TRF3 0013922-09.2006.4.03.6102 00139220920064036102
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MORADIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE
IMÓVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CDC. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - O Superior Tribunal de Justiça, em julgados recentes, reforçou o
entendimento de que o MPF tem legitimidade para propor ação civil pública
em defesa de interesses individuais homogêneos dotados de relevância social,
como é o caso dos autos, no que é acompanhado por esta Primeira Turma do
TRF da 3ª Região. Nem a eventual existência de associação civil seria
suficiente para afastar a legitimidade ativa do Ministério Público Federal
nestas condições.
II - A CEF pode figurar no pólo passivo da ação, atraindo a competência
da Justiça Federal, mesmo quando não teve qualquer atuação como agente
financeiro na aquisição do imóvel. Trata-se da hipótese em que figura como
assistente simples da seguradora, representando o Fundo de Compensação de
Variações Salariais, cujo patrimônio pode ser afetado por ser o garantidor
em última instância de apólices públicas de seguro, o chamado "ramo 66",
por sistemática em algo semelhante a dos resseguros. Caso em que não se
cogita, em absoluto, da ilegitimidade passiva da CEF, uma vez que é parte
no contrato de mútuo, além de preposta do contrato de seguro.
III - A CEF não tem responsabilidade sobre vícios de construção quando
atua estritamente como agente financeiro. Como exemplo, é possível citar
a hipótese em que esta não teve qualquer participação na construção,
destinando-se o financiamento concedido à aquisição de imóvel pronto
com regramento corriqueiro de mercado. A realização de perícia nestas
condições justifica-se pelo fato de que o imóvel financiado também
costuma ser o objeto de garantia do próprio financiamento. Nesta ocasião,
a CEF teoricamente pode, inclusive, recusar o financiamento se entender que
a garantia em questão representa um risco desproporcional a seu patrimônio,
independentemente da conduta ou credibilidade do mutuário.
IV - O mesmo entendimento anteriormente exposto, afastando a existência de
responsabilidade, é adotado por parte da jurisprudência pátria mesmo quando
a CEF financia a própria construção do imóvel, desde que sua atuação
esteja restrita àquela típica de um agente financeiro. O entendimento
é o oposto, por consequência, nas hipóteses em que sua atuação é a
de um verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas
habitacionais, provendo moradia popular.
V - Há que se considerar, no entanto, que diversos julgados, ao diante
de peculiaridades fáticas ou contratuais nos casos concretos, vislumbram
uma atuação mais ampla da CEF para além daquelas consideradas típicas
e restritas aos agentes financeiros, mesmo quando o financiamento do
empreendimento não está relacionado à efetivação de programas
habitacionais. Neste contexto, não é possível afastar, de plano, a
existência de responsabilidade por danos oriundos de vícios de construção
que atingem a esfera jurídica de seus consumidores.
VI - Tal solução é adotada nas controvérsias em que se reconhece a
existência de desequilíbrio contratual e uma posição demasiadamente
fragilizada do consumidor final frente aos fornecedores, quando estes atuam
não apenas em cadeia de produção, mas de forma estreitamente conectada,
constituindo uma relação de consumo triangular que dificilmente seria
viabilizada de forma distinta. Neste contexto, um mesmo agente financeiro,
em parceria com a construtora, oferta crédito destinado à aquisição
de imóvel na planta, realizando publicidade vinculada ao empreendimento e
emprestando sua credibilidade ao mesmo.
VII - Caso em que as cláusulas apontadas, ao estabelecerem a solidariedade
entre os devedores na fase de construção, tornam inequívoca a existência
de direitos individuais homogêneos. Ao mesmo tempo evidenciam que a
realização do empreendimento só foi possível mediante a parceria entre
o agente financeiro e a construtora, sendo questionável se a atuação da
CEF como gestora do FGTS pode ser comparada à atuação de outros agentes
financeiros no mercado imobiliário.
VIII - A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços
de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no
mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do artigo 3º,
caput e § 2º do CDC. Anoto ser firme a jurisprudência dos egrégios Supremo
Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº
297) pela aplicabilidade dos princípios do Código de Defesa do Consumidor
aos contratos de mútuo bancário.
IX - A existência de responsabilidade solidária entre os devedores,
sem a correspondente solidariedade entre os fornecedores, que decorre
de normas legais com força de ordem pública, representaria verdadeiro
desequilíbrio econômico financeiro entre as partes ou mesmo exigência de
vantagem manifestamente excessiva sobre os primeiros.
