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Jurisprudência


TRF3 0014086-13.2015.4.03.6181 00140861320154036181

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. QUEIXA-CRIME DECORRENTE DO COMETIMENTO DE CRIMES CONTRA A HONRA DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS FEDERAIS NO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES, MEDIANTE DIVULGAÇÃO DE VÍDEO OFENSIVO PELA INTERNET/YOUTUBE (ARTS. 138, 139 E 140 C.C. ARTS. 70 E 141, III, TODOS DO CÓDIGO PENAL). DESCABIMENTO DA PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA ANTE A DIVERSIDADE DE PARTES E DE OFENDIDOS RELACIONADOS NOS FEITOS INDIGITADOS NO APELO. CRIMES DE INJÚRIA E DE CALÚNIA DEVIDAMENTE CARACTERIZADOS PELA PUBLICAÇÃO DE VÍDEO EM QUE RELACIONA OS QUERELANTES A SUPOSTOS CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, COM ADJETIVAÇÕES LESIVAS A ASPECTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DA HONORABILIDADE PESSOAL. DOLO TAMBÉM CARACTERIZADO. PROPÓSITO DE ATINGIR A RESPEITABILIDADE DOS OFENDIDOS QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE ERRO DE TIPO. IMPUTAÇÃO DE FATOS DISTINTOS. DIVERSIDADE DE BENS JURÍDICOS TUTELADOS (INJÚRIA E CALÚNIA). DOSIMETRIA PENAL REVISTA PARA MINORAR A PENA-BASE, E A PENA DE MULTA. MANTIDA A FRAÇÃO DE AUMENTO RESULTANTE DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES. 1. A arguição de litispendência não prospera, por inexistir total identidade entre as ações, tratando-se de feitos em que figuram como autor diferentes partes, com ofendidos também diversos, embora referentes ao mesmo vídeo ofensivo. 2. A materialidade e a autoria dos delitos contra a honra encontram-se categoricamente comprovadas por ata notarial, pela qual se constata que o querelado, na data de 02.07.2015, produziu e publicou um vídeo na plataforma conhecida como Youtube, no qual ele se identifica como ex-servidor da Receita Federal do Brasil e passa a relacionar os querelantes a determinados crimes que supostamente teriam sido praticados na sede de órgãos dessa instituição (Delegacias de Julgamento - DRJs e Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF) com adjetivações contrárias a determinados aspectos da honorabilidade pessoal dos ofendidos, como se percebe pela análise contextualizada e fiel dos trechos do mencionado vídeo transcritos pelo Tabelião de Notas. Os depoimentos em juízo dos querelantes, por sua vez, corroboram a seriedade e a ofensividade do vídeo. 3. No que concerne ao dolo, importante considerar que o propósito de explicar um esquema de corrupção na Receita Federal poderia ser exercido sem imputar a prática de crimes ou ofender quaisquer dos querelantes. No entanto, o querelado deliberou assertivamente por vinculá-los nominalmente à sua tese de venda de julgados em processos fiscais. 4. Ao deliberadamente levar a público a sua posição pessoal sobre tais eventos por ocasião da Operação Zelotes, o querelado toma arriscada decisão de sustentar assertivas ofensivas à honra dos querelantes que já haviam sido refutadas oficialmente não só pela Receita Federal, mas também pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. 5. Tal conjuntura desautoriza a suposição da defesa de que o querelado teria publicado o vídeo acreditando piamente nas acusações contra os querelantes, de sorte que a insistência do querelado em propalar a sua concepção dos fatos, não embasada na verdade objetiva, revela, senão o propósito revanchista, vingativo, ofensivo, minimamente a intenção de assumir o risco de ofender a honra das vítimas. 6. Estivesse o querelado de boa-fé, deveria, ao contrário, conscienciosamente cogitar que, se estivesse equivocado, causaria sério dano a outrem com a divulgação de ideias objetivamente tidas como infundadas, reflexão esta que preferiu ignorar ao agir aceitando a possibilidade de ofender a honorabilidade que mereciam as vítimas. 7. Ausência de erro de tipo no caso concreto. 8. O direito fundamental da liberdade de expressão não possui irrestrito alcance, caráter absoluto. Convive com a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X, da Constituição da República) e encontra limites no abuso de direito, transmudando-se em ato ilícito quando utilizado para o propósito de caluniar e ofender a honra subjetiva. 9. Frente a todos os elementos coligidos, resta patente a responsabilidade penal decorrente da prática dolosa dos delitos contra a honra dos querelantes (injúria e calúnia). 10. Quanto aos dois crimes de difamação imputados ao réu, concernentes à acusação contra ocupantes do cargo de Superintendente da Receita Federal, de que teriam cometido falcatruas e de que teriam ciência dos atos de corrupção que teriam sido praticados sob sua administração, a classificação legal mais apropriada para enquadrar tal desonra seria aquela correspondente ao delito de calúnia, pois os fatos ofensivos que o acusado dirigiu contra estes ofendidos caracterizam condutas tipificadas como crimes, constituindo, quando menos, a figura da condescendência criminosa (art. 319 do CP), senão retratando participação pela forma como exposta a narrativa injuriosa e caluniadora. Para que não se incorra em reformatio in pejus, todavia, devem prevalecer as balizas sancionatórias correspondentes à difamação, inferiores às previstas para a calúnia, tipo no qual efetivamente incorreu o querelado. 11. Inaplicabilidade da consunção do delito de calúnia pelo de injúria, pois os delitos contra a honra coexistem autonomamente em tipos penais perfeitamente distinguíveis entre si, ainda que cometidos uma ação delitiva única. 12. No caso dos autos, o querelado atribui qualidades depreciativas às pessoas dos querelantes dentro de uma fala na qual lhes imputa crimes de venda de julgados em sede de processos administrativos fiscais perante DRJ e CARF e acobertamento dessa prática ilícita. 