TRF3 0012260-83.2015.4.03.6105 00122608320154036105
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE
DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. TRANSLARNA (ATALUREN). DISTROFIA MUSCULAR DE DUCNHENNE. FÁRMACO
NÃO REGISTRADO NA ANVISA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA DO
MEDICAMENTO NO CASO CONCRETO. PACIENTE QUE NÃO DEAMBULA HÁ MAIS DE 05
ANOS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCELO FERRAZ PINHEIRO em
face da r. sentença de fls. 243/245-v que, em autos de ação de obrigação
de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou improcedente o pedido do
a ora apelante, reconhecendo que a União Federal não tem obrigação em
conceder o medicamento TRANSLARNA (Atalure) ao autor. Não houve condenação
ao pagamento de honorários advocatícios e sem reexame necessário.
2. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
3. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
4. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto
coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo;
verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em
promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições
de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a
tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde
de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país.
5. In casu, o apelante foi diagnosticado com DISTROFIA MUSCULAR DE
DUCNHENNE (DMD) - Cid: G71.O, enfermidade genética, ligada ao cromossomo
X, progressivamente degenerativa e sem cura, conhecida como "mutação
nonsense" que leva a ausência da proteína distrofina nos músculos, tendo
sido submetida a várias tentativas medicamentosas, sem êxito, motivo pelo
qual lhe foi prescrito o uso do medicamento TRANSLARNA (Ataluren), capaz de
auxiliar na produção da distrofina, reduzindo a progressão da doença.
6. Determinada a realização de perícia técnica (fls. 212/215), o
perito médico (Dr. José Henrique Figueiredo Rached - CRM/SP nº 64247,
neurocirurgião) concluiu que "não há a medicação no SUS específica para
tal doença que este perito tenha ciência.". Informando, no entanto, que:
"Ainda não se pode falar de cura ou estabilização total da doença com o uso
da medicação. A medicação tem sido utilizada melhorando a deambulação dos
pacientes com a doença do Autor. Não há estudos que comprovem no momento a
melhora da doença em pacientes que não deabulam. (...). No caso em tela, a
medicação tem sido utilizada em pacientes capazes de deambular." (fl. 215).
7. Como se verifica da leitura dos autos, o Translarna (Ataluren) é o primeiro
e o único tratamento medicamentoso projetado para tratar da DISTROFIA MUSCULAR
DE DUCNHENNE (Cid: G71.O), cuja principal finalidade é a melhora da capacidade
dos pacientes em realizar atividades cotidianas, como caminhar. Não obstante
o registro condicionado do Translarna pela Agência Europeia de Medicina,
ficou determinado que a empresa que comercializa o fármaco deve fornecer
dados adicionais à eficácia e segurança do medicamento obtidos num estudo
confirmatório em curso em doentes com DMD com mutação nonsense. Ademais, a
Food and Drug Administration (FDA) - a agência de vigilância norte-americana
-não aprovou o medicamento ATALUREN, em igual sentido o National Institute
for Clinical Excelence (NICE) do Reino Unido, sendo que tanto a agência
norte-americana, quanto a agência britânica, fundamentaram suas negativas
na ausência de segurança e eficácia do medicamento.
8. O apelante, com quadro clínico de doença degenerativa e mortal, tem
direito a qualquer tratamento que o leve à cura ou melhore a sua qualidade
de vida, desde que reste comprovado que o tratamento medicamentoso pleiteado
é capaz de, no caso específico dele, alcançar aquela finalidade. O que,
in casu, não restou comprovado, eis que, infelizmente, há mais cinco anos
o autor perdeu sua capacidade de locomoção, sendo "cadeirante. Não fica
em pé. Não deambula" (fl. 213), apresentando "tetraparesia grau II MMSS
e MMII", conforme laudo médico pericial.
9. É preciso lembrar que o postulado da dignidade da pessoa humana não
permite, em nenhuma hipótese, que seja negada a concessão de fármacos
capazes de salvaguardar a vida de portadores de síndromes ou patologias
graves, com expressivo risco à vida, somente para que se onere menos o Estado
ou obedeça comportamentos burocráticos que, numa análise casuística,
se mostra irracional e não razoável. Todos, sem exceção, devem ter
acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não possuam
recursos para custeá-lo. Mas não havendo prova da eficácia, não resta
essa obrigação ao Estado.
