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Jurisprudência


TRF3 0014473-97.2003.4.03.6100 00144739720034036100

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO E DE RETENÇÃO. AFASTAMENTO DO CUMPRIMENTO DE MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA. PRELIMINARES DE NULIDADE DA AÇÃO PRINCIPAL PELA FALTA DE CITAÇÃO DE TODOS OS OCUPANTES DA ÁREA E DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE POSSE DE ÁREA PÚBLICA. DIREITO À MANUTENÇÃO DA POSSE, RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 922 DO CPC. POSSIBILIDADE. CARÁTER DUPLICE DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS. PEDIDO CONTRAPOSTO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Embargos de terceiro e de retenção opostos com vistas ao afastamento do cumprimento de mandado de reintegração de posse, expedido nos autos do processo nº 00.0643165-8, bem assim para manter o embargante na posse do imóvel, ao fundamento de aquisição da propriedade por usucapião, antes do INPS (atual INSS), reconhecendo, ainda, a nulidade do processo de reintegração, pelo fato de não ter sido parte naquele feito, por isso não podendo sofrer os efeitos da sentença nele proferida. 2. Ação de reintegração de posse ajuizada em 1984, pelo INSS contra Odon Correia de Morais, com prolação de sentença em 18/04/1986, julgando procedente o pedido, para condenar o réu a desocupar a área descrita na inicial, no prazo de 30 (trinta) dias. Sentença transitada em julgado aos 20/06/1986, expedindo-se, então, o primeiro mandado de reintegração de posse, sendo que, apenas no início do ano 2000, o requerido noticiou a desocupação voluntária do imóvel. 3. Não há falar-se em nulidade da ação de reintegração de posse, por ausência de citação de todos os ocupantes da área objeto daquela demanda, para formação de litisconsórcio passivo necessário. 4. Sobre a situação fática subjacente à demanda, assinalou a MM. Juíza sentenciante, "conforme já restou decidido na Ação de Reintegração de Posse nº 00.0643165-8 (fls. 404/405), a menção à Rua Forte George, nº 100 é equivocada, pois essa numeração correspondente a uma pequena parte da área, que na época da propositura da ação, estava ocupada pelo primitivo esbulhador Odon Correia de Moraes. Na realidade, a área a ser reintegrada é aquela descrita na certidão emitida pelo Registro de Imóveis e que foi delimitada no levantamento planialtimétrico juntado às fls. 98 daqueles autos.". 5. Conforme descrito pelo senhor perito judicial no laudo de fls. 245, "...o Perito signatário realizou o levantamento topográfico e a constatação dos ocupantes no interior do imóvel de propriedade do embargado, matrícula número 45.262 do 11º C.R.I de São Paulo. Foram encontradas 56 subdivisões em lotes, cada um com seus ocupantes e benfeitorias. Dentre esses, está o lote ocupado pelo embargante." 6. Constata-se, assim, que o local dos fatos onde situado o imóvel objeto da ação de reintegração movida pelo INSS, ao menos na data da realização dos trabalhos periciais nestes Embargos (entre outubro/2006 e março/2007), estava ocupado em 56 lotes, por diversos ocupantes e respectivas construções. 7. A alegação do embargante de nulidade da ação reintegratória movida pelo INSS por não ter sido citado para apresentar sua defesa naquela demanda em princípio seria válido para demonstrar a invalidade do título judicial em relação a ele, por falta de atenção ao litisconsórcio passivo necessário. 8. Todavia, deve ser rejeitada tal preliminar, porque não há demonstração segura ou, ao menos, azoáveis indícios documentais, de que o embargante já ocupava o imóvel em debate quando do ajuizamento daquela ação, por si ou por seu genitor (como alega nestes embargos). 9. Os documentos juntados à inicial não fornecem uma única indicação no sentido da alegada antiga posse do imóvel pelo embargante ou seu genitor. Declarações de terceiras pessoas, juntadas à inicial, não podem ser caracterizados como documentos, mas sim apenas como testemunhos reduzidos a escrito, prestados sem o crivo do contraditório, portanto, inválidos para o fim de prova segura da posse em tempos remotos. Fotografias, igualmente, não tem tal valor probatório, à falta de identificação dos locais, das pessoas ou das épocas retratadas. 10. Assim, ante a ausência de segura demonstração do vício processual alegado, não se pode acolher a alegação de que incumbia ao INSS chama-lo ao polo passivo daquela ação para apresentar a defesa e que por isso o julgado reintegratório ali proferido não poderia surtir efeitos contra o Embargante. 11. Em hipóteses como a dos autos, em que não há prova de que o Embargante fosse ocupante da área previamente à ação de reintegração de posse, ônus de prova que incumbia ao autor/embargante já que pretendia demonstrar vício absoluto daquele processo e afastar a coisa julgada lá proferida (portanto, devendo-se admitir que a posse tenha ocorrido em momento posterior), o cumprimento da sentença de reintegração de posse prescinde da citação de todos aqueles que depois vieram a ser ocupantes/invasores da área objeto da demanda, principalmente quando já ocorreu o trânsito em julgado do decisum, de forma que todos eventuais "possuidores/invasores" devem se submeter aos efeitos da sentença. Precedentes. 12. De igual modo, não se verifica do conjunto probatório carreado aos autos ocorrência de cerceamento de defesa. Registre-se, em primeiro lugar, que, em se tratando de bem público, a ocupação da área não induz a posse que dá ensejo a usucapião, sendo, portanto, desnecessária a indicada prova oral que se destinaria a provar que a "posse" do embargante não derivou daquela anteriormente exercida pelo réu da ação subjacente. 13. A alegação de posse feita pelo embargante nesta demanda é no sentido de que a posse da área foi iniciada por seu pai no ano de 1951, sendo que este foi o mesmo ano em que a área foi adquirida pela antiga CAIXA DE APOSENTADORIAS E PENSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS EM SÃO PAULO (doc. 21, fls. 101 e seguintes), tratando-se aqui de autarquia federal, à semelhança do antigo INPS (atual INSS) que, por isso mesmo, seu patrimônio não estava suscetível de perda por usucapião, sendo inviável, então, a pretensão de produção de provas que não poderiam surtir o efeito pretendido pelo autor, ante a impossibilidade de reconhecimento da pretendida usucapião. 14. Assim, a questão em exame não depende de maiores dilações probatórias, sendo suficientes os documentos trazidos aos autos, em conjunto com a perícia judicial produzida com vistas a se "aferir, com segurança se a área objeto destes embargos de terceiro está realmente abrangida na área original que pertence ao INSS...", conforme determinado na decisão de fls. 191/192. 15. A questão debatida é jus-documental, afigurando-se inócua a produção de prova testemunhal, uma vez mostrarem-se inservíveis as palavras de depoentes para comprovar que o embargante detém a posse de imóvel público, visto que está não se configura. 16. Também não merece acolhimento a alegação de falha da perícia por não haver realizado o levantamento topográfico da área para fins de comprovar se o imóvel ocupado pelo embargante faz parte ou não da área do INSS que consta do mandado de reintegração. 17. Consta do laudo pericial que as análises e conclusões não se basearam em documentos (plantas) elaborados pelo INSS, mas sim nas descrições das áreas constantes dos registros públicos e das diversas escrituras de compra e venda das áreas do antigo Sítio Roberto, utilizando-se dos levantamentos constantes do laudo pericial da ação reintegratória do INSS e, ainda, cujas medidas e confrontações foram objeto de levantamentos, medições e conferências pelo senhor perito oficial no local dos fatos, conforme consta ao longo da descrição dos trabalhos periciais realizados, concluindo com certeza que a área ocupada pelo embargante de fato integra a área pertencente ao INSS constante do mandado de reintegração de posse. 18. Desta forma, não se constatam falhas técnicas que pudessem ensejar o reconhecimento de vícios que pudessem invalidar a prova pericial produzida nos autos. 19 Sendo o juiz o destinatário da prova, a ele cabe avaliar a necessidade de sua produção para formar seu convencimento, competindo-lhe, de igual modo, indeferir a prova que entender inútil ou protelatória (art. 130, do CPC/1973). Destarte, ao considerar suficientemente instruída a lide, em condições de ser julgada, é seu dever proferir sentença, mormente à vista dos princípios da celeridade e economia processuais. Precedentes. 20. O conjunto probatório carreado ao feito, com destaque para o laudo elaborado pela perícia judicial (fls. 238/258), pleiteada pelo próprio autor comprova que o lote cuja posse ele sustenta exercer de forma mansa, justa, pacífica e de boa-fé há longos anos, se encontra dentro de uma área maior pertencente ao ora embargado, o INSS. 21. Não há controvérsia quanto à propriedade e posse do INSS, autarquia federal, sobre o imóvel em questão, uma vez que ambas (propriedade e posse) foram reconhecidas ao ente previdenciário, tanto pela sentença proferida na ação subjacente, já acobertada pelo manto da coisa julgada, quanto nestes embargos, pela perícia judicial, a qual afasta os argumentos do embargante no sentido de que a área por ele ocupada não estaria abrangida pela área maior pertencente ao Instituto. 22. Nos moldes da firme doutrina e jurisprudência pátrias, tratando-se de imóvel público, resta patente a inviabilidade de se estabelecer posse, sendo que a ocupação de imóvel público possui natureza precária e jamais induz à posse, configurando mera detenção. No caso de imóvel público, a posse decorre do próprio domínio, de maneira que até mesmo eventual "permissão" de uso pode ser desconstituída a qualquer tempo por ato unilateral do verdadeiro possuidor e proprietário. 23. A Constituição Federal, em seu art. 183, § 3º, prescreve, expressamente, a impossibilidade de aquisição de imóveis públicos pela usucapião. De fato, inexistindo posse sobre bem público, resta inviabilizada a caracterização da posse ad usucapionem, indispensável a evidenciar a usucapião. 24. A ordem constitucional anterior, embora não expressamente, também não admitia a perda de propriedade pública por usucapião, pois ao tratar dos Direitos e Garantias Individuais somente previa a desapropriação por utilidade pública ou interesse social (art. 150, § 22), enquanto que, ao regular a Ordem Econômica e Social, prevendo nela o princípio da fundação social da propriedade, admitia apenas a desapropriação de bens particulares e públicos, de natureza rural, para fins de reforma agrária (art. 157, inciso III e §§ 1º e 3º, e art. 164). 