TRF3 0012148-55.2008.4.03.6107 00121485520084036107
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. FCVS. CES. CDC. ANATOCISMO. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PROTEÇÃO AO CRÉDITO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
I - O PES não é índice de correção monetária aplicável ao saldo devedor,
o CES é um de seus instrumentos e sua cobrança é legítima mesmo antes
da Lei 8.692/93, se prevista em contrato.
II - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual.
III - O artigo 14 da Lei nº 4.380/64 e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei
73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis
que são objeto e garantia de financiamento pelas normas do SFH. A alegação
de venda casada só se sustenta se as quantias cobradas a título de seguro
forem consideravelmente superiores às taxas praticadas por outras seguradoras
em operação similar, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade
de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência.
IV - Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor
antecede sua amortização pelo pagamento da prestação (Súmula 450 do STJ).
V - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira. Como conceito jurídico pressupõe o inadimplemento e um montante
de juros devidos, vencidos e não pagos e posteriormente incorporados ao
capital para que incidam novos juros sobre ele. Não há no ordenamento
jurídico brasileiro proibição absoluta do anatocismo. A MP 1.963-17/00
prevê como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime
matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. Há na
legislação especial do SFH autorização expressa para a capitalização
mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu o Artigo 15-A
na Lei 4.380/64. REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do CPC.
VI - A utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, por si só,
não provoca desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento ilícito
ou qualquer ilegalidade, cada um dos referidos sistemas de amortização
possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens.
VII - Se o reajuste da prestação pelo PES for sistematicamente inferior
à correção do saldo devedor, configura-se a hipótese de amortização
negativa, na qual o valor da prestação não é suficiente para pagar os
juros mensais e amortizar o capital, com o potencial de majorar o saldo
devedor de maneira insustentável. A amortização negativa se assemelha
ao anatocismo em sentido estrito, já que valores devidos a título de juros
remuneratórios "não pagos", apenas em decorrência do desequilíbrio exposto,
são incorporados ao saldo devedor para nova incidência de juros.
VIII - Nos contratos com cobertura do FCVS, a existência de um grande
saldo residual decorrente das amortizações negativas não é relevante
para o mutuário que paga regularmente as prestações do financiamento,
já que a responsabilidade pela sua cobertura será do fundo. Neste caso, só
terá interesse em afastar a amortização negativa se estiver inadimplente
e restar configurado o vencimento antecipado da dívida. Na ausência de
cobertura pelo FCVS, porém, é nítido o interesse em afastar a possível
sistemática amortização negativa no contrato. A questão depende de prova
e é ônus da parte Autora.
IX - O Decreto-lei 70/66 é compatível com as normas constitucionais
que tratam do devido processo legal. Não é negado ao devedor o direito
de postular perante o Poder Judiciário a suspensão ou anulação de
atos relativos ao procedimento de execução extrajudicial em virtude de
irregularidades procedimentais. A mera existência de ação revisional não
garante a suspensão da execução pelas regras do Decreto-lei 70/66. Para
tanto a discussão deve se fundar em jurisprudência consolidada do STF ou
STJ (fumus boni iuris). REsp 1067237, artigo 543-C do CPC.
X - A proibição da inscrição/manutenção dos nomes dos mutuários em
cadastro de inadimplentes deve se fundar em jurisprudência consolidada do
STF ou STJ, sendo necessário, ainda, o depósito da parcela incontroversa
ou de caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. REsp 1067237,
artigo 543-C do CPC.
XI - A execução ficará suspensa, bem como a possibilidade de incluir o
nome dos mutuários em cadastro de proteção ao crédito, se existir liminar
nesse sentido, ou se houver sentença/acórdão, notadamente se constituir
título executivo judicial, prevendo a revisão de cláusulas do contrato
ou determinando a sua correta aplicação. A suspensão nessas condições
tem o intuito de garantir a eficácia da decisão e proteger a coisa julgada.
