TRF3 0012715-92.2008.4.03.6105 00127159220084036105
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES
E PREJUDICIAIS AFASTADAS. "OPERAÇÃO SANGUESSUGA". CONVÊNIO PARA AQUISIÇÃO
DE AMBULÂNCIA. LICITAÇÃO DIRECIONADA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A
PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVAMENTO DAS SANÇÕES. APELAÇÃO DOS
RÉUS DESPROVIDA. PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DA APELAÇÃO DA UNIÃO
FEDERAL.
1. A petição inicial não é inepta, pois, dentro do contexto fático
apresentado, descreveu minuciosamente cada conduta atribuída como ímproba
em relação aos corréus.
2. Não é inconstitucional a multa civil prevista no art. 12 da Lei 8.429/92,
pois, conquanto o art. 37, § 4º, da CF, enuncie as penas que devam ser
aplicadas aos casos de improbidade, não indicando expressamente a multa civil,
é certo que o faz somente quanto às que devem obrigatoriamente constar na
lei, inexistindo proibição de que outras venham a ser elencadas. Precedente
desta E. Sexta Turma.
3. Não é nula a sentença que aborda e analisa todas as questões
fundamentais ao desfecho da causa.
4. Afastada a prejudicial de cerceamento de defesa alegada mediante agravo
retido, pois prescindível a produção de prova testemunhal e pericial,
frente à suficiência da robusta prova documental coligida nos autos.
5. "Bis in idem" inexistente, pois, nos termos do art. 12, caput, da Lei
8.429/92 as ações de improbidade administrativa são independentes das
instâncias administrativa, cível e penal, mesmo se decorrentes dos mesmos
fatos.
6. Mérito: ação civil pública decorrente fatos apurados em investigação
conhecida como "Operação Sanguessuga", pela qual verificadas, em âmbito
nacional, operações irregulares na aplicação de recursos oriundos do
Fundo Nacional de Saúde.
7. Neste caso, alegou-se que a execução do Convênio 2025/2002 teve
o respectivo procedimento licitatório eivado de ilegalidades, com
direcionamento e eliminação de concorrência; pelo aludido Convênio, o
Ministério da Saúde repassou ao Município de Jaguariúna/SP o valor de R$
64.000,00 para aquisição de uma ambulância, sendo que, em contrapartida,
a Prefeitura deveria complementar o montante de R$ 12.800,00.
8. Inexistência de prévia pesquisa de preços, de forma a demonstrar que
o valor de aquisição da unidade móvel se ajustava aos preços praticados
no mercado regular, o que configurou violação do art. 15, caput, incisos
II e V, do art. 40, caput, § 2º, inc. II, e art. 43, caput e inc. IV da
Lei 8.666/93.
9. A carta-convite foi enviada a apenas 03 fornecedores, todos de fora do
Estado; ainda que Lei de Licitações, em seu art. 22, §§ 3º e 6º, não
obrigue que o ente licitante, ao adotar a modalidade "convite", efetivamente
convide somente empresas da sua região, mostra-se pouco verossímil que no
Estado de São Paulo, notório polo industrial e comercial, não houvesse
empresas interessadas na prestação do objeto (ambulância), o que, afinal,
reforça a tese de que já havia acerto anterior para a escolha da empresa
vencedora.
10. Violação ao do caráter competitivo, pois a Municipalidade procedeu ao
convite de apenas 03 empresas, mesmo diante do fato de que, em certame similar
anterior, cujo objeto também contemplava o fornecimento de ambulância,
foram convidadas 04 empresas (§ 6º do art. 22 da Lei de Licitações).
11. As propostas apresentadas pelas empresas envolvidas (Klass, Lealmaq e
Vedovel) eram inadmissíveis e, mesmo assim, foram consideradas regularmente
habilitadas pelos membros da Comissão de Licitação.
