TRF3 0012183-49.2007.4.03.6107 00121834920074036107
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 18 DA LEI N.º 10.826/2003 E ARTIGO 273 DO
CÓDIGO PENAL. MUNIÇÕES, MEDICAMENTOS FALSIFICADOS E SEM REGISTRO NA ANVISA
TRAZIDOS DO PARAGUAI. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TIPICIDADE
DAS CONDUTAS. ERRO DE PROIBIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CRIME DE PERIGO
ABSTRATO. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 273 DO
CÓDIGO PENAL.
1 - A materialidade delitiva restou devidamente comprovada através do auto
de prisão em flagrante e auto de apresentação e apreensão das seguintes
mercadorias, bem como laudo de exame de munição e laudo de exame em produto
farmacêutico. Da mesma forma comprovada a autoria dos delitos através do
depoimento dos policiais militares e dos próprios réus, que confessaram
a prática delitiva.
2 - Do delito previsto no artigo 18 da Lei n.º 10.826/2003. Desclassificação
do artigo 18 para o artigo 14, ambos da Lei n. 10.826/2003. Analisando o
conjunto probatório, restou devidamente comprovado que a conduta perpetrada
pelos réus está, de certo, descrita no artigo 18 da Lei n.º 10.826/2003,
porquanto atestado, inclusive através da confissão dos mesmos, que adquiriram
a munição no Paraguai e, ainda que a munição seja de uso permitido ou
tenha sido adquirida em pequena quantidade, adentraram no território nacional
sem a devida documentação legal e autorização pela autoridade competente.
3 - Do erro de proibição. Os réus declararam desconhecer a
legislação quanto à proibição de importação de munição em pequena
quantidade. Comprovado, contudo, que os acusados efetivamente conheciam a
ilicitude de seu comportamento, a despeito do alegado. Desnecessário grande
conhecimento técnico ou científico para saber que não se comercializa
produtos sem a devida documentação que comprove o recolhimento de tributos,
bem como a sua procedência, some-se ainda, ao fato de efetuarem pagamento a
terceiros para o transporte da mercadoria, grande indicativo do conhecimento da
ilicitude da conduta perpetrada. O dolo restou está devidamente demonstrado
na conduta dos réus, caracterizada na vontade livre e consciente de trazer
as munições do Paraguai para o Brasil, ainda que para uso pessoal.
4 - Crime de perigo abstrato. A norma penal quer evitar o ingresso
desregulamentado de armas de fogo e munições em território nacional,
posto que estes objetos destinam-se, no mais das vezes, à pratica de
crimes. Afora destas hipóteses, não haveria razão para a introdução
destes objetos ilícitos dar-se por vias clandestinas. Daí a necessidade
de um tipo penal que puna a mera atividade já antes do risco se concretizar.
5 - Do delito previsto no artigo 273 do Código Penal. Atipicidade da
conduta. O delito se consuma quando o agente pratica qualquer um dos
comportamentos elencados no artigo 273, sendo que, no caso, a conduta e
o dolo do agente de importar produto falsificado e sem registro na ANVISA
restou devidamente comprovado pelo conjunto probatório e pela confissão do
próprio réu. Não há dúvidas de que o acusado agiu dolosamente, importando
medicamento estrangeiro e sem registro no órgão competente, sendo imperiosa a
manutenção da condenação pela prática do delito tipificado no artigo 273,
§§ 1º, 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal, tal qual estabelecido
na r. sentença.
6 - Preceito sancionador do artigo 273 do Código Penal. Se por um
lado justifica-se a previsão de penas mais severas para condutas mais
censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A do art. 273 do
Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial às vítimas
diretas, de outro não se pode tolher a individualização da pena às
circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao § 1º-B do
mesmo dispositivo. Fazendo-se uma comparação, ainda que breve, tratam-se de
atos muito distintos - e que implicam riscos quase incomparáveis entre si -
os de: a) introduzir no País medicamentos que não têm registro na ANVISA,
sobretudo em pequena quantidade, e ainda, que não têm relação com doenças
graves e/ou apresentam grande risco de morte; e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados. Atos como o
perpetrado pelo réu foram equiparados a outros de natureza muito mais grave,
gerando uma notável distorção que pode ser atenuada pela devida valoração
e adequação que cabe ao julgador realizar em relação ao caso concreto.
