TRF3 0015263-46.2015.4.03.6105 00152634620154036105
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
- REEXAME NECESSÁRIO - APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 19 DA LEI Nº
4.717/65 (LEI DE AÇÃO POPULAR) - PRELIMINARES ARGUIDAS EM CONTRARRAZÕES
AFASTADAS - TRANSPORTE DE CARGAS COM EXCESSO DE PESO - VEDAÇÃO À SAÍDA DO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL - CONDUTA VEDADA PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
- SANÇÕES DE MULTA E DE RETENÇÃO DO VEÍCULO -RAZOABILIDADE - DANOS
MATERIAIS NÃO COMPROVADOS - DANOS MORAIS COLETIVOS - COLETIVIDADE SUJEITA
A RISCO EM DECORRÊNCIA DE INTERESSES ECONÔMICOS - PARCIAL PROCEDÊNCIA.
I - A ação civil pública, quando julgada improcedente, deve ser submetida
a reexame necessário em face dos interesses coletivos que são protegidos,
aplicando-se, por analogia, o estatuído no artigo 19 da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular). Precedentes.
II - Presente o interesse processual diante da situação narrada pelo autor
da ação no sentido de que a apelada é pessoa jurídica contumaz infratora
da legislação de trânsito.
III - O pedido é juridicamente possível. O pleito do Ministério Público
Federal não colide com o julgamento da ADPF nº 45, a qual foi julgada
prejudicada em virtude da perda superveniente d seu objeto. Também não
afronta o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da CF) porque o
que se busca é a proteção de bens (rodovias) e a segurança dos usuários
da malha rodoviária, direito que pode ser entendido como fundamental por se
relacionar ao progresso, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e ao patrimônio
comum.
IV - Não há que se falar, na espécie, em pedido genérico ou inexequível
a acarretar inépcia da petição inicial. O pedido veiculado é certo
e determinado e a sua exequibilidade, ou não, além de seu possível
caráter confiscatório, são questões a serem apreciadas no mérito e,
assim, não levam ao indeferimento da petição inicial.
V - O Código de Trânsito Brasileiro tipifica a infração de transitar
com veículo com mercadorias com excesso de peso (artigo 231 da Lei nº
9.503/97). Sanciona a conduta com multa e retenção do veículo, medidas
consideradas suficientes pelo legislador para impedir e reprimir o ato.
VI - Desnecessidade de se aplicar nova punição ao infrator. Há necessidade
sim de se aumentar e melhorar a fiscalização já existente realizada pela
Administração Pública. Precedentes.
VII - Não se comprovou a existência de dano material praticado pelos
veículos da apelada. Conquanto seja certo o tráfego em desacordo com a
legislação de regência, não se demonstrou danos provocados no leito
da rodovia. Como o dano material há de ser certo e determinado, não
se indenizando expectativas e probabilidades, não há como ser julgado
procedente o pedido.
VIII - A indenização por dano moral coletivo pressupõe "a demonstração de
caso grave, seja no tocante à percepção individualizada de cada vítima,
ou mesmo no que se refere à carga de valores que cerca determinado grupo,
de ordem social, econômica ou cultural" (TRF1, AC 00080096620134013803, 6ª
Turma, Des. Federal Daniel Paes Ribeiro, j. 05.03.2018, e-DJF1 16.03.2018). No
caso de circulação de caminhões com excesso de peso tem-se que o grande
lesado, além da Administração ludibriada, é a coletividade de usuários
que trafegam pela rodovia, em sua grande maioria formada por veículos de
menor porte que os caminhões da empresa apelada.
IX - O transporte de cargas com excesso de peso aumenta o risco de acidentes,
expondo a coletividade a perigo. A sobrecarga compromete a capacidade de
frenagem do caminhão em decorrência do superaquecimento do sistema, que pode
se incendiar, e do aumento de distância de parada; reduz a estabilidade,
potencializando o risco de tombamentos; provoca desgaste acentuado de pneus
e afeta a eficiência do sistema de suspensão.
