco de seu compartilhamento pelos programas "Ares",
"DreaMule" (variante do "eMule") e "Limewire", os quais por seus próprios
nomes é notória a função de compartilhamento.
5. Se não bastasse, como afirmado pelo acusado em interrogatório judicial,
tinha pleno conhecimento na área de informática, o que lhe possibilitava
saber sobre a funcionalidade de disponibilizar o conteúdo baixado, vez que
fez dois anos de curso superior de Gestão de Redes e Internet.
6. Não se mostra plausível que uma pessoa que apenas baixava arquivos sem
intenção e por curiosidade armazenasse 77 (setenta e sete) arquivos de vídeo
de pornografia infantil no disco rígido de seu computador e em HDs externos.
7. Aplicação dos princípios da consunção e da subsidiariedade. O artigo
241-B da Lei 8.069/1990 foi criado com o fim de resolver situação específica
de armazenamento de conteúdo pornográfico infantil, trazendo figura
subsidiária àquelas descritas no caput, do artigo 241 e no artigo 241-A
da Lei 8.069/1990, quando há provas do cometimento das condutas descritas
nestes tipos penais. Verifica-se, assim, certa subsidiariedade entre os tipos
penais em questão, decorrentes do visível intuito legislativo de "cobrir"
todas as possíveis condutas e pessoas que de alguma forma participem das
práticas delitivas. Em razão da aplicação dos princípios da consunção
e da subsidiariedade, remanesce apenas a condenação pelo crime do artigo
241-A da Lei 8.069/1990.
8. Redução da pena-base, em razão da fundamentação utilizada na sentença
para as consequências do crime estar estritamente relacionada ao próprio
tipo penal.
9. Incidência da atenuante da confissão espontânea. O advento da prisão
em flagrante não exclui o reconhecimento da atenuante em questão, vez que
o réu confirmou a sua autoria. Além disso, a confissão do acusado foi
utilizada para embasar sua condenação, conforme Súmula 545 do Superior
Tribunal de Justiça.
10. Em vista do reconhecimento da consunção, afasta-se o concurso material
de crimes. Contudo, em decorrência do número de arquivos compartilhados pelo
acusado e do período em que compartilhou e mantinha ativos para download
para outras pessoas (de 22 de abril de 2012 a 14 de janeiro de 2014), deve
ser reconhecida a continuidade delitiva ao crime do artigo 241-A do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
11. Desproporcional o valor do dia-multa em relação à renda do acusado,
de forma que fica reduzido.
12. O regime prisional, em razão do redimensionamento da pena e das
circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fica fixado no
aberto, nos termos do artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, tal como
requerido pela defesa.
13. Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, reconheço a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por duas
restritivas de direitos.
14. Recurso defensivo parcialmente provido. Aplicação de ofício.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. 241-A E 241-B,
AMBOS DA LEI 8.069/90. PORNOGRAFIA INFANTIL. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. DOLO INCONTESTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
CONSUNÇÃO E DA SUBSIDIARIEDADE. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA
PENA-BASE. PERSONALIDADE NEGATIVA. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO
DO PRÓPRIO TIPO PENAL. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. SÚMULA
545 DO STJ. REFORMA DO VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. AFASTADO O CONCURSO
MATERIAL DE CRIMES. INCIDÊNCIA DA CONTINUIDADE DELITIVA. REGIME INCIAL
ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSO DA DEFESA
PARCIALMENTE PROVIDO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO.
1. A materialidade delitiva dos crimes dos artigos 241-A e 241-B da
Lei 8.069/1990 restou devidamente comprovada pelo conjunto probatório
produzido. No Laudo 2350/2016, em relação ao crime do artigo 241-B da
Lei 8.069/1990, atestou-se o armazenamento no disco rígido examinado de 77
(setenta e sete) arquivos de vídeo contendo pornografia infantil, perfazendo
cerca de 05 (cinco) GB de dados. Já com relação ao delito do artigo 241-A
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi identificada a presença
de programas de compartilhamento "Ares", "DreaMule" (variante do "eMule") e
"Limewire", por meio dos quais foram disponibilizados 07 (sete) arquivos, entre
03.01.2014 e 13.01.2014, 12 (doze) arquivos, entre 04.01.2014 e 08.01.2014,
e 07 (sete) arquivos, entre 30.11.2013 e 13.01.2014, respectivamente. Além
disso, segundo consta, também havia registro de download e de upload de
pelo menos 130 (cento e trinta) arquivos de pornografia infantil, por meio
do programa "Limewire".
2. A autoria está amplamente comprovada, por meio da sua prisão em flagrante
delito, dos depoimentos testemunhais e dos interrogatórios do réu, que dão
conta que ele mantinha em seus equipamentos (computador e HDs externos)
arquivos de pornografia infantil e que utilizava dos programas "Ares,
"DreaMule" (variante do "eMule") e "Limewire" para baixar e disponibilizar
as imagens e vídeos de pedofilia.
3. Quanto ao dolo, o réu confirma que fez uso dos programas para obtenção
de arquivos de pornografia infantil, baixando diversas imagens e vídeos para
seu deleite. O fato de ter o primeiro contato com os arquivos de pornografia
infantil quando baixava um jogo, em nada exclui o seu dolo, porquanto o
próprio réu confirma que, após baixar o jogo, foi direcionado para outra
página, onde conseguia visualizar os vídeos e a partir disso pegou os
termos utilizados para fazer uma busca para obtenção de mais conteúdo
pedófilo. Ainda que tenha visualizado o primeiro vídeo de pornografia
infantil por curiosidade, esta se esgotou neste momento. Não se mostrando
crível que sua curiosidade em baixar e obter material pedófilo tenha
perdurado por quase dois anos e tenha necessitado do armazenamento e do
compartilhamento de centenas de arquivos de vídeo e de imagens contendo
pornografia infantil.
4. Ademais, ao deixar ativo para download os diversos arquivos mencionados,
o réu assumiu o risco de seu compartilhamento pelos programas "Ares",
"DreaMule" (variante do "eMule") e "Limewire", os quais por seus próprios
nomes é notória a função de compartilhamento.
5. Se não bastasse, como afirmado pelo acusado em interrogatório judicial,
tinha pleno conhecimento na área de informática, o que lhe possibilitava
saber sobre a funcionalidade de disponibilizar o conteúdo baixado, vez que
fez dois anos de curso superior de Gestão de Redes e Internet.
6. Não se mostra plausível que uma pessoa que apenas baixava arquivos sem
intenção e por curiosidade armazenasse 77 (setenta e sete) arquivos de vídeo
de pornografia infantil no disco rígido de seu computador e em HDs externos.
7. Aplicação dos princípios da consunção e da subsidiariedade. O artigo
241-B da Lei 8.069/1990 foi criado com o fim de resolver situação específica
de armazenamento de conteúdo pornográfico infantil, trazendo figura
subsidiária àquelas descritas no caput, do artigo 241 e no artigo 241-A
da Lei 8.069/1990, quando há provas do cometimento das condutas descritas
nestes tipos penais. Verifica-se, assim, certa subsidiariedade entre os tipos
penais em questão, decorrentes do visível intuito legislativo de "cobrir"
todas as possíveis condutas e pessoas que de alguma forma participem das
práticas delitivas. Em razão da aplicação dos princípios da consunção
e da subsidiariedade, remanesce apenas a condenação pelo crime do artigo
241-A da Lei 8.069/1990.
8. Redução da pena-base, em razão da fundamentação utilizada na sentença
para as consequências do crime estar estritamente relacionada ao próprio
tipo penal.
9. Incidência da atenuante da confissão espontânea. O advento da prisão
em flagrante não exclui o reconhecimento da atenuante em questão, vez que
o réu confirmou a sua autoria. Além disso, a confissão do acusado foi
utilizada para embasar sua condenação, conforme Súmula 545 do Superior
Tribunal de Justiça.
10. Em vista do reconhecimento da consunção, afasta-se o concurso material
de crimes. Contudo, em decorrência do número de arquivos compartilhados pelo
acusado e do período em que compartilhou e mantinha ativos para download
para outras pessoas (de 22 de abril de 2012 a 14 de janeiro de 2014), deve
ser reconhecida a continuidade delitiva ao crime do artigo 241-A do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
11. Desproporcional o valor do dia-multa em relação à renda do acusado,
de forma que fica reduzido.
12. O regime prisional, em razão do redimensionamento da pena e das
circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fica fixado no
aberto, nos termos do artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, tal como
requerido pela defesa.
13. Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, reconheço a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por duas
restritivas de direitos.
14. Recurso defensivo parcialmente provido. Aplicação de ofício.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria,
dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto por RODRIGO GOLIAS,
para reduzir a pena-base ao montante de 04 (quatro) anos de reclusão, fazer
incidir a atenuante da confissão disposta no artigo 65, inciso III, alínea
"d", do Código Penal, afastar o concurso material de crimes e fazer incidir
a continuidade delitiva, reduzir o valor unitário do dia-multa, fixar regime
aberto para o início do cumprimento da pena e substituir a pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos e, de ofício, aplicar os princípios
da consunção e da subsidiariedade, para restar absorvido o crime do artigo
241-B pelo crime do artigo 241-A da Lei 8.069/1990, tornando definitiva a
pena privativa de liberdade de 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão, em regime inicial aberto, e a pena de multa de 11 (onze)
dias-multa, no valor unitário mínimo, possibilitada a substituição
daquela por duas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/11/2018
Data da Publicação
:
14/11/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 72591
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-241A ART-241B
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-545
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-33 PAR-2 PAR-3 ART-44 ART-65 INC-3
LET-D
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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