12. Do procedimento licitatório não consta documentação apta a comprovar
habilitação jurídica (regularidade fiscal e trabalhista), e nem ainda
qualificação técnica e econômico-financeira, em desatenção ao que
dispõem os artigos 28 a 30 da Lei 8.666/93, bem como não foi acompanhada dos
atos constitutivos, estatutos ou os contratos sociais vigentes das empresas
convidadas, e nem se fez prova de regularidade fiscal.
13. Sobreveio a adjudicação do objeto à empresa vencedora, a Klass Ltda.,
que no ato da assinatura do contrato se fez representar por Maria Loedir,
quando na verdade era, de fato, comandada pelos réus Luiz Antonio e Darci
José, que também estavam envolvidos com outra empresa participante do
certame.
14. Maria Loedir era, na verdade, empregada doméstica dos reais comandantes
da Klass Ltda., de modo que seu nome e documentos, assim como o de Leonildo,
foram ilegalmente empregados, o que faz concluir, assim como registrado na
sentença, que tal pessoa foi utilizada como intermediária ("laranja") no
aperfeiçoamento do ilícito, tanto que ambos - Maria Loedir e Leonildo -
chegaram a fazer parte do polo passivo desta ação civil pública, sendo
posteriormente retirados.
15. Os elementos probatórios, portanto, apontam inequivocamente que o
procedimento licitatório foi dolosamente descumprido com vistas a tornar
vencedora a empresa Klass Ltda., para execução do objeto do Convênio.
16. A Klass Ltda. já foi reconhecida por esta E. Sexta Turma como "empresa
de fachada", exatamente porque constituída com vistas a atuar reiteradamente
na fraude de procedimentos licitatórios (Proc. 0005976-24.2008.4.03.6002,
também decorrente da Operação Sanguessuga, no Estado do Mato Grosso do
Sul).
17. De rigor o reconhecimento de que os réus Tarcísio (Prefeito) e Wagner,
Jayr e Lilian (integrantes da Comissão de Licitação), dolosamente,
agiram para frustrar a regularidade de processo licitatório, liberaram e
influíram para liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes e facilitaram para que terceiros se enriquecessem ilicitamente,
bem como praticaram ato visando fim proibido em lei, incorrendo, assim, nas
improbidades administrativas danosas ao erário e violadoras dos princípios
da administração pública previstas nos artigos 10, caput, VIII, XI, XII,
e 11, caput e inc. I, da Lei 8.429/92.
18. Já Klass Ltda., Luiz Antonio e Darci José, por terem, dolosamente,
concorrido e se beneficiado com os ilícitos supramencionados, praticaram
as condutas ímprobas descritas no art. 10, caput, VIII e 11, caput, inc. I
da Lei de Improbidade Administrativa.
19. A jurisprudência do C. STJ já assentou que, se o próprio art. 10,
VIII, da Lei 8.492/1992 conclui pela existência objetiva de dano quando
há frustração do processo de licitação, inclusive abarcando a conduta
meramente culposa, não há perquirir-se sobre a existência de efetivo
prejuízo ou má-fé nos casos tipificados pelo art. 10 daquela Lei.
20. Remessa necessária e apelação da União, com vistas ao agravamento
das sanções: patente o dano ao erário e a violação a princípios
da administração, efetivados mediante ações de grave inobservância
dos deveres relativos ao serviço público e à confiança depositada no
mandatário político, a todos os réus pessoas físicas devem recair, para
além das condenações em multa civil já impostas na sentença, também as
penas de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários,
por 05 anos; suspensão dos direitos políticos por 05 anos; e perda da
função pública (art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa).
21. Apelações dos réus desprovidas. Provida a remessa necessária e a
apelação da União.
Ementa
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES
E PREJUDICIAIS AFASTADAS. "OPERAÇÃO SANGUESSUGA". CONVÊNIO PARA AQUISIÇÃO
DE AMBULÂNCIA. LICITAÇÃO DIRECIONADA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A
PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVAMENTO DAS SANÇÕES. APELAÇÃO DOS
RÉUS DESPROVIDA. PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DA APELAÇÃO DA UNIÃO
FEDERAL.