13. Assim, não obstante o acusado ter veiculado as ofensas e as imputações falsas de fatos criminosos em um mesmo contexto fático, é relevante considerar que ele não apenas profere expressões injuriosas, mas também as insere em um discurso de maior gravidade, pontuando que os querelantes teriam atuado de modo criminoso, denotando o dolo tanto de ofender a dignidade dos ofendidos quanto o de imputar-lhes falsamente fatos definidos como crime. 14. Ao atingir as duas esferas de proteção à honra que as vítimas mereciam, tanto o seu aspecto subjetivo quanto o objetivo, não é possível desconsiderar a incidência da lei penal sobre quaisquer destas violações, de sorte a se afastar o princípio da consunção, subsistindo as sanções concernentes a ambos os crimes, de injúria e de calúnia (arts. 138 e 140, ambos do CP), sem que se possa falar em violação ao princípio do non bis in idem. 15. O Apelante praticou seis delitos de injúria e seis de calúnia em concurso formal, sendo que a sanção respectiva a duas das calúnias restringe-se à cominação própria da difamação, razão pela qual a dosimetria deve seguir o parâmetro referente à cominação penal para o crime de calúnia, nos moldes do art. 70 do Código Penal. 16. No que se refere às circunstâncias judiciais, constam como desfavoráveis ao réu a maior reprovabilidade da conduta premeditada e requintada, bem como a circunstância maliciosa de ter se aproveitado de operação policial de grande repercussão para atacar a honra dos querelantes em seus aspectos objetivos e subjetivos. Sobressaem negativamente, ainda, o caráter desfavorável da demissão e do relacionamento áspero e indecoroso com os colegas de trabalho à sua conduta social, bem como as consequências consideráveis da publicação do vídeo ofensivo com amplo alcance, como bem afirmado na sentença, inclusive porque os ofendidos relatam, como visto acima, que tomaram conhecimento do vídeo através da repercussão entre familiares e colegas de trabalho que os questionaram acerca dos fatos. 17. Porém, diferentemente do consignado na sentença, os motivos do crime não se mostram desconformes ao que seria inerente ao tipo. O revanchismo e a vingança podem ser tidos como ínsitos à conduta de ofender a dignidade por meio da internet. No que se refere à personalidade, não há dados claros que se mostrem inconfundíveis com aspectos da conduta social já sopesados (o egocentrismo e a dificuldade em ser contrariado), devendo ser considerada neutra. 18. Considerando-se que quatro das circunstâncias judiciais (reprovabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências) são de fato mais graves que o padrão inerente ao tipo, deve ser revista a pena-base em respeito a tal proporção. Ausentes agravantes ou atenuantes a influir na segunda etapa da dosimetria penal, na terceira fase da dosimetria, se faz presente a causa de aumento relativa ao meio de divulgação do vídeo (youtube), gerando considerável difusão e milhares de visualizações, o que faz aumentar a pena em 1/3 (art. 141, III, do CP). 19. Pena de multa redimensionada nos termos dos precedentes desta Turma, de forma a fixá-la proporcionalmente à pena privativa de liberdade. 20. Considerando a prática de 12 (doze) infrações penais contra 06 (seis) ofendidos, cada um deles figurando como vítima de uma calúnia e uma injúria, sendo que 02 (dois) delitos de calúnia são puníveis com as penas da difamação, deve ser mantida a fração de aumento de pena tal como estabelecida na sentença, no patamar máximo de ½ (metade). 21. O regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal. 22. Substituição da pena corporal por penas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade em favor de entidade assistencial a ser definida pelo juízo da execução penal e prestação pecuniária. Afastada a alegação de impossibilidade de custeio da pena pecuniária, eis que não há prova da atual condição financeira do acusado, sendo possível, de qualquer forma, a apreciação das penas alternativas cabíveis pelo Juízo da Execução Penal (art. 66, V, 'a', da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984). 23. Preliminar de litispendência rejeitada. Apelação defensiva provida em parte, para abrandar a dosimetria penal.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de litispendência e dar parcial provimento à apelação de JOSÉ VESCOVI JÚNIOR para, mantendo a sua condenação como incurso nos delitos dos arts. 138 e 140, c.c. arts. 70 (doze infrações ao todo, praticadas em concurso formal próprio) e 141, III, todos do Código Penal, abrandar a pena-base e estabelecer a pena unificada no patamar de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção, a ser cumprida no regime inicial aberto, substituída a pena corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade em favor de entidade designada pelo juízo da execução penal e prestação pecuniária de 08 (oito) salários mínimos em favor de cada uma das vítimas, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decide refazer a dosimetria da pena de multa para fixá-la, definitivamente, em 49 (quarenta e nove) dias-multa, de forma proporcional à pena privativa de liberdade, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Nino Toldo, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Desembargador Federal Relator, que fixava a pena de multa em 469 dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 19/02/2019
Data da Publicação : 22/03/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71143
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Referência legislativa : ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-138 ART-139 ART-140 ART-70 ART-141 INC-3 ART-33 PAR-2 LET-C ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-10 ***** LEP-84 LEI DE EXECUÇÃO PENAL LEG-FED LEI-7210 ANO-1984 ART-66 INC-5 LET-A
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/03/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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