TRF3 0012815-52.2014.4.03.6100 00128155220144036100
DIREITO PROCESSUAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DO
ESTRANGEIRO. MULTA. PERMANÊNCIA NO TERRITÓRIO NACIONAL APÓS ESGOTADO
O PRAZO LEGAL DE ESTADA. DIREITO DE CIDADANIA. SOPESAMENTO DE DIREITOS
HUMANOS. PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA. FILHO MENOR
BRASILEIRO. PERMANÊNCIA REGULAR NO MOMENTO DA LAVRATURA DO AUTO DE
INFRAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à anulação do Auto de Infração
e Notificação nº 7622/2013 lavrado contra nacional da República do
Paraguai, para imposição de multa no valor de R$ 827,75, com fundamento
no artigo 125, II, da Lei 6.815/1980, em razão de ter o autor permanecido
no território nacional após esgotado o prazo legal de estada.
2. O autor ingressou em território brasileiro no ano de 2006, constituindo
família. Em 12.12.2013, compareceu à Superintendência da Polícia federal
para requerer a permanência definitiva em território nacional com base em
prole brasileira, momento em que teve lavrado contra si o referido auto de
infração, por infringência ao artigo 125, II, da Lei nº 6.815/1980. O
pedido de permanência definitiva foi deferido e publicado no Diário Oficial
da União em 24.09.2014.
3. O Decreto 6.975/2009, que promulga o Acordo sobre Residência para
Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul - Mercosul, Bolívia e
Chile -, embora preveja hipótese de isenção de multas e outras sanções
administrativas mais gravosas aos imigrantes dos países signatários
(artigo 3º), dispõe expressamente que "a residência temporária poderá
ser transformada em permanente, mediante a apresentação do peticionante,
perante a autoridade migratória do país de recepção, 90 (noventa) dias
antes do vencimento da mesma" (artigo 5º), prevendo, no entanto, que,
vencida a residência temporária de até dois anos, os imigrantes que
"não se apresentarem à autoridade migratória do país de recepção,
ficam submetidos à legislação migratória interna de cada Estado Parte"
(artigo 6º).
4. Porém, inicialmente deve ser discutida a proporcionalidade da multa
aplicada diante da condição de hipossuficiência do autor, fazendo-se
necessárias algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
5. A máxima da proporcionalidade encontra-se implicitamente consagrada na
atual Constituição Federal e costuma ser deduzida do sistema de direitos
fundamentais e do Estado Democrático de Direito, bem como da cláusula
do devido processo legal substantivo. Ainda, está expressamente posta
no artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo
federal e preceitua que a Administração Pública obedecerá, dentre outros,
ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
6. A doutrina, por sua vez, opta muitas vezes por destrinchar o princípio da
proporcionalidade em três subprincípios, viabilizando melhor exercício
da ponderação de direitos fundamentais. Assim, surgem os vetores da
adequação, que traduz a compatibilidade entre meios e fins; a necessidade
enquanto exigência de utilizar-se o meio menos gravoso possível; e a
proporcionalidade em sentido estrito que consiste no sopesamento entre o
ônus imposto e o benefício trazido pelo ato administrativo.
7. Não se coaduna com essa postura a adoção de um formalismo jurídico
simplista em detrimento da dignidade humana daqueles que o país se pretende
a ajudar. Há muito no ordenamento jurídico brasileiro já é reconhecida
a normatividade das normas constitucionais que não podem servir de letra
morta frente a qualquer dispositivo de lei infraconstitucional.
8. Importa-se mencionar, portanto, que, na hipótese em comento, a teleologia
da regra que rege a matéria em questão busca tutelar o controle e a ordem
da situação dos estrangeiros em território nacional, de modo que não se
pode considerar como intimidadora ou nociva a situação do autor que, além
de demonstrar boa-fé na busca por sua regularização, obteve a concessão de
permanência definitiva em território nacional com base em prole brasileira.
9. Nesse sentido, fica evidente que o prejuízo suportado pelo demandante,
que tem seu direito de permanência fortemente ameaçado ante sua falta de
condições financeiras para arcar com a multa imputada, é infinitamente
maior do que a perda estatal em promover uma regularização fora do prazo
prescrito em lei.
10. Por fim, destaca-se que a multa aplicada no valor de R$ 827,75 é maior
do que o salário mínimo vigente à época de sua imputação, revelando-se
totalmente desproporcional para uma pessoa com baixa renda, assistida da
Defensoria Pública da União, sendo impossível quitá-la sem o sacrifício
de seu sustento pessoal e de sua família.
11. Ainda que assim não fosse, há uma particularidade no caso de
fundamental importância para o deslinde da causa, qual seja, o autor aqui
constituiu família e teve filho brasileiro, o que lhe garantiu a condição
de estrangeiro regular no território nacional, nos termos do artigo 75,
da Lei 6.815/1980. Tal especificidade, aliás, constou expressamente do
respectivo auto de infração: "permanência definitiva por filho" (fl. 20).
12. Desta forma, no momento da lavratura do auto de infração (16.12.2013),
a permanência do autor no país já estava assegurada pela existência do
filho brasileiro, sob sua guarda e dependência econômica, eis que menor
de idade. Assim, deve ser anulado o auto de infração lavrado.
13. Apelação provida.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DO
ESTRANGEIRO. MULTA. PERMANÊNCIA NO TERRITÓRIO NACIONAL APÓS ESGOTADO
O PRAZO LEGAL DE ESTADA. DIREITO DE CIDADANIA. SOPESAMENTO DE DIREITOS
HUMANOS. PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA. FILHO MENOR
BRASILEIRO. PERMANÊNCIA REGULAR NO MOMENTO DA LAVRATURA DO AUTO DE
INFRAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à anulação do Auto de Infração
e Notificação nº 7622/2013 lavrado contra nacional da República do
Paraguai, para imposição de multa no valor de R$ 827,75, com fundamento
no artigo 125, II, da Lei 6.815/1980, em razão de ter o autor permanecido
no território nacional após esgotado o prazo legal de estada.
2. O autor ingressou em território brasileiro no ano de 2006, constituindo
família. Em 12.12.2013, compareceu à Superintendência da Polícia federal
para requerer a permanência definitiva em território nacional com base em
prole brasileira, momento em que teve lavrado contra si o referido auto de
infração, por infringência ao artigo 125, II, da Lei nº 6.815/1980. O
pedido de permanência definitiva foi deferido e publicado no Diário Oficial
da União em 24.09.2014.
3. O Decreto 6.975/2009, que promulga o Acordo sobre Residência para
Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul - Mercosul, Bolívia e
Chile -, embora preveja hipótese de isenção de multas e outras sanções
administrativas mais gravosas aos imigrantes dos países signatários
(artigo 3º), dispõe expressamente que "a residência temporária poderá
ser transformada em permanente, mediante a apresentação do peticionante,
perante a autoridade migratória do país de recepção, 90 (noventa) dias
antes do vencimento da mesma" (artigo 5º), prevendo, no entanto, que,
vencida a residência temporária de até dois anos, os imigrantes que
"não se apresentarem à autoridade migratória do país de recepção,
ficam submetidos à legislação migratória interna de cada Estado Parte"
(artigo 6º).
4. Porém, inicialmente deve ser discutida a proporcionalidade da multa
aplicada diante da condição de hipossuficiência do autor, fazendo-se
necessárias algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
5. A máxima da proporcionalidade encontra-se implicitamente consagrada na
atual Constituição Federal e costuma ser deduzida do sistema de direitos
fundamentais e do Estado Democrático de Direito, bem como da cláusula
do devido processo legal substantivo. Ainda, está expressamente posta
no artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo
federal e preceitua que a Administração Pública obedecerá, dentre outros,
ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
6. A doutrina, por sua vez, opta muitas vezes por destrinchar o princípio da
proporcionalidade em três subprincípios, viabilizando melhor exercício
da ponderação de direitos fundamentais. Assim, surgem os vetores da
adequação, que traduz a compatibilidade entre meios e fins; a necessidade
enquanto exigência de utilizar-se o meio menos gravoso possível; e a
proporcionalidade em sentido estrito que consiste no sopesamento entre o
ônus imposto e o benefício trazido pelo ato administrativo.
7. Não se coaduna com essa postura a adoção de um formalismo jurídico
simplista em detrimento da dignidade humana daqueles que o país se pretende
a ajudar. Há muito no ordenamento jurídico brasileiro já é reconhecida
a normatividade das normas constitucionais que não podem servir de letra
morta frente a qualquer dispositivo de lei infraconstitucional.
8. Importa-se mencionar, portanto, que, na hipótese em comento, a teleologia
da regra que rege a matéria em questão busca tutelar o controle e a ordem
da situação dos estrangeiros em território nacional, de modo que não se
pode considerar como intimidadora ou nociva a situação do autor que, além
de demonstrar boa-fé na busca por sua regularização, obteve a concessão de
permanência definitiva em território nacional com base em prole brasileira.
9. Nesse sentido, fica evidente que o prejuízo suportado pelo demandante,
que tem seu direito de permanência fortemente ameaçado ante sua falta de
condições financeiras para arcar com a multa imputada, é infinitamente
maior do que a perda estatal em promover uma regularização fora do prazo
prescrito em lei.
10. Por fim, destaca-se que a multa aplicada no valor de R$ 827,75 é maior
do que o salário mínimo vigente à época de sua imputação, revelando-se
totalmente desproporcional para uma pessoa com baixa renda, assistida da
Defensoria Pública da União, sendo impossível quitá-la sem o sacrifício
de seu sustento pessoal e de sua família.
11. Ainda que assim não fosse, há uma particularidade no caso de
fundamental importância para o deslinde da causa, qual seja, o autor aqui
constituiu família e teve filho brasileiro, o que lhe garantiu a condição
de estrangeiro regular no território nacional, nos termos do artigo 75,
da Lei 6.815/1980. Tal especificidade, aliás, constou expressamente do
respectivo auto de infração: "permanência definitiva por filho" (fl. 20).
12. Desta forma, no momento da lavratura do auto de infração (16.12.2013),
a permanência do autor no país já estava assegurada pela existência do
filho brasileiro, sob sua guarda e dependência econômica, eis que menor
de idade. Assim, deve ser anulado o auto de infração lavrado.
13. Apelação provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
18/04/2018
Data da Publicação
:
25/04/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2186116
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Outras fontes
:
RTRF3R 137/201
Referência
legislativa
:
***** EE-80 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO
LEG-FED LEI-6815 ANO-1980 ART-125 INC-2 ART-75
LEG-FED DEC-6975 ANO-2009 ART-3 ART-5 ART-6
***** LPA-99 LEI DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
LEG-FED LEI-9784 ANO-1999 ART-2
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/04/2018
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