TRF3 0016472-36.2013.4.03.6100 00164723620134036100
PROCESSUAL CIVIL. AUTORA FALECIDA ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA
AÇÃO. INCAPACIDADE PARA SER PARTE. ILEGITIMIDADE PARA O PROCESSO. MANDATO
INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. INADMISSIBILIDADE
DE ALTERAÇÃO DO POLO ATIVO. ÓBITO DA CURATELADA. EXTINÇÃO
DA CURATELA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À
OAB. CABIMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÕES
DESPROVIDAS.
1. Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada
em nome de pessoa já falecida, em face da União Federal (Fazenda Nacional).
2. É assente que a capacidade de ser parte decorre da capacidade de direito
("Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil"
- Código Civil), consistindo na aptidão para figurar num dos polos da
relação processual.
3. Na medida em que a autora faleceu em 2006, quando ocorreu o término de
sua personalidade jurídica (art. 6º, CC), constata-se a sua ausência de
capacidade ser parte e de requerer em juízo, visto que a presente demanda
indenizatória foi ajuizada apenas em 2013.
4. A morte da parte autora anteriormente ao ajuizamento da ação de
conhecimento configura fato jurídico relevante para que seja declarada a
inexistência do processo judicial em relação a ela, na medida em que a
relação processual jamais existiu, não se angularizou, não se formou de
modo válido, ante a inexistência de capacidade da demandante para ser parte.
5. O mandato outorgado ao advogado por pessoa falecida é inexistente,
desprovido de qualquer valor jurídico, faltando à relação processual a
capacidade postulatória, que é pressuposto de desenvolvimento válido e
regular.
6. A habilitação dos herdeiros configura providência passível de ser
adotada na hipótese de morte da parte no curso do processo. Todavia, a
situação retratada no presente caso é distinta, visto que a ação foi
proposta por quem já não possuía capacidade de ser parte, pois já era
falecida na data da propositura.
7. Importa salientar que uma das hipóteses de extinção da curatela consiste
no falecimento da pessoa curatelada.
8. Assim, em face da incapacidade jurídica da autora, ausente o pressuposto
processual subjetivo necessário para a formação válida e regular do
processo, sendo de rigor a manutenção da extinção do feito sem resolução
do mérito.
9. Consoante o disposto no art. 77, inciso II, do CPC/2015, é dever das
partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem
do processo expor os fatos em juízo conforme a verdade.
10. Por seu turno, considera-se litigante de má-fé aquele que, na qualidade
de autor, réu ou terceiro interveniente, alterar a verdade dos fatos,
nos termos do art. 80, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.
11. Dessa forma, ante a propositura da presente demanda por pessoa já
falecida, resta evidenciada a má-fé da ex-curadora da autora falecida,
por meio da alteração da verdade dos fatos, motivo pelo qual deve ser
mantida a condenação ao pagamento de multa no importe de 1% (um por cento)
sobre o valor atualizado da causa, consoante o art. 81 do Código de Processo
Civil de 2015.
12. Frise-se que a multa por litigância de má-fé não fica com a
exigibilidade suspensa em decorrência do deferimento do pedido de justiça
gratuita, ex vi do art. 98, § 4º, do CPC/2015.
13. Não há que se falar em revogação dos benefícios da justiça gratuita
por aplicação da multa processual por litigância de má-fé.
14. Considerando que no caso concreto ficou configurada a hipótese do
art. 80, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015 (art. 17, inciso
II, do CPC/1973), resta justificada a imposição da multa por litigância
de má-fé à ex-curadora da autora falecida, assim como a expedição de
ofício à Ordem dos Advogados do Brasil para eventual apuração de conduta
profissional do patrono.
15. A concessão do benefício da gratuidade da justiça depende de simples
afirmação da parte. Nos termos do art. 99, § 3º, do CPC/2015: "Presume-se
verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa
natural".
16. Não é cabível a revogação dos benefícios da justiça gratuita,
na medida em que não foi demonstrado nos autos que deixou de existir a
hipossuficiência que justificou a concessão da gratuidade.
17. A contratação de advogado particular, por si só, não tem o condão
de ilidir a hipossuficiência declarada nos autos.
18. Por outro lado, do valor atribuído à causa e do valor do bem imóvel
discutido nos autos, cuja coproprietária era a autora falecida, que deixou
sucessores, dentre os quais não se insere a ex-curadora, não é possível
pressupor que os recursos financeiros sejam abundantes.
19. Inviável manter-se a condenação da parte autora ao pagamento de
honorários de sucumbência, na medida em que se reconheceu que seu falecimento
foi anterior ao ajuizamento da ação, declarando-se a inexistência da
relação processual quanto a ela.
20. De outro giro, o mandato foi outorgado ao advogado após o óbito da
autora, assinado pela ex-curadora, que já não possuía poderes legais para
outorgar procuração em nome da autora falecida.
21. Os atos praticados por quem não tem mandato são ineficazes em relação
àquele em cujo nome tenham sido praticados, ex vi do art. 662 do Código
Civil. Logo, a responsabilidade incide sobre o representante que agiu sem
poderes para tanto.
22. Tendo em vista que o falecimento da autora precedeu a propositura da
demanda, e considerando que a curatela extinguiu-se com a morte, não há que
subsistir qualquer condenação a ser suportada pelos sucessores da parte
autora, aos quais nada de irregular pode ser atribuído. Por conseguinte,
todo o peso condenatório, na hipótese dos autos, deve recair sobre a pessoa
que se apresentou como representante legal da parte autora.
23. Em razão de ser inviável a condenação da parte autora ao pagamento
de qualquer verba, reconhece-se, de ofício, a nulidade da sentença nesse
ponto, e condena-se a ex-curadora ao pagamento de honorários advocatícios
em favor da União Federal, fixados nos percentuais mínimos previstos no
art. 85, § 3º, do CPC/2015, incidindo sobre o valor atualizado da causa,
restando suspensa a exigibilidade da referida verba, ante o deferimento do
pedido de justiça gratuita.
24. Apelações da parