TRF3 0014503-97.2014.4.03.6181 00145039720144036181
PENAL. DESCAMINHO. FIGURA EQUIPARADA. ARTIGO 334, § 1º, INCISO III,
DO CÓDIGO PENAL. IMPORTAÇÃO FRAUDULENTA. TIPICIDADE. IMPORTAÇÃO
POR INTERPOSTA PESSOA. REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA. MATERIALIDADE E
AUTORIA DEMONSTRADAS. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO
CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR
MAJORADO. CONDIÇÃO ECONÔMICA DOS RÉUS. DESTINAÇÃO À UNIÃO. CONDENAÇÃO
AO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA AFASTADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSOS
PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. O crime de descaminho não abrange somente a conduta de iludir o pagamento
de imposto, mas também, na figura equiparada do artigo 334, § 1º, inciso
III, a conduta de importar fraudulentamente no exercício de atividade
comercial ou industrial e, nessa modalidade, prescinde da redução dos
impostos aduaneiros para sua caracterização.
2. As condutas descritas no inciso III do parágrafo 1º do artigo 334
são autônomas em relação ao seu caput. Não se pune apenas quem importa
mercadoria sem o pagamento dos impostos devidos, como também, quem importa
fraudulentamente no exercício de atividade comercial ou industrial.
3. Não sendo essa a interpretação, teríamos que admitir que a expressão
"importar fraudulentamente" constante no inciso IIII é redundante e,
portanto, dispensável, na medida em que o caput do artigo 334 já prevê
a conduta de iludir o pagamento de imposto pela entrada de mercadoria.
4. O tipo penal do descaminho, além de resguardar a atividade arrecadatória
do Estado, visa a preservar a função administrativa do comércio aduaneiro.
5. Materialidade comprovada. Representação Fiscal para Fins Penais Processo
nº 15771.720271/2012-73; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda
Fiscal nº 081900/09046/11; Declaração de Importação nº 11/1395296-4;
Fatura Comercial INVOICE nº FA20110606/1 e nº FA20110606/2.
6. Autoria demonstrada pelas provas documental e testemunhal, corroboradas
pela confissão judicial dos réus.
7. Pena-base mantida no mínimo legal.
8. O "intricado esquema executado pelos acusados para fraudar o controle
aduaneiro e, com isso, possibilitar a prática do crime de descaminho"
integra o próprio tipo penal, na medida em que, sem a sua prática, não
estaria caracterizada a importação fraudulenta, núcleo da figura equiparada
prevista no artigo 334, parágrafo 1º, inciso III, do Código Penal.
9. Os valores dos equipamentos importados de modo fraudulento não extrapolam
ao ordinário, a fim de justificar a exasperação da pena-base.
10. Concurso formal próprio configurado. Ausência de desígnios autônomos.
11. Nada obstante os processos de importação fraudulenta terem sido
diferentes - na adição 1, nacionalização definitiva por interposta pessoa
e na adição 2, admissão temporária por interposta pessoa -, não se pode
afirmar que os réus agiram com desígnios autônomos. A vontade dos acusados
consistiu na aquisição definitiva de equipamentos mediante a importação
fraudulenta. O fato de terem utilizado mecanismos diferentes de fraude não
significa que tiveram a vontade de realizar dois crimes de descaminho.
12. Valor da prestação pecuniário majorado. A pena pecuniária substitutiva
da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a
proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas
do condenado.
13. Afastada a condenação ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, tendo em
vista que o crime de descaminho não prevê a pena de multa no seu preceito
secundário.
14. Comporta acolhida o requerimento de execução provisória da pena,
formulado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer. Conforme
já deliberado no âmbito desta C. Décima Primeira Turma por ocasião da
apreciação de questão de ordem por mim suscitada nos autos da Ação
Penal nº 0005715-36.2010.4.03.6181 (em complementação a embargos de
declaração contidos nos mesmos autos), de maneira a conciliar (i) a
nova interpretação dada pelo E. STF quanto à abrangência do princípio
da presunção de não-culpabilidade e suas decorrências, e (ii) o teor
do art. 283 do Código de Processo Penal (que veda o cumprimento de pena
privativa de liberdade cominada ao réu até que tenha transitado em julgado
decisão condenatória) - cuja inconstitucionalidade não foi declarada pela
Corte Suprema -, é possível executar penas outras que não as privativas
de liberdade após condenação do réu (ou manutenção de condenação)
por órgão de segundo grau de jurisdição, ainda que interposto recurso
especial ou extraordinário. É o caso dos autos, em que foram cominadas
penas restritivas de direitos como pena substitutiva da pena privativa de
liberdade estabelecida para o réu. Dessa forma, não se insere tal sanção
no âmbito de vedação do artigo 283 do Código de Processo Penal, o que
a torna exequível nesta etapa, conforme reinterpretação do princípio
da presunção de inocência a que procedeu o Supremo Tribunal Federal no
julgamento do HC 126.292 /SP.
15. Apelações da defesa e do Ministério Público Federal parcialmente
providas.