1. A petição inicial não é inepta, pois, dentro do contexto fático
apresentado, descreveu minuciosamente cada conduta atribuída como ímproba
em relação aos corréus.
2. Não é inconstitucional a multa civil prevista no art. 12 da Lei 8.429/92,
pois, conquanto o art. 37, § 4º, da CF, enuncie as penas que devam ser
aplicadas aos casos de improbidade, não indicando expressamente a multa civil,
é certo que o faz somente quanto às que devem obrigatoriamente constar na
lei, inexistindo proibição de que outras venham a ser elencadas. Precedente
desta E. Sexta Turma.
3. Não é nula a sentença que aborda e analisa todas as questões
fundamentais ao desfecho da causa.
4. Afastada a prejudicial de cerceamento de defesa alegada mediante agravo
retido, pois prescindível a produção de prova testemunhal e pericial,
frente à suficiência da robusta prova documental coligida nos autos.
5. "Bis in idem" inexistente, pois, nos termos do art. 12, caput, da Lei
8.429/92 as ações de improbidade administrativa são independentes das
instâncias administrativa, cível e penal, mesmo se decorrentes dos mesmos
fatos.
6. Mérito: ação civil pública decorrente fatos apurados em investigação
conhecida como "Operação Sanguessuga", pela qual verificadas, em âmbito
nacional, operações irregulares na aplicação de recursos oriundos do
Fundo Nacional de Saúde.
7. Neste caso, alegou-se que a execução do Convênio 2025/2002 teve
o respectivo procedimento licitatório eivado de ilegalidades, com
direcionamento e eliminação de concorrência; pelo aludido Convênio, o
Ministério da Saúde repassou ao Município de Jaguariúna/SP o valor de R$
64.000,00 para aquisição de uma ambulância, sendo que, em contrapartida,
a Prefeitura deveria complementar o montante de R$ 12.800,00.
8. Inexistência de prévia pesquisa de preços, de forma a demonstrar que
o valor de aquisição da unidade móvel se ajustava aos preços praticados
no mercado regular, o que configurou violação do art. 15, caput, incisos
II e V, do art. 40, caput, § 2º, inc. II, e art. 43, caput e inc. IV da
Lei 8.666/93.
9. A carta-convite foi enviada a apenas 03 fornecedores, todos de fora do
Estado; ainda que Lei de Licitações, em seu art. 22, §§ 3º e 6º, não
obrigue que o ente licitante, ao adotar a modalidade "convite", efetivamente
convide somente empresas da sua região, mostra-se pouco verossímil que no
Estado de São Paulo, notório polo industrial e comercial, não houvesse
empresas interessadas na prestação do objeto (ambulância), o que, afinal,
reforça a tese de que já havia acerto anterior para a escolha da empresa
vencedora.
10. Violação ao do caráter competitivo, pois a Municipalidade procedeu ao
convite de apenas 03 empresas, mesmo diante do fato de que, em certame similar
anterior, cujo objeto também contemplava o fornecimento de ambulância,
foram convidadas 04 empresas (§ 6º do art. 22 da Lei de Licitações).
11. As propostas apresentadas pelas empresas envolvidas (Klass, Lealmaq e
Vedovel) eram inadmissíveis e, mesmo assim, foram consideradas regularmente
habilitadas pelos membros da Comissão de Licitação.
12. Do procedimento licitatório não consta documentação apta a comprovar
habilitação jurídica (regularidade fiscal e trabalhista), e nem ainda
qualificação técnica e econômico-financeira, em desatenção ao que
dispõem os artigos 28 a 30 da Lei 8.666/93, bem como não foi acompanhada dos
atos constitutivos, estatutos ou os contratos sociais vigentes das empresas
convidadas, e nem se fez prova de regularidade fiscal.
13. Sobreveio a adjudicação do objeto à empresa vencedora, a Klass Ltda.,
que no ato da assinatura do contrato se fez representar por Maria Loedir,
quando na verdade era, de fato, comandada pelos réus Luiz Antonio e Darci
José, que também estavam envolvidos com outra empresa participante do
certame.