X - No mesmo sentido deve ser considerada a cláusula que exige a
obrigação dos mutuários de zelar pela integridade do imóvel, inclusive
com a realização de obras, condicionada à anuência da CEF, que pode a
qualquer tempo vistoriar o imóvel. Nestas condições, seria abusivo afastar
qualquer responsabilidade da CEF por danos oriundos de vícios cometidos pela
construtora na edificação do empreendimento, já que a CEF tem nítido
interesse na preservação da garantia, além da prerrogativa de vistoriar
a obra ou o imóvel já construído a qualquer momento enquanto vigente o
contrato.
XI - A CEF, enquanto fornecedora que tem engenheiros em seu quadro de
funcionários, não apenas pode verificar a qualidade do serviço prestado
pela construtora ao realizar as vistorias, mas tem melhores condições
técnicas para avaliar os relatórios apresentados pela mesma, além de
ter melhores condições jurídicas e econômicas para avaliar o projeto
apresentado e sua correta execução, já que realiza medições periódicas
que podem condicionar a liberação progressiva dos valores financiados.
XII - Não se afiguraria razoável que os riscos do empreendimento e os
prejuízos pelos danos apontados, oriundos de vícios de construção, fossem
suportados exclusivamente pelos consumidores, notadamente quando, ademais,
não deram causa, por qualquer ação ou omissão, à deterioração do
imóvel. O pleito dos autores encontra guarida no artigo 6º, V, VI, artigo
7º, parágrafo único, artigo 20, artigo 23, artigo 25, § 1º, artigo 39,
V, artigo 47, artigo 51, I, IV, § 1º, II, III do CDC, não havendo razões
para a incidência, no caso em tela, da Súmula 381 do STJ.
XIII - Quanto ao valor da indenização, a juízo a quo baseou-se nas provas
e estimativas realizadas por perito de sua confiança, e sua fixação
não ofende os termos da legislação consumerista, não se cogitando da
necessidade de individualização dos danos para cada um dos imóveis, já
que a amostragem da perícia revelou que atingem todo o empreendimento. Por
estas razões, a sentença apelada não merece reforma.
XIV - Apelação improvida.
Ementa
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MORADIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE
IMÓVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CDC. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - O Superior Tribunal de Justiça, em julgados recentes, reforçou o
entendimento de que o MPF tem legitimidade para propor ação civil pública
em defesa de interesses individuais homogêneos dotados de relevância social,
como é o caso dos autos, no que é acompanhado por esta Primeira Turma do
TRF da 3ª Região. Nem a eventual existência de associação civil seria
suficiente para afastar a legitimidade ativa do Ministério Público Federal
nestas condições.
II - A CEF pode figurar no pólo passivo da ação, atraindo a competência
da Justiça Federal, mesmo quando não teve qualquer atuação como agente
financeiro na aquisição do imóvel. Trata-se da hipótese em que figura como
assistente simples da seguradora, representando o Fundo de Compensação de
Variações Salariais, cujo patrimônio pode ser afetado por ser o garantidor
em última instância de apólices públicas de seguro, o chamado "ramo 66",
por sistemática em algo semelhante a dos resseguros. Caso em que não se
cogita, em absoluto, da ilegitimidade passiva da CEF, uma vez que é parte
no contrato de mútuo, além de preposta do contrato de seguro.
III - A CEF não tem responsabilidade sobre vícios de construção quando
atua estritamente como agente financeiro. Como exemplo, é possível citar
a hipótese em que esta não teve qualquer participação na construção,
destinando-se o financiamento concedido à aquisição de imóvel pronto
com regramento corriqueiro de mercado. A realização de perícia nestas
condições justifica-se pelo fato de que o imóvel financiado também
costuma ser o objeto de garantia do próprio financiamento. Nesta ocasião,
a CEF teoricamente pode, inclusive, recusar o financiamento se entender que
a garantia em questão representa um risco desproporcional a seu patrimônio,
independentemente da conduta ou credibilidade do mutuário.
IV - O mesmo entendimento anteriormente exposto, afastando a existência de
responsabilidade, é adotado por parte da jurisprudência pátria mesmo quando
a CEF financia a própria construção do imóvel, desde que sua atuação
esteja restrita àquela típica de um agente financeiro. O entendimento
é o oposto, por consequência, nas hipóteses em que sua atuação é a
de um verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas
habitacionais, provendo moradia popular.