10. Apelação a que se nega provimento.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE
DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. TRANSLARNA (ATALUREN). DISTROFIA MUSCULAR DE DUCNHENNE. FÁRMACO
NÃO REGISTRADO NA ANVISA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA DO
MEDICAMENTO NO CASO CONCRETO. PACIENTE QUE NÃO DEAMBULA HÁ MAIS DE 05
ANOS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCELO FERRAZ PINHEIRO em
face da r. sentença de fls. 243/245-v que, em autos de ação de obrigação
de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou improcedente o pedido do
a ora apelante, reconhecendo que a União Federal não tem obrigação em
conceder o medicamento TRANSLARNA (Atalure) ao autor. Não houve condenação
ao pagamento de honorários advocatícios e sem reexame necessário.
2. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
3. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
4. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto
coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo;
verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em
promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições
de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a
tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde
de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país.
5. In casu, o apelante foi diagnosticado com DISTROFIA MUSCULAR DE
DUCNHENNE (DMD) - Cid: G71.O, enfermidade genética, ligada ao cromossomo
X, progressivamente degenerativa e sem cura, conhecida como "mutação
nonsense" que leva a ausência da proteína distrofina nos músculos, tendo
sido submetida a várias tentativas medicamentosas, sem êxito, motivo pelo
qual lhe foi prescrito o uso do medicamento TRANSLARNA (Ataluren), capaz de
auxiliar na produção da distrofina, reduzindo a progressão da doença.
6. Determinada a realização de perícia técnica (fls. 212/215), o
perito médico (Dr. José Henrique Figueiredo Rached - CRM/SP nº 64247,
neurocirurgião) concluiu que "não há a medicação no SUS específica para
tal doença que este perito tenha ciência.". Informando, no entanto, que:
"Ainda não se pode falar de cura ou estabilização total da doença com o uso
da medicação. A medicação tem sido utilizada melhorando a deambulação dos
pacientes com a doença do Autor. Não há estudos que comprovem no momento a
melhora da doença em pacientes que não deabulam. (...). No caso em tela, a
medicação tem sido utilizada em pacientes capazes de deambular." (fl. 215).
7. Como se verifica da leitura dos autos, o Translarna (Ataluren) é o primeiro
e o único tratamento medicamentoso projetado para tratar da DISTROFIA MUSCULAR
DE DUCNHENNE (Cid: G71.O), cuja principal finalidade é a melhora da capacidade
dos pacientes em realizar atividades cotidianas, como caminhar. Não obstante
o registro condicionado do Translarna pela Agência Europeia de Medicina,
ficou determinado que a empresa que comercializa o fármaco deve fornecer
dados adicionais à eficácia e segurança do medicamento obtidos num estudo
confirmatório em curso em doentes com DMD com mutação nonsense. Ademais, a
Food and Drug Administration (FDA) - a agência de vigilância norte-americana
-não aprovou o medicamento ATALUREN, em igual sentido o National Institute
for Clinical Excelence (NICE) do Reino Unido, sendo que tanto a agência
norte-americana, quanto a agência britânica, fundamentaram suas negativas
na ausência de segurança e eficácia do medicamento.
8. O apelante, com quadro clínico de doença degenerativa e mortal, tem
direito a qualquer tratamento que o leve à cura ou melhore a sua qualidade
de vida, desde que reste comprovado que o tratamento medicamentoso pleiteado
é capaz de, no caso específico dele, alcançar aquela finalidade. O que,
in casu, não restou comprovado, eis que, infelizmente, há mais cinco anos
o autor perdeu sua capacidade de locomoção, sendo "cadeirante. Não fica
em pé. Não deambula" (fl. 213), apresentando "tetraparesia grau II MMSS
e MMII", conforme laudo médico pericial.
9. É preciso lembrar que o postulado da dignidade da pessoa humana não
permite, em nenhuma hipótese, que seja negada a concessão de fármacos
capazes de salvaguardar a vida de portadores de síndromes ou patologias
graves, com expressivo risco à vida, somente para que se onere menos o Estado
ou obedeça comportamentos burocráticos que, numa análise casuística,
se mostra irracional e não razoável. Todos, sem exceção, devem ter
acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não possuam
recursos para custeá-lo. Mas não havendo prova da eficácia, não resta
essa obrigação ao Estado.
10. Apelação a que se nega provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
12/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2250807
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/09/2018
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