25. Inexistindo posse sobre bem público, mas mera detenção, resta inviabilizada a caracterização da posse ad usucapionem, indispensável a evidenciar a usucapião. Precedentes. 26. Quanto à retenção e indenização por benfeitorias, o Código Civil em vigor prescreve a posse como pressuposto ao exercício desses direitos (art. 1.219). O mesmo estabelecia o Código Civil de 1916, em seu art. 516. Entretanto, aludidos dispositivos não se aplicam ao caso em exame, por se tratar de bem público que inadmite posse privada, mas apenas mera detenção. Não se configurando a posse, inadmissível supor a superveniência de direitos dela decorrentes. Assim, impossível, na espécie, a retenção e indenização por benfeitorias pretendidas pelo embargante. Precedentes. 27. Embora a finalidade dos embargos de terceiro seja a proteção da posse ou propriedade contra eventual constrição em outro processo do qual o embargante não é parte, tal proteção só deve prosperar com fulcro em previsão legal constante do ordenamento jurídico pátrio, o que não é o caso dos autos, por se tratar de bem público, cuja reintegração de posse, aliás, já se encontra acobertada pela coisa julgada. Destarte, não há como afastar a conclusão de que o embargante/apelante, ao adentrar e construir no imóvel em questão ocupou área pública de forma irregular e indevida, não induzindo tal conduta à proteção possessória postulada. 28. Cabe aos demais "posseiros" existentes na área a defesa dos eventuais direitos que entenderem possuir, não competindo ao embargante defender direito alheio. Por outro lado, inoportuno invocar o tema da função social da propriedade nestes embargos de terceiro, visto que tal questão, em princípio, deveria ter sido discutida no âmbito da reintegração de posse. 29. Consoante sabido, os embargos de terceiro consolidam instrumento para defesa de bens ou direitos indevidamente atingidos por constrição judicial, sendo cabíveis, tão só, quando o esbulho, a turbação ou a ameaça são praticados por órgão judicial, não se prestando à discussão acerca do cumprimento da função social da propriedade de determinado bem público ou privado, nos moldes previstos na Constituição Federal (art. 5º, incs. XXII e XXIII, art. 170, inc. II e 182, § 2º). Ademais, a invocação da função social da propriedade não se presta para infirmar o direito da entidade de direito público de recuperar a posse de seu patrimônio, no caso, um bem imóvel de natureza urbana, não havendo previsão normativa que pudesse amparar tal pretensão. 30. Em virtude do caráter dúplice das demandas possessórias, aplicável, ao caso, o art. 922 do CPC/1973, independentemente de se tratar de embargos de terceiro, haja vista terem como principal objeto a defesa do direito de posse, nos termos do art. 1046 do mesmo estatuto processual. 31. Dessa forma, considerando que o caráter dúplice das ações possessórias está adstrito à proteção possessória e à indenização por prejuízos decorrentes do esbulho ou turbação perpetrados no bem disputado, seria viável não só a rejeição do pedido do autor (in casu, a manutenção da posse), como também o exame do pleito contraposto do réu, deduzido em contestação, para o fim de ser reintegrado na posse, com decorrência lógica da desocupação da área e demolição das construções indevidamente erigidas no local. 32. Entretanto, o pedido de reintegração de posse da área objeto destes embargos, trazido em contestação, é totalmente descabido, uma vez que a reintegração de posse do imóvel ao INSS, em cuja área maior (59.670m2) está entranhada a área ocupada pelo embargante, já foi deferida no âmbito da ação reintegratória objeto do processo nº 00.0643165-8, cuja sentença se encontra em execução, tendo sido exatamente o cumprimento do mandado de reintegração que deu ensejo à oposição destes embargos, não sendo possível rediscutir tal matéria neste feito. 33. O INSS já detém um título judicial transitado em julgado relativo à posse da área total do bem (59.670m2), e a desocupação da área menor invadida pelo embargante decorre da ordem de reempossamento que lhe foi deferida naquela demanda. Portanto, cabe ao Instituto adotar as providências concretas para equacionar o conflito relativo à retomada da posse do imóvel, no âmbito da ação subjacente. 34. A pretensão do INSS de condenação do embargante ao pagamento de indenização por perdas e danos, além de uma taxa mensal devida por todo o tempo de uso irregular do bem, não comporta acolhimento, visto que os danos causados ao imóvel, assim como o efetivo prejuízo suportado pelo embargado dependeriam de comprovação, inocorrente na espécie. Não tendo o embargado se desincumbido do ônus que lhe competia (art. 333, inc. I, do CPC), improcede aludido pleito pedido. Precedentes. 35. Preliminares rejeitadas. Apelações ofertadas pela embargante e embargada a que se nega provimento.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento aos recursos de apelação opostos pelas partes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 19/06/2018
Data da Publicação : 28/06/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1369712
Órgão Julgador : SEGUNDA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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