V - Há que se considerar, no entanto, que diversos julgados, ao diante
de peculiaridades fáticas ou contratuais nos casos concretos, vislumbram
uma atuação mais ampla da CEF para além daquelas consideradas típicas
e restritas aos agentes financeiros, mesmo quando o financiamento do
empreendimento não está relacionado à efetivação de programas
habitacionais. Neste contexto, não é possível afastar, de plano, a
existência de responsabilidade por danos oriundos de vícios de construção
que atingem a esfera jurídica de seus consumidores.
VI - Tal solução é adotada nas controvérsias em que se reconhece a
existência de desequilíbrio contratual e uma posição demasiadamente
fragilizada do consumidor final frente aos fornecedores, quando estes atuam
não apenas em cadeia de produção, mas de forma estreitamente conectada,
constituindo uma relação de consumo triangular que dificilmente seria
viabilizada de forma distinta. Neste contexto, um mesmo agente financeiro,
em parceria com a construtora, oferta crédito destinado à aquisição
de imóvel na planta, realizando publicidade vinculada ao empreendimento e
emprestando sua credibilidade ao mesmo.
VII - Caso em que as cláusulas apontadas, ao estabelecerem a solidariedade
entre os devedores na fase de construção, tornam inequívoca a existência
de direitos individuais homogêneos. Ao mesmo tempo evidenciam que a
realização do empreendimento só foi possível mediante a parceria entre
o agente financeiro e a construtora, sendo questionável se a atuação da
CEF como gestora do FGTS pode ser comparada à atuação de outros agentes
financeiros no mercado imobiliário.
VIII - A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços
de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no
mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do artigo 3º,
caput e § 2º do CDC. Anoto ser firme a jurisprudência dos egrégios Supremo
Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº
297) pela aplicabilidade dos princípios do Código de Defesa do Consumidor
aos contratos de mútuo bancário.
IX - A existência de responsabilidade solidária entre os devedores,
sem a correspondente solidariedade entre os fornecedores, que decorre
de normas legais com força de ordem pública, representaria verdadeiro
desequilíbrio econômico financeiro entre as partes ou mesmo exigência de
vantagem manifestamente excessiva sobre os primeiros.
X - No mesmo sentido deve ser considerada a cláusula que exige a
obrigação dos mutuários de zelar pela integridade do imóvel, inclusive
com a realização de obras, condicionada à anuência da CEF, que pode a
qualquer tempo vistoriar o imóvel. Nestas condições, seria abusivo afastar
qualquer responsabilidade da CEF por danos oriundos de vícios cometidos pela
construtora na edificação do empreendimento, já que a CEF tem nítido
interesse na preservação da garantia, além da prerrogativa de vistoriar
a obra ou o imóvel já construído a qualquer momento enquanto vigente o
contrato.
XI - A CEF, enquanto fornecedora que tem engenheiros em seu quadro de
funcionários, não apenas pode verificar a qualidade do serviço prestado
pela construtora ao realizar as vistorias, mas tem melhores condições
técnicas para avaliar os relatórios apresentados pela mesma, além de
ter melhores condições jurídicas e econômicas para avaliar o projeto
apresentado e sua correta execução, já que realiza medições periódicas
que podem condicionar a liberação progressiva dos valores financiados.
XII - Não se afiguraria razoável que os riscos do empreendimento e os
prejuízos pelos danos apontados, oriundos de vícios de construção, fossem
suportados exclusivamente pelos consumidores, notadamente quando, ademais,
não deram causa, por qualquer ação ou omissão, à deterioração do
imóvel. O pleito dos autores encontra guarida no artigo 6º, V, VI, artigo
7º, parágrafo único, artigo 20, artigo 23, artigo 25, § 1º, artigo 39,
V, artigo 47, artigo 51, I, IV, § 1º, II, III do CDC, não havendo razões
para a incidência, no caso em tela, da Súmula 381 do STJ.
XIII - Quanto ao valor da indenização, a juízo a quo baseou-se nas provas
e estimativas realizadas por perito de sua confiança, e sua fixação
não ofende os termos da legislação consumerista, não se cogitando da
necessidade de individualização dos danos para cada um dos imóveis, já
que a amostragem da perícia revelou que atingem todo o empreendimento. Por
estas razões, a sentença apelada não merece reforma.
XIV - Apelação improvida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/08/2018
Data da Publicação
:
17/08/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1980937
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Outras fontes
:
RTRF3R 139/361
Referência
legislativa
:
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-3 PAR-2 ART-6 INC-5 INC-6 ART-7 PAR-ÚNICO
ART-20 ART-23 ART-25 PAR-1 ART-39 INC-5 ART-47 ART-51 INC-1 INC-4 PAR-1
INC-2 INC-3
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-381
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-297
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/08/2018
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