X - O Código de Trânsito Brasileiro impõe em seu artigo 29, § 2º,
que os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança
dos menores. Na espécie, tem-se que os veículos que não poderiam por em
risco os demais usuários são, justamente, aqueles que infringem as normas
legais e expõem todos a perigo. Igualmente, a legislação de trânsito,
em seu artigo 26, I, impõe aos usuários das vias terrestres a obrigação
de absterem-se de qualquer ato que possa constituir perigo, o que não vem
sendo observado pela apelada.
XI - Comprovada a existência de 1.633 infrações praticadas por caminhões
com carga da empresa apelada. De acordo com o CPC (art. 373, II), constitui
ônus da parte comprovar os fatos desconstitutivos do direito do autor,
não tendo a apelada logrado êxito em demonstrar sua irresponsabilidade
pelas infrações.
XII - Demonstrada a antijuridicidade da conduta, a ofensa a interesses
jurídicos fundamentais titularizados pela coletividade (segurança no
trânsito) e a intolerabilidade da ilicitude, justifica-se a indenização
pelos danos morais coletivos. Respeitados os critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade, observado o fim de desestímulo da conduta e considerando
que a apelada é uma empresa global, com presença em 90 (noventa) países,
líder mundial no segmento do agronegócio, que reiteradamente descumpre
as regras de trânsito do país, arbitra-se os danos morais coletivos em R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais).
XIII - Juros de mora a partir do evento danoso (data do Relatório Conclusivo
do Inquérito Civil, pelo Ministério Público Federal) e correção
monetária a partir do acórdão, na forma do Manual de Orientação para
Cálculos vigente no momento da execução.
XIV - Honorários advocatícios indevidos, por força do princípio da
simetria, consoante precedentes do STJ.
XV - Apelação e remessa oficial, havida por submetida, parcialmente
providas.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
- REEXAME NECESSÁRIO - APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 19 DA LEI Nº
4.717/65 (LEI DE AÇÃO POPULAR) - PRELIMINARES ARGUIDAS EM CONTRARRAZÕES
AFASTADAS - TRANSPORTE DE CARGAS COM EXCESSO DE PESO - VEDAÇÃO À SAÍDA DO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL - CONDUTA VEDADA PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
- SANÇÕES DE MULTA E DE RETENÇÃO DO VEÍCULO -RAZOABILIDADE - DANOS
MATERIAIS NÃO COMPROVADOS - DANOS MORAIS COLETIVOS - COLETIVIDADE SUJEITA
A RISCO EM DECORRÊNCIA DE INTERESSES ECONÔMICOS - PARCIAL PROCEDÊNCIA.
I - A ação civil pública, quando julgada improcedente, deve ser submetida
a reexame necessário em face dos interesses coletivos que são protegidos,
aplicando-se, por analogia, o estatuído no artigo 19 da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular). Precedentes.
II - Presente o interesse processual diante da situação narrada pelo autor
da ação no sentido de que a apelada é pessoa jurídica contumaz infratora
da legislação de trânsito.
III - O pedido é juridicamente possível. O pleito do Ministério Público
Federal não colide com o julgamento da ADPF nº 45, a qual foi julgada
prejudicada em virtude da perda superveniente d seu objeto. Também não
afronta o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da CF) porque o
que se busca é a proteção de bens (rodovias) e a segurança dos usuários
da malha rodoviária, direito que pode ser entendido como fundamental por se
relacionar ao progresso, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e ao patrimônio
comum.
IV - Não há que se falar, na espécie, em pedido genérico ou inexequível
a acarretar inépcia da petição inicial. O pedido veiculado é certo
e determinado e a sua exequibilidade, ou não, além de seu possível
caráter confiscatório, são questões a serem apreciadas no mérito e,
assim, não levam ao indeferimento da petição inicial.
V - O Código de Trânsito Brasileiro tipifica a infração de transitar
com veículo com mercadorias com excesso de peso (artigo 231 da Lei nº
9.503/97). Sanciona a conduta com multa e retenção do veículo, medidas
consideradas suficientes pelo legislador para impedir e reprimir o ato.
VI - Desnecessidade de se aplicar nova punição ao infrator. Há necessidade
sim de se aumentar e melhorar a fiscalização já existente realizada pela
Administração Pública. Precedentes.
VII - Não se comprovou a existência de dano material praticado pelos
veículos da apelada. Conquanto seja certo o tráfego em desacordo com a
legislação de regência, não se demonstrou danos provocados no leito
da rodovia. Como o dano material há de ser certo e determinado, não
se indenizando expectativas e probabilidades, não há como ser julgado
procedente o pedido.
VIII - A indenização por dano moral coletivo pressupõe "a demonstração de
caso grave, seja no tocante à percepção individualizada de cada vítima,
ou mesmo no que se refere à carga de valores que cerca determinado grupo,
de ordem social, econômica ou cultural" (TRF1, AC 00080096620134013803, 6ª
Turma, Des. Federal Daniel Paes Ribeiro, j. 05.03.2018, e-DJF1 16.03.2018). No
caso de circulação de caminhões com excesso de peso tem-se que o grande
lesado, além da Administração ludibriada, é a coletividade de usuários
que trafegam pela rodovia, em sua grande maioria formada por veículos de
menor porte que os caminhões da empresa apelada.
IX - O transporte de cargas com excesso de peso aumenta o risco de acidentes,
expondo a coletividade a perigo. A sobrecarga compromete a capacidade de
frenagem do caminhão em decorrência do superaquecimento do sistema, que pode
se incendiar, e do aumento de distância de parada; reduz a estabilidade,
potencializando o risco de tombamentos; provoca desgaste acentuado de pneus
e afeta a eficiência do sistema de suspensão.
X - O Código de Trânsito Brasileiro impõe em seu artigo 29, § 2º,
que os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança
dos menores. Na espécie, tem-se que os veículos que não poderiam por em
risco os demais usuários são, justamente, aqueles que infringem as normas
legais e expõem todos a perigo. Igualmente, a legislação de trânsito,
em seu artigo 26, I, impõe aos usuários das vias terrestres a obrigação
de absterem-se de qualquer ato que possa constituir perigo, o que não vem
sendo observado pela apelada.
XI - Comprovada a existência de 1.633 infrações praticadas por caminhões
com carga da empresa apelada. De acordo com o CPC (art. 373, II), constitui
ônus da parte comprovar os fatos desconstitutivos do direito do autor,
não tendo a apelada logrado êxito em demonstrar sua irresponsabilidade
pelas infrações.
XII - Demonstrada a antijuridicidade da conduta, a ofensa a interesses
jurídicos fundamentais titularizados pela coletividade (segurança no
trânsito) e a intolerabilidade da ilicitude, justifica-se a indenização
pelos danos morais coletivos. Respeitados os critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade, observado o fim de desestímulo da conduta e considerando
que a apelada é uma empresa global, com presença em 90 (noventa) países,
líder mundial no segmento do agronegócio, que reiteradamente descumpre
as regras de trânsito do país, arbitra-se os danos morais coletivos em R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais).
XIII - Juros de mora a partir do evento danoso (data do Relatório Conclusivo
do Inquérito Civil, pelo Ministério Público Federal) e correção
monetária a partir do acórdão, na forma do Manual de Orientação para
Cálculos vigente no momento da execução.
XIV - Honorários advocatícios indevidos, por força do princípio da
simetria, consoante precedentes do STJ.
XV - Apelação e remessa oficial, havida por submetida, parcialmente
providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
maioria, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, havida
por submetida, vencidos os Desembargadores Federais Antônio Cedenho e Marli
Ferreira, que o faziam em extensão diversa, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
22/08/2018
Data da Publicação
:
29/08/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2283380
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES
Referência
legislativa
:
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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