Ementa
PENAL. DESCAMINHO. FIGURA EQUIPARADA. ARTIGO 334, § 1º, INCISO III,
DO CÓDIGO PENAL. IMPORTAÇÃO FRAUDULENTA. TIPICIDADE. IMPORTAÇÃO
POR INTERPOSTA PESSOA. REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA. MATERIALIDADE E
AUTORIA DEMONSTRADAS. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO
CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR
MAJORADO. CONDIÇÃO ECONÔMICA DOS RÉUS. DESTINAÇÃO À UNIÃO. CONDENAÇÃO
AO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA AFASTADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSOS
PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. O crime de descaminho não abrange somente a conduta de iludir o pagamento
de imposto, mas também, na figura equiparada do artigo 334, § 1º, inciso
III, a conduta de importar fraudulentamente no exercício de atividade
comercial ou industrial e, nessa modalidade, prescinde da redução dos
impostos aduaneiros para sua caracterização.
2. As condutas descritas no inciso III do parágrafo 1º do artigo 334
são autônomas em relação ao seu caput. Não se pune apenas quem importa
mercadoria sem o pagamento dos impostos devidos, como também, quem importa
fraudulentamente no exercício de atividade comercial ou industrial.
3. Não sendo essa a interpretação, teríamos que admitir que a expressão
"importar fraudulentamente" constante no inciso IIII é redundante e,
portanto, dispensável, na medida em que o caput do artigo 334 já prevê
a conduta de iludir o pagamento de imposto pela entrada de mercadoria.
4. O tipo penal do descaminho, além de resguardar a atividade arrecadatória
do Estado, visa a preservar a função administrativa do comércio aduaneiro.
5. Materialidade comprovada. Representação Fiscal para Fins Penais Processo
nº 15771.720271/2012-73; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda
Fiscal nº 081900/09046/11; Declaração de Importação nº 11/1395296-4;
Fatura Comercial INVOICE nº FA20110606/1 e nº FA20110606/2.
6. Autoria demonstrada pelas provas documental e testemunhal, corroboradas
pela confissão judicial dos réus.
7. Pena-base mantida no mínimo legal.
8. O "intricado esquema executado pelos acusados para fraudar o controle
aduaneiro e, com isso, possibilitar a prática do crime de descaminho"
integra o próprio tipo penal, na medida em que, sem a sua prática, não
estaria caracterizada a importação fraudulenta, núcleo da figura equiparada
prevista no artigo 334, parágrafo 1º, inciso III, do Código Penal.
9. Os valores dos equipamentos importados de modo fraudulento não extrapolam
ao ordinário, a fim de justificar a exasperação da pena-base.
10. Concurso formal próprio configurado. Ausência de desígnios autônomos.
11. Nada obstante os processos de importação fraudulenta terem sido
diferentes - na adição 1, nacionalização definitiva por interposta pessoa
e na adição 2, admissão temporária por interposta pessoa -, não se pode
afirmar que os réus agiram com desígnios autônomos. A vontade dos acusados
consistiu na aquisição definitiva de equipamentos mediante a importação
fraudulenta. O fato de terem utilizado mecanismos diferentes de fraude não
significa que tiveram a vontade de realizar dois crimes de descaminho.
12. Valor da prestação pecuniário majorado. A pena pecuniária substitutiva
da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a
proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas
do condenado.
13. Afastada a condenação ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, tendo em
vista que o crime de descaminho não prevê a pena de multa no seu preceito
secundário.
14. Comporta acolhida o requerimento de execução provisória da pena,
formulado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer. Conforme
já deliberado no âmbito desta C. Décima Primeira Turma por ocasião da
apreciação de questão de ordem por mim suscitada nos autos da Ação
Penal nº 0005715-36.2010.4.03.6181 (em complementação a embargos de
declaração contidos nos mesmos autos), de maneira a conciliar (i) a
nova interpretação dada pelo E. STF quanto à abrangência do princípio
da presunção de não-culpabilidade e suas decorrências, e (ii) o teor
do art. 283 do Código de Processo Penal (que veda o cumprimento de pena
privativa de liberdade cominada ao réu até que tenha transitado em julgado
decisão condenatória) - cuja inconstitucionalidade não foi declarada pela
Corte Suprema -, é possível executar penas outras que não as privativas
de liberdade após condenação do réu (ou manutenção de condenação)
por órgão de segundo grau de jurisdição, ainda que interposto recurso
especial ou extraordinário. É o caso dos autos, em que foram cominadas
penas restritivas de direitos como pena substitutiva da pena privativa de
liberdade estabelecida para o réu. Dessa forma, não se insere tal sanção
no âmbito de vedação do artigo 283 do Código de Processo Penal, o que
a torna exequível nesta etapa, conforme reinterpretação do princípio
da presunção de inocência a que procedeu o Supremo Tribunal Federal no
julgamento do HC 126.292 /SP.
15. Apelações da defesa e do Ministério Público Federal parcialmente
providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da defesa para reconhecer
o concurso formal próprio e aplicar o patamar de aumento de 1/6 (um sexto,
fixando a pena definitiva de ambos os réus em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de
reclusão, em regime inicial aberto; dar parcial provimento à apelação do
Ministério Público Federal para majorar o valor da prestação pecuniária,
em relação a VICTOR CHERMONT DAIHA MOREIRA DE SOUZA, para 2 (dois) salários
mínimos e, em relação a MARCUS ANTONIO DAIHA DE SOUZA, para 4 (quatro)
salários mínimos; e, de ofício, afastar para ambos os réus a condenação
ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa e destinar a prestação pecuniária
à União; e deferir o pedido ministerial para determinar a expedição
de carta de sentença, bem como a comunicação do juízo de origem, para
início da execução das penas impostas no presente feito., nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
06/12/2016
Data da Publicação
:
16/12/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 68129
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334 PAR-1 INC-3
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-283
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/12/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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