TRF3 0014715-71.2013.4.03.0000 00147157120134030000
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO NÃO
UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. AÇÃO
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDENAÇÃO DA EXPROPRIANTE AO PAGAMENTO DO SALDO
CREDOR E À RESTITUIÇÃO DE TODOS OS BENS CONFISCADOS QUE NÃO FORAM OBJETO
DAS ALIENAÇÕES ESPECIFICADAS NOS AUTOS. FASE DE EXECUÇÃO. EXPROPRIAÇÃO DE
BENS PELO REGIME MILITAR. REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL E CANCELAMENTO
DO REGISTRO DE CONFISCO. POSSIBILIDADE. RESPEITO À COISA JULGADA.
1. Diante do resultado não unânime (em 29 de março de 2016), o julgamento
teve prosseguimento conforme o disposto no artigo 942 do Novo Código de
Processo Civil/2015, realizando-se nova sessão em 5 de maio de 2016.
2. Por força do Decreto nº 77.666/76, promoveu-se ao confisco de bens,
dentre eles aquele objeto do presente agravo de instrumento, o denominado
"Sítio Boa Vista". Por decisão judicial definitiva foi reconhecido o
direito do agravante à restituição do bem confiscado pelo regime militar,
nos termos de ação de prestação de contas regularmente processada.
3. O Juízo de primeiro grau concluiu pela impossibilidade de restituição
do bem, uma vez que não abarcado pelo título executivo obtido pelo autor
no feito, já que o imóvel foi destinado ao INPS, que não participou da
relação processual, daí porque a sentença não lhe seria oponível.
4. A decisão agravada não se sustenta por duas razões: em primeiro lugar,
a sentença que decidiu a ação de prestação de contas não deixa dúvida
acerca da destinação dos bens confiscados e, em segundo lugar, não sendo o
INPS (atual INSS) estranho à relação jurídica material originária, dado
que beneficiário direto do confisco, não se há de falar na aplicação do
artigo 472 do Código de Processo Civil de 1.973 (cujo teor é na essência
repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015:
"A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
prejudicando terceiros").
5. Segundo os termos da sentença, mantida in totum pelas instâncias
superiores, como decorrência direta da declaração da invalidade dos atos
de exceção materializados nos confiscos de bens noticiados na lide, duas
soluções se mostravam possíveis: a) ou bem a União Federal indenizava
os confiscados pela "expropriação" dos bens, em pecúnia, b) ou bem
restituía os bens a seus proprietários. Não foi permitida à União
uma terceira opção. Daí, tendo-se em conta que não restou cumprida pela
União a hipótese primeira (indenização), inafastável o reconhecimento da
necessidade de se promover ao segundo comando da decisão judicial transitada
em julgado (restituição dos bens confiscados).
6. Não há de se falar, na espécie, em violação ao artigo 472 do CPC de
1.973 (cujo teor é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente
Código de Processo Civil de 2.015) pelo fato de o INPS e a União serem,
na época dos fatos, entidade única, materializações de um mesmo e só
ente: o Estado.
7. Ainda que tal motivação possa ser afastada, não cabe retirar o direito
do agravante sob o fundamento de extrapolação dos limites e efeitos da
sentença. É bem verdade que o artigo 472 do CPC/1.973 (artigo 506 do
CPC/2.015) lança como regra que a imutabilidade dos efeitos da sentença
alcança somente as partes envolvidas em dado processo judicial. No entanto,
mister lembrar exceções à regra geral, tais como aquela prevista na dicção
do artigo 42, caput e § 3º do CPC/1.973. Como se vê dessa redação legal,
embora não participe do processo originário (a eventual substituição
da parte somente era e é admitida mediante consentimento expresso desta -
§ 1º dos dispositivos citados de ambos os diplomas), o novo proprietário
do bem suporta os efeitos da sentença proferida entre partes diversas
em processo no qual não se fez integrar. Nessa linha, também importante
relembrar a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que orienta:
"em determinadas circunstâncias, diante da posição do terceiro na relação
de direito material, bem como pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir
quem não foi parte no processo. Entre essas hipóteses está a sucessão,
pois o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica deduzida
no processo, impedindo nova discussão sobre o que já foi decidido " (REsp
775841, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26/3/2009).
8. À sombra de tal de entendimento - aplicável à espécie dado o paralelismo
entre as situações postas - mister atentar, no caso concreto, para que a
destinação do bem fez parte do próprio ato de confisco levado a cabo por
aquele Estado de Exceção, restando vinculado o confisco à incorporação
do bem ao patrimônio do então Instituto Nacional de Previdência Social
(artigo 4º do Decreto nº 77.666/76).
9. Além disso, não se há de perder de vista que o ato de CONFISCO levado
a cabo pelo regime militar, configurou-se como um dos mais violentos atos
de agressão ao direito de propriedade, lastreado em Ato Institucional,
equiparando-se, em efeitos e consequências ao triste AI-5, que retirou
expressamente do ordenamento jurídico as garantias constitucionais do
mandado de segurança e do habeas corpus.
10. Tratando-se de ato írrito, na origem, não se há de falar de projeção
de efeitos para quem quer que seja, pois se a origem é espúria, espúrios
serão seus efeitos, por corolário lógico. Esse, aliás, foi o sentido da
sentença prolatada nos autos de onde tirado este Agravo, não se podendo,
nesse momento da execução da sentença, desfazer-se a coisa julgada, sob
invocação de direito de terceiros, beneficiados diretos do malsinado ato
de exceção.
11. Registre-se, a propósito, que estando o ato de exceção, confisco,
devidamente averbado à margem do registro imobiliário, não se há de
questionar a origem do bem, que nunca foi desconhecido pela Municipalidade
de Americana; em síntese: a Municipalidade jamais desconheceu que foi
beneficiária de um ato de exceção.
12. Aplicável ao caso concreto, em sua inteligência plena, o entendimento
do C. STJ, já citado, no sentido de que "em determinadas circunstâncias,
diante da posição do terceiro na relação de direito material, bem como
pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir quem não foi parte no
processo". Assim, a decisão agravada não pode ser mantida, em respeito
à coisa julgada, devendo ser autorizada a transferência do imóvel e o
cancelamento do registro de confisco.
13. Agravo de instrumento provido.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO NÃO
UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. AÇÃO
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDENAÇÃO DA EXPROPRIANTE AO PAGAMENTO DO SALDO
CREDOR E À RESTITUIÇÃO DE TODOS OS BENS CONFISCADOS QUE NÃO FORAM OBJETO
DAS ALIENAÇÕES ESPECIFICADAS NOS AUTOS. FASE DE EXECUÇÃO. EXPROPRIAÇÃO DE
BENS PELO REGIME MILITAR. REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL E CANCELAMENTO
DO REGISTRO DE CONFISCO. POSSIBILIDADE. RESPEITO À COISA JULGADA.
1. Diante do resultado não unânime (em 29 de março de 2016), o julgamento
teve prosseguimento conforme o disposto no artigo 942 do Novo Código de
Processo Civil/2015, realizando-se nova sessão em 5 de maio de 2016.
2. Por força do Decreto nº 77.666/76, promoveu-se ao confisco de bens,
dentre eles aquele objeto do presente agravo de instrumento, o denominado
"Sítio Boa Vista". Por decisão judicial definitiva foi reconhecido o
direito do agravante à restituição do bem confiscado pelo regime militar,
nos termos de ação de prestação de contas regularmente processada.
3. O Juízo de primeiro grau concluiu pela impossibilidade de restituição
do bem, uma vez que não abarcado pelo título executivo obtido pelo autor
no feito, já que o imóvel foi destinado ao INPS, que não participou da
relação processual, daí porque a sentença não lhe seria oponível.
4. A decisão agravada não se sustenta por duas razões: em primeiro lugar,
a sentença que decidiu a ação de prestação de contas não deixa dúvida
acerca da destinação dos bens confiscados e, em segundo lugar, não sendo o
INPS (atual INSS) estranho à relação jurídica material originária, dado
que beneficiário direto do confisco, não se há de falar na aplicação do
artigo 472 do Código de Processo Civil de 1.973 (cujo teor é na essência
repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015:
"A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
prejudicando terceiros").
5. Segundo os termos da sentença, mantida in totum pelas instâncias
superiores, como decorrência direta da declaração da invalidade dos atos
de exceção materializados nos confiscos de bens noticiados na lide, duas
soluções se mostravam possíveis: a) ou bem a União Federal indenizava
os confiscados pela "expropriação" dos bens, em pecúnia, b) ou bem
restituía os bens a seus proprietários. Não foi permitida à União
uma terceira opção. Daí, tendo-se em conta que não restou cumprida pela
União a hipótese primeira (indenização), inafastável o reconhecimento da
necessidade de se promover ao segundo comando da decisão judicial transitada
em julgado (restituição dos bens confiscados).
6. Não há de se falar, na espécie, em violação ao artigo 472 do CPC de
1.973 (cujo teor é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente
Código de Processo Civil de 2.015) pelo fato de o INPS e a União serem,
na época dos fatos, entidade única, materializações de um mesmo e só
ente: o Estado.
7. Ainda que tal motivação possa ser afastada, não cabe retirar o direito
do agravante sob o fundamento de extrapolação dos limites e efeitos da
sentença. É bem verdade que o artigo 472 do CPC/1.973 (artigo 506 do
CPC/2.015) lança como regra que a imutabilidade dos efeitos da sentença
alcança somente as partes envolvidas em dado processo judicial. No entanto,
mister lembrar exceções à regra geral, tais como aquela prevista na dicção
do artigo 42, caput e § 3º do CPC/1.973. Como se vê dessa redação legal,
embora não participe do processo originário (a eventual substituição
da parte somente era e é admitida mediante consentimento expresso desta -
§ 1º dos dispositivos citados de ambos os diplomas), o novo proprietário
do bem suporta os efeitos da sentença proferida entre partes diversas
em processo no qual não se fez integrar. Nessa linha, também importante
relembrar a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que orienta:
"em determinadas circunstâncias, diante da posição do terceiro na relação
de direito material, bem como pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir
quem não foi parte no processo. Entre essas hipóteses está a sucessão,
pois o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica deduzida
no processo, impedindo nova discussão sobre o que já foi decidido " (REsp
775841, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26/3/2009).
8. À sombra de tal de entendimento - aplicável à espécie dado o paralelismo
entre as situações postas - mister atentar, no caso concreto, para que a
destinação do bem fez parte do próprio ato de confisco levado a cabo por
aquele Estado de Exceção, restando vinculado o confisco à incorporação
do bem ao patrimônio do então Instituto Nacional de Previdência Social
(artigo 4º do Decreto nº 77.666/76).
9. Além disso, não se há de perder de vista que o ato de CONFISCO levado
a cabo pelo regime militar, configurou-se como um dos mais violentos atos
de agressão ao direito de propriedade, lastreado em Ato Institucional,
equiparando-se, em efeitos e consequências ao triste AI-5, que retirou
expressamente do ordenamento jurídico as garantias constitucionais do
mandado de segurança e do habeas corpus.
10. Tratando-se de ato írrito, na origem, não se há de falar de projeção
de efeitos para quem quer que seja, pois se a origem é espúria, espúrios
serão seus efeitos, por corolário lógico. Esse, aliás, foi o sentido da
sentença prolatada nos autos de onde tirado este Agravo, não se podendo,
nesse momento da execução da sentença, desfazer-se a coisa julgada, sob
invocação de direito de terceiros, beneficiados diretos do malsinado ato
de exceção.
11. Registre-se, a propósito, que estando o ato de exceção, confisco,
devidamente averbado à margem do registro imobiliário, não se há de
questionar a origem do bem, que nunca foi desconhecido pela Municipalidade
de Americana; em síntese: a Municipalidade jamais desconheceu que foi
beneficiária de um ato de exceção.
12. Aplicável ao caso concreto, em sua inteligência plena, o entendimento
do C. STJ, já citado, no sentido de que "em determinadas circunstâncias,
diante da posição do terceiro na relação de direito material, bem como
pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir quem não foi parte no
processo". Assim, a decisão agravada não pode ser mantida, em respeito
à coisa julgada, devendo ser autorizada a transferência do imóvel e o
cancelamento do registro de confisco.
13. Agravo de instrumento provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por maioria, prosseguindo o julgamento, nos termos do artigo 942, § 3º,
inciso II do Novo CPC, dar provimento ao agravo de instrumento para afastar
a decisão recorrida para o efeito de autorizar a transferência do bem e
o cancelamento do registro de confisco, nos termos do voto do Desembargador
Federal Wilson Zauhy que fica fazendo parte integrante do presente julgado,
vencido o relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, que negava provimento
ao agravo.
Data do Julgamento
:
05/05/2016
Data da Publicação
:
23/05/2016
Classe/Assunto
:
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 506946
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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