7 - No tocante ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que não significa necessariamente
o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.677, de 02.07.1998
(que incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo).
8 - Conquanto o Órgão Especial desta C. Corte tenha se pronunciado pela
constitucionalidade do preceito sancionador do delito previsto no art. 273
do Código Penal, nos autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº
000793-60.2009.4.03.6124 (e-DJF3 23.08.2013), curvo-me a ao novel entendimento
da Corte Superior. A pena aplicada deve ser justa, manter razoabilidade
e proporcionalidade com o delito cometido, o que não se vislumbra do
preceito secundário inserto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. No
caso concreto, constata-se na dosimetria da pena fixada em sentença, que
o magistrado já aplicou analogicamente a reprimenda cominada ao delito de
tráfico de entorpecentes, na forma acima descrita.
9 - Dosimetria da pena. Mantida nos termos fixados em sentença. Condenação
do réu NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS como incurso no artigo 18 da Lei n.º
10.826/2003, em concurso pessoal, ao cumprimento da pena de 04 (quatro) anos de
reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado
em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos,
corrigidos até o pagamento. Pena privativa de liberdade substituída por
duas restritivas de direitos de prestação de serviço à comunidade ou ente
público, pelo mesmo período da condenação, ficando a critério do Juízo
de Execuções Penais a indicação da entidade recebedora dos serviços.
10 - Condenação do réu ADAILDO HORTA como incurso no artigo 18 da Lei n.º
10.826/2003 e artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal,
em concurso formal e pessoal, ao cumprimento da pena de 05 (cinco) anos e 10
(dez) meses de reclusão, em regime inicial SEMI-ABERTO, e ao pagamento de 538
(quinhentos e trinta e oito) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado em 1/30
(um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos
até o pagamento.
- Apelação do Ministério Público e dos réus ADAILDO HORTA e NÉLSON
PEREIRA DOS SANTOS a que se nega provimento.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 18 DA LEI N.º 10.826/2003 E ARTIGO 273 DO
CÓDIGO PENAL. MUNIÇÕES, MEDICAMENTOS FALSIFICADOS E SEM REGISTRO NA ANVISA
TRAZIDOS DO PARAGUAI. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TIPICIDADE
DAS CONDUTAS. ERRO DE PROIBIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CRIME DE PERIGO
ABSTRATO. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 273 DO
CÓDIGO PENAL.
1 - A materialidade delitiva restou devidamente comprovada através do auto
de prisão em flagrante e auto de apresentação e apreensão das seguintes
mercadorias, bem como laudo de exame de munição e laudo de exame em produto
farmacêutico. Da mesma forma comprovada a autoria dos delitos através do
depoimento dos policiais militares e dos próprios réus, que confessaram
a prática delitiva.
2 - Do delito previsto no artigo 18 da Lei n.º 10.826/2003. Desclassificação
do artigo 18 para o artigo 14, ambos da Lei n. 10.826/2003. Analisando o
conjunto probatório, restou devidamente comprovado que a conduta perpetrada
pelos réus está, de certo, descrita no artigo 18 da Lei n.º 10.826/2003,
porquanto atestado, inclusive através da confissão dos mesmos, que adquiriram
a munição no Paraguai e, ainda que a munição seja de uso permitido ou
tenha sido adquirida em pequena quantidade, adentraram no território nacional
sem a devida documentação legal e autorização pela autoridade competente.
3 - Do erro de proibição. Os réus declararam desconhecer a
legislação quanto à proibição de importação de munição em pequena
quantidade. Comprovado, contudo, que os acusados efetivamente conheciam a
ilicitude de seu comportamento, a despeito do alegado. Desnecessário grande
conhecimento técnico ou científico para saber que não se comercializa
produtos sem a devida documentação que comprove o recolhimento de tributos,
bem como a sua procedência, some-se ainda, ao fato de efetuarem pagamento a
terceiros para o transporte da mercadoria, grande indicativo do conhecimento da
ilicitude da conduta perpetrada. O dolo restou está devidamente demonstrado
na conduta dos réus, caracterizada na vontade livre e consciente de trazer
as munições do Paraguai para o Brasil, ainda que para uso pessoal.
4 - Crime de perigo abstrato. A norma penal quer evitar o ingresso
desregulamentado de armas de fogo e munições em território nacional,
posto que estes objetos destinam-se, no mais das vezes, à pratica de
crimes. Afora destas hipóteses, não haveria razão para a introdução
destes objetos ilícitos dar-se por vias clandestinas. Daí a necessidade
de um tipo penal que puna a mera atividade já antes do risco se concretizar.
5 - Do delito previsto no artigo 273 do Código Penal. Atipicidade da
conduta. O delito se consuma quando o agente pratica qualquer um dos
comportamentos elencados no artigo 273, sendo que, no caso, a conduta e
o dolo do agente de importar produto falsificado e sem registro na ANVISA
restou devidamente comprovado pelo conjunto probatório e pela confissão do
próprio réu. Não há dúvidas de que o acusado agiu dolosamente, importando
medicamento estrangeiro e sem registro no órgão competente, sendo imperiosa a
manutenção da condenação pela prática do delito tipificado no artigo 273,
§§ 1º, 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal, tal qual estabelecido
na r. sentença.
6 - Preceito sancionador do artigo 273 do Código Penal. Se por um
lado justifica-se a previsão de penas mais severas para condutas mais
censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A do art. 273 do
Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial às vítimas
diretas, de outro não se pode tolher a individualização da pena às
circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao § 1º-B do
mesmo dispositivo. Fazendo-se uma comparação, ainda que breve, tratam-se de
atos muito distintos - e que implicam riscos quase incomparáveis entre si -
os de: a) introduzir no País medicamentos que não têm registro na ANVISA,
sobretudo em pequena quantidade, e ainda, que não têm relação com doenças
graves e/ou apresentam grande risco de morte; e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados. Atos como o
perpetrado pelo réu foram equiparados a outros de natureza muito mais grave,
gerando uma notável distorção que pode ser atenuada pela devida valoração
e adequação que cabe ao julgador realizar em relação ao caso concreto.
7 - No tocante ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que não significa necessariamente
o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.677, de 02.07.1998
(que incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo).
8 - Conquanto o Órgão Especial desta C. Corte tenha se pronunciado pela
constitucionalidade do preceito sancionador do delito previsto no art. 273
do Código Penal, nos autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº
000793-60.2009.4.03.6124 (e-DJF3 23.08.2013), curvo-me a ao novel entendimento
da Corte Superior. A pena aplicada deve ser justa, manter razoabilidade
e proporcionalidade com o delito cometido, o que não se vislumbra do
preceito secundário inserto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. No
caso concreto, constata-se na dosimetria da pena fixada em sentença, que
o magistrado já aplicou analogicamente a reprimenda cominada ao delito de
tráfico de entorpecentes, na forma acima descrita.
9 - Dosimetria da pena. Mantida nos termos fixados em sentença. Condenação
do réu NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS como incurso no artigo 18 da Lei n.º
10.826/2003, em concurso pessoal, ao cumprimento da pena de 04 (quatro) anos de
reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado
em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos,
corrigidos até o pagamento. Pena privativa de liberdade substituída por
duas restritivas de direitos de prestação de serviço à comunidade ou ente
público, pelo mesmo período da condenação, ficando a critério do Juízo
de Execuções Penais a indicação da entidade recebedora dos serviços.
10 - Condenação do réu ADAILDO HORTA como incurso no artigo 18 da Lei n.º
10.826/2003 e artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal,
em concurso formal e pessoal, ao cumprimento da pena de 05 (cinco) anos e 10
(dez) meses de reclusão, em regime inicial SEMI-ABERTO, e ao pagamento de 538
(quinhentos e trinta e oito) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado em 1/30
(um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos
até o pagamento.
- Apelação do Ministério Público e dos réus ADAILDO HORTA e NÉLSON
PEREIRA DOS SANTOS a que se nega provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO às Apelações do MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL e dos réus ADAILDO HORTA E NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
09/10/2018
Data da Publicação
:
22/10/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 67321
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** ED-2003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO
LEG-FED LEI-10826 ANO-2003 ART-18 ART-14
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-273 PAR-1 PAR-1A PAR-1B INC-1
LEG-FED LEI-9677 ANO-1998
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/10/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão