TRF3 0012225-78.2005.4.03.6104 00122257820054036104
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR. INDEVIDA INCLUSÃO DA CONSTRUTORA NO POLO PASSIVO. AUSÊNCIA
DE RELAÇÃO JURÍDICA. NORMAS DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO
SOLIDÁRIA DAS CORRÉS: IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR EVENTUAL LIDE ENTRE A AUTORA E A
CONSTRUTORA. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 1.013, §3º,
II, DO CPC. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE DOS
IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO DA
OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO:
POSSIBILIDADE. DEMANDA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Indevida a inclusão da corré ENPLAN Engenharia e Construtora Ltda. no
polo passivo. Com efeito, os pedidos iniciais voltam-se todos contra a CEF
e, mesmo após o aditamento da inicial para inclusão da corré (determinado
pelo MM. Juízo Estadual perante o qual a demanda foi erroneamente ajuizada),
nenhum pedido específico contra a construtora foi deduzido pela autora.
2. Não há relação jurídica estabelecida entre a autora e a construtora. A
única relação jurídica de que trata os autos é aquela constituída
entre a autora e a CEF, por meio de contrato de arrendamento residencial
vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial - PAR.
3. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
4. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
5. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados
ao PAR, na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
6. Afastada a possibilidade de condenação solidária com base na norma
consumerista, não se verifica, no caso, a ocorrência de litisconsórcio
necessário. E, como o litisconsórcio facultativo pressupõe a competência
para o julgamento contra todos os litisconsortes, há que se considerar que
a Justiça Federal não é competente para julgar eventual lide instaurada
entre a autora e a construtora.
7. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
8. No âmbito no PAR, a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído para atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
9. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
parágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta".
10. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso do bem pelo arrendatário.
11. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao "Conjunto Habitacional
Jardim das Flores", localizado no Município de Peruíbe/SP, nas proximidades
do Rio Preto.
12. A CEF não nega que o conjunto habitacional em questão está situado em
área sujeita a inundações frequentes. Desse modo, uma vez não assegurado
o bom uso ao fim a que se destina o bem, conclui-se pela inexecução do
contrato de arrendamento residencial, ante o inadimplemento absoluto da
obrigação pela CEF.
13. Diante do evento notório da inundação na região por cerca de uma semana
e do fato incontroverso de que o "Conjunto Habitacional Jardim das Flores"
foi atingido pelas águas, resta caracterizado o dano como decorrência
necessária do inadimplemento.
14. Os danos materiais estão suficientemente comprovados nos autos, mediante
dezenas de fotos nas quais se veem o mobiliário, aparelhos eletrônicos,
diversos objetos de interesse pessoal e roupas atingidos pela inundação,
muitos deles inutilizados.
15. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
16. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento cotidiano e
repercutem na esfera da dignidade da vítima, o dano moral resta perfeitamente
configurado.
17. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos materiais, a serem apurados em liquidação por
arbitramento, e por danos morais, fixados, com razoabilidade, em R$ 15.000,00
(quinze mil reais).
18. Por força do ilícito contratual, procede o pedido quanto à resolução
da avença, com fundamento no artigo 475 do Código Civil. Todavia, a
restituição das parcelas pagas em função do arrendamento fica limitada
àquelas posteriores à inexecução do contrato pela CEF, ou seja, a partir
de dezembro de 2004, devidamente atualizadas.
19. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
20. Sentença anulada de ofício. Apelações prejudicadas. Processo extinto
sem resolução de mérito em relação à ENPLAN Engenharia e Construtora
Ltda. Demanda julgada parcialmente procedente, na forma do artigo 1.013,
§ 3º, inciso II, do Código de Processo Civil.
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR. INDEVIDA INCLUSÃO DA CONSTRUTORA NO POLO PASSIVO. AUSÊNCIA
DE RELAÇÃO JURÍDICA. NORMAS DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO
SOLIDÁRIA DAS CORRÉS: IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR EVENTUAL LIDE ENTRE A AUTORA E A
CONSTRUTORA. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 1.013, §3º,
II, DO CPC. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE DOS
IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO DA
OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO:
POSSIBILIDADE. DEMANDA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Indevida a inclusão da corré ENPLAN Engenharia e Construtora Ltda. no
polo passivo. Com efeito, os pedidos iniciais voltam-se todos contra a CEF
e, mesmo após o aditamento da inicial para inclusão da corré (determinado
pelo MM. Juízo Estadual perante o qual a demanda foi erroneamente ajuizada),
nenhum pedido específico contra a construtora foi deduzido pela autora.
2. Não há relação jurídica estabelecida entre a autora e a construtora. A
única relação jurídica de que trata os autos é aquela constituída
entre a autora e a CEF, por meio de contrato de arrendamento residencial
vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial - PAR.
3. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
4. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
5. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados
ao PAR, na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
6. Afastada a possibilidade de condenação solidária com base na norma
consumerista, não se verifica, no caso, a ocorrência de litisconsórcio
necessário. E, como o litisconsórcio facultativo pressupõe a competência
para o julgamento contra todos os litisconsortes, há que se considerar que
a Justiça Federal não é competente para julgar eventual lide instaurada
entre a autora e a construtora.
7. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
8. No âmbito no PAR, a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído para atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
9. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
parágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta".
10. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso do bem pelo arrendatário.
11. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao "Conjunto Habitacional
Jardim das Flores", localizado no Município de Peruíbe/SP, nas proximidades
do Rio Preto.
12. A CEF não nega que o conjunto habitacional em questão está situado em
área sujeita a inundações frequentes. Desse modo, uma vez não assegurado
o bom uso ao fim a que se destina o bem, conclui-se pela inexecução do
contrato de arrendamento residencial, ante o inadimplemento absoluto da
obrigação pela CEF.
13. Diante do evento notório da inundação na região por cerca de uma semana
e do fato incontroverso de que o "Conjunto Habitacional Jardim das Flores"
foi atingido pelas águas, resta caracterizado o dano como decorrência
necessária do inadimplemento.
14. Os danos materiais estão suficientemente comprovados nos autos, mediante
dezenas de fotos nas quais se veem o mobiliário, aparelhos eletrônicos,
diversos objetos de interesse pessoal e roupas atingidos pela inundação,
muitos deles inutilizados.
15. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
16. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento cotidiano e
repercutem na esfera da dignidade da vítima, o dano moral resta perfeitamente
configurado.
17. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos materiais, a serem apurados em liquidação por
arbitramento, e por danos morais, fixados, com razoabilidade, em R$ 15.000,00
(quinze mil reais).
18. Por força do ilícito contratual, procede o pedido quanto à resolução
da avença, com fundamento no artigo 475 do Código Civil. Todavia, a
restituição das parcelas pagas em função do arrendamento fica limitada
àquelas posteriores à inexecução do contrato pela CEF, ou seja, a partir
de dezembro de 2004, devidamente atualizadas.
19. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
20. Sentença anulada de ofício. Apelações prejudicadas. Processo extinto
sem resolução de mérito em relação à ENPLAN Engenharia e Construtora
Ltda. Demanda julgada parcialmente procedente, na forma do artigo 1.013,
§ 3º, inciso II, do Código de Processo Civil.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, de ofício, anular a r. sentença e julgar prejudicadas
as apelações interpostas; julgar extinto o feito, sem resolução de
mérito, em relação à corré ENPLAN Engenharia e Construtora Ltda.; e,
na forma do artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil,
julgar parcialmente procedente a demanda, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/03/2017
Data da Publicação
:
30/03/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1645952
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1013 PAR-3 INC-2 ART-85 PAR-11
LEG-FED LEI-10188 ANO-2001 ART-1 PAR-1 ART-6 ART-10
PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-403 ART-475
LEG-FED LEI-6099 ANO-1974 ART-1 PAR-ÚNICO
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/03/2017
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