14. Maria Loedir era, na verdade, empregada doméstica dos reais comandantes
da Klass Ltda., de modo que seu nome e documentos, assim como o de Leonildo,
foram ilegalmente empregados, o que faz concluir, assim como registrado na
sentença, que tal pessoa foi utilizada como intermediária ("laranja") no
aperfeiçoamento do ilícito, tanto que ambos - Maria Loedir e Leonildo -
chegaram a fazer parte do polo passivo desta ação civil pública, sendo
posteriormente retirados.
15. Os elementos probatórios, portanto, apontam inequivocamente que o
procedimento licitatório foi dolosamente descumprido com vistas a tornar
vencedora a empresa Klass Ltda., para execução do objeto do Convênio.
16. A Klass Ltda. já foi reconhecida por esta E. Sexta Turma como "empresa
de fachada", exatamente porque constituída com vistas a atuar reiteradamente
na fraude de procedimentos licitatórios (Proc. 0005976-24.2008.4.03.6002,
também decorrente da Operação Sanguessuga, no Estado do Mato Grosso do
Sul).
17. De rigor o reconhecimento de que os réus Tarcísio (Prefeito) e Wagner,
Jayr e Lilian (integrantes da Comissão de Licitação), dolosamente,
agiram para frustrar a regularidade de processo licitatório, liberaram e
influíram para liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes e facilitaram para que terceiros se enriquecessem ilicitamente,
bem como praticaram ato visando fim proibido em lei, incorrendo, assim, nas
improbidades administrativas danosas ao erário e violadoras dos princípios
da administração pública previstas nos artigos 10, caput, VIII, XI, XII,
e 11, caput e inc. I, da Lei 8.429/92.
18. Já Klass Ltda., Luiz Antonio e Darci José, por terem, dolosamente,
concorrido e se beneficiado com os ilícitos supramencionados, praticaram
as condutas ímprobas descritas no art. 10, caput, VIII e 11, caput, inc. I
da Lei de Improbidade Administrativa.
19. A jurisprudência do C. STJ já assentou que, se o próprio art. 10,
VIII, da Lei 8.492/1992 conclui pela existência objetiva de dano quando
há frustração do processo de licitação, inclusive abarcando a conduta
meramente culposa, não há perquirir-se sobre a existência de efetivo
prejuízo ou má-fé nos casos tipificados pelo art. 10 daquela Lei.
20. Remessa necessária e apelação da União, com vistas ao agravamento
das sanções: patente o dano ao erário e a violação a princípios
da administração, efetivados mediante ações de grave inobservância
dos deveres relativos ao serviço público e à confiança depositada no
mandatário político, a todos os réus pessoas físicas devem recair, para
além das condenações em multa civil já impostas na sentença, também as
penas de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários,
por 05 anos; suspensão dos direitos políticos por 05 anos; e perda da
função pública (art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa).
21. Apelações dos réus desprovidas. Provida a remessa necessária e a
apelação da União.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento às apelações de TARCISIO CLETO CHIAVEGATO,
WAGNER FERREIRA DE BRITO, JAYR PIVA JUNIOR, LILIAN REGINA S. V. F. PAOLILELLO,
KLASS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA., LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN e DARCI
JOSÉ VEDOIN e dar provimento à remessa necessária e apelação da UNIÃO
FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
13/12/2018
Data da Publicação
:
11/01/2019
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2202929
Órgão Julgador
:
SEXTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LIA-92 LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-11 INC-1 ART-10 INC-8 INC-11 INC-12 ART-12
INC-2
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-37 PAR-4
***** LC-93 LEI DE LICITAÇÕES
LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-15 INC-2 INC-5 ART-40 PAR-2 INC-2 ART-43
INC-4 ART-22 PAR-3 PAR-6 ART-28 ART-29 ART-30
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/01/2019
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