XII - Apelação parcialmente provida somente para esclarecer a maneira pela
qual deve ser afastada a amortização negativa.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. FCVS. CES. CDC. ANATOCISMO. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PROTEÇÃO AO CRÉDITO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
I - O PES não é índice de correção monetária aplicável ao saldo devedor,
o CES é um de seus instrumentos e sua cobrança é legítima mesmo antes
da Lei 8.692/93, se prevista em contrato.
II - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual.
III - O artigo 14 da Lei nº 4.380/64 e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei
73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis
que são objeto e garantia de financiamento pelas normas do SFH. A alegação
de venda casada só se sustenta se as quantias cobradas a título de seguro
forem consideravelmente superiores às taxas praticadas por outras seguradoras
em operação similar, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade
de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência.
IV - Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor
antecede sua amortização pelo pagamento da prestação (Súmula 450 do STJ).
V - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira. Como conceito jurídico pressupõe o inadimplemento e um montante
de juros devidos, vencidos e não pagos e posteriormente incorporados ao
capital para que incidam novos juros sobre ele. Não há no ordenamento
jurídico brasileiro proibição absoluta do anatocismo. A MP 1.963-17/00
prevê como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime
matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. Há na
legislação especial do SFH autorização expressa para a capitalização
mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu o Artigo 15-A
na Lei 4.380/64. REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do CPC.
VI - A utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, por si só,
não provoca desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento ilícito
ou qualquer ilegalidade, cada um dos referidos sistemas de amortização
possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens.
VII - Se o reajuste da prestação pelo PES for sistematicamente inferior
à correção do saldo devedor, configura-se a hipótese de amortização
negativa, na qual o valor da prestação não é suficiente para pagar os
juros mensais e amortizar o capital, com o potencial de majorar o saldo
devedor de maneira insustentável. A amortização negativa se assemelha
ao anatocismo em sentido estrito, já que valores devidos a título de juros
remuneratórios "não pagos", apenas em decorrência do desequilíbrio exposto,
são incorporados ao saldo devedor para nova incidência de juros.
VIII - Nos contratos com cobertura do FCVS, a existência de um grande
saldo residual decorrente das amortizações negativas não é relevante
para o mutuário que paga regularmente as prestações do financiamento,
já que a responsabilidade pela sua cobertura será do fundo. Neste caso, só
terá interesse em afastar a amortização negativa se estiver inadimplente
e restar configurado o vencimento antecipado da dívida. Na ausência de
cobertura pelo FCVS, porém, é nítido o interesse em afastar a possível
sistemática amortização negativa no contrato. A questão depende de prova
e é ônus da parte Autora.
IX - O Decreto-lei 70/66 é compatível com as normas constitucionais
que tratam do devido processo legal. Não é negado ao devedor o direito
de postular perante o Poder Judiciário a suspensão ou anulação de
atos relativos ao procedimento de execução extrajudicial em virtude de
irregularidades procedimentais. A mera existência de ação revisional não
garante a suspensão da execução pelas regras do Decreto-lei 70/66. Para
tanto a discussão deve se fundar em jurisprudência consolidada do STF ou
STJ (fumus boni iuris). REsp 1067237, artigo 543-C do CPC.
X - A proibição da inscrição/manutenção dos nomes dos mutuários em
cadastro de inadimplentes deve se fundar em jurisprudência consolidada do
STF ou STJ, sendo necessário, ainda, o depósito da parcela incontroversa
ou de caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. REsp 1067237,
artigo 543-C do CPC.
XI - A execução ficará suspensa, bem como a possibilidade de incluir o
nome dos mutuários em cadastro de proteção ao crédito, se existir liminar
nesse sentido, ou se houver sentença/acórdão, notadamente se constituir
título executivo judicial, prevendo a revisão de cláusulas do contrato
ou determinando a sua correta aplicação. A suspensão nessas condições
tem o intuito de garantir a eficácia da decisão e proteger a coisa julgada.
XII - Apelação parcialmente provida somente para esclarecer a maneira pela
qual deve ser afastada a amortização negativa.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, apelação parcialmente provida somente para esclarecer a
maneira pela qual deve ser afastada a amortização negativa, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/03/2017
Data da Publicação
:
24/03/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1996209
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2017
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