TRF3 0014396-10.2011.4.03.6100 00143961020114036100
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO
MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO DA
APELAÇÃO. ART. 1.013, §3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (ART. 515, §
3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA DE
TELEVISÃO. DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO CONTRA AS PESSOAS ATEIAS. GARANTIA
À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. RETRATAÇÃO.
- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá
ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19
da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
- Não há que se falar em ilegitimidade da emissora REDE TV (TV ÔMEGA),
pois, nos termos da Súmula 221 do STJ, são civilmente responsáveis pelo
ressarcimento de dano tanto o autor da ofensa quanto a emissora.
- Não há que se falar em falta de interesse processual. A presenta ação
foi proposta visando minimizar a violação de direitos constitucionalmente
assegurados, que configuram como objetivo fundamental da República Federativa
do Brasil, destacando-se, dentre eles, o direito a não discriminação de
qualquer origem, a inviolabilidade de consciência e de crença, os fundamentos
da dignidade da pessoa humana, da cidadania, bem como dos direitos à honra
e à imagem.
- Compete ao Ministério Público Federal promover a ação civil pública
para a defesa dos interesses difusos (liberdade de consciência e de crença)
e individuais homogêneos (a não discriminação religiosa sofrida por
ateus), conforme previsto no art. 129, III, da Constituição Federal, na lei
complementar nº 75/93 e na lei nº 7.247/95 (lei da ação civil pública).
- Sentença anulada. Análise do mérito com espeque no art. 1.013, § 3º,
do Código de Processo Civil (art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil
de 1973), tendo em vista que a causa versa sobre questão exclusivamente de
direito.
- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presenta ação civil pública
em face da IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS, da REDE TV (TV ÔMEGA)
e da UNIÃO. Segundo a inicial, no dia 10/03/2011, durante o programa "O
Profeta da Nação", produzido pela Igreja Internacional da Graça de Deus
e veiculado pela emissora Rede TV, o apresentador João Batista preferiu
declarações preconceituosas contra cidadãos ATEUS.
- Segundo o órgão ministerial, o referido apresentador declarou que "só
quem acredita em Deus pode chegar para frente. Quem não acredita em Deus pode
ir para bem longe de mim, porque a pessoa chega pra esse lado, a pessoa que
não acredita em Deus, ela é perigosa. Ela mata, rouba e destrói. O ser
humano que não acredita em Deus atrapalha qualquer um. Mas quem acredita
em Deus está perto da felicidade."
- Afirma, ainda, que mesmo sabendo do cunho preconceituoso e ofensivo
disseminado naquela ocasião pelo sobredito apresentador, a Rede TV permitiu a
veiculação do programa e a União quedou-se inerte em fiscalizar de forma
adequada as declarações em questão.
- O art. 220, caput, da Constituição Federal prevê que "a manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado
o disposto nesta Constituição."
- Além do referido dispositivo determinar que os limites da Constituição
devem ser observados, o artigo 221 estabelece que a produção e a
programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios
da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas
e do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Evidente,
pois, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, devendo
respeitar valores éticos e sociais e da família.
- Ao dispor sobre direitos e garantias fundamentais, a Constituição garantiu
a inviolabilidade de consciência e de crença (art. 5º, VI, da CF).
- Ao veicular declarações ofensivas aos cidadãos ateus, a Igreja
Internacional da Graça de Deus e a Rede TV (TV Ômega), com a conivência
da UNIÃO, desrespeitaram a pessoa humana no que se refere ao direito de
escolha de sua crença, inclusive, o direito de não possuir crença.
- A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS e a EMISSORA REDE TV devem exibir,
por duas vezes, no programa "O Profeta da Nação" (ou em outro programa
patrocinado pela Igreja Internacional da Graça de Deus), com duração de
2 minutos e 30 segundo cada, no horário compreendido entre 06 horas e 22
horas, um quadro retratando as declarações ofensivas às pessoas ateias,
bem como esclarecimentos acerca da diversidade religiosa e da liberdade
de consciência e de crença no Brasil. A UNIÃO, por sua vez, por meio
do Ministério das Comunicações deve fiscalizar a correta exibição da
referida retratação e do esclarecimento.
- Sentença reformada, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do Código de
Processo Civil (art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973),
apelação parcialmente provida. Remessa oficial improvida.
Ementa
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO
MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO DA
APELAÇÃO. ART. 1.013, §3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (ART. 515, §
3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA DE
TELEVISÃO. DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO CONTRA AS PESSOAS ATEIAS. GARANTIA
À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. RETRATAÇÃO.
- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá
ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19
da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
- Não há que se falar em ilegitimidade da emissora REDE TV (TV ÔMEGA),
pois, nos termos da Súmula 221 do STJ, são civilmente responsáveis pelo
ressarcimento de dano tanto o autor da ofensa quanto a emissora.
- Não há que se falar em falta de interesse processual. A presenta ação
foi proposta visando minimizar a violação de direitos constitucionalmente
assegurados, que configuram como objetivo fundamental da República Federativa
do Brasil, destacando-se, dentre eles, o direito a não discriminação de
qualquer origem, a inviolabilidade de consciência e de crença, os fundamentos
da dignidade da pessoa humana, da cidadania, bem como dos direitos à honra
e à imagem.
- Compete ao Ministério Público Federal promover a ação civil pública
para a defesa dos interesses difusos (liberdade de consciência e de crença)
e individuais homogêneos (a não discriminação religiosa sofrida por
ateus), conforme previsto no art. 129, III, da Constituição Federal, na lei
complementar nº 75/93 e na lei nº 7.247/95 (lei da ação civil pública).
- Sentença anulada. Análise do mérito com espeque no art. 1.013, § 3º,
do Código de Processo Civil (art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil
de 1973), tendo em vista que a causa versa sobre questão exclusivamente de
direito.
- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presenta ação civil pública
em face da IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS, da REDE TV (TV ÔMEGA)
e da UNIÃO. Segundo a inicial, no dia 10/03/2011, durante o programa "O
Profeta da Nação", produzido pela Igreja Internacional da Graça de Deus
e veiculado pela emissora Rede TV, o apresentador João Batista preferiu
declarações preconceituosas contra cidadãos ATEUS.
- Segundo o órgão ministerial, o referido apresentador declarou que "só
quem acredita em Deus pode chegar para frente. Quem não acredita em Deus pode
ir para bem longe de mim, porque a pessoa chega pra esse lado, a pessoa que
não acredita em Deus, ela é perigosa. Ela mata, rouba e destrói. O ser
humano que não acredita em Deus atrapalha qualquer um. Mas quem acredita
em Deus está perto da felicidade."
- Afirma, ainda, que mesmo sabendo do cunho preconceituoso e ofensivo
disseminado naquela ocasião pelo sobredito apresentador, a Rede TV permitiu a
veiculação do programa e a União quedou-se inerte em fiscalizar de forma
adequada as declarações em questão.
- O art. 220, caput, da Constituição Federal prevê que "a manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado
o disposto nesta Constituição."
- Além do referido dispositivo determinar que os limites da Constituição
devem ser observados, o artigo 221 estabelece que a produção e a
programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios
da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas
e do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Evidente,
pois, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, devendo
respeitar valores éticos e sociais e da família.
- Ao dispor sobre direitos e garantias fundamentais, a Constituição garantiu
a inviolabilidade de consciência e de crença (art. 5º, VI, da CF).
- Ao veicular declarações ofensivas aos cidadãos ateus, a Igreja
Internacional da Graça de Deus e a Rede TV (TV Ômega), com a conivência
da UNIÃO, desrespeitaram a pessoa humana no que se refere ao direito de
escolha de sua crença, inclusive, o direito de não possuir crença.
- A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS e a EMISSORA REDE TV devem exibir,
por duas vezes, no programa "O Profeta da Nação" (ou em outro programa
patrocinado pela Igreja Internacional da Graça de Deus), com duração de
2 minutos e 30 segundo cada, no horário compreendido entre 06 horas e 22
horas, um quadro retratando as declarações ofensivas às pessoas ateias,
bem como esclarecimentos acerca da diversidade religiosa e da liberdade
de consciência e de crença no Brasil. A UNIÃO, por sua vez, por meio
do Ministério das Comunicações deve fiscalizar a correta exibição da
referida retratação e do esclarecimento.
- Sentença reformada, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do Código de
Processo Civil (art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973),
apelação parcialmente provida. Remessa oficial improvida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e parcial provimento ao
recurso de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para anular a sentença
e, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil (art. 515,
§ 3º, do Código de Processo Civil de 1973), julgar parcialmente procedente
o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
11/10/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1754896
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-221
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-129 INC-3 ART-220 ART-221 ART-5 INC-6
***** EMPU-93 ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
LEG-FED LCP-75 ANO-1993
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1013 PAR-3
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-515 PAR-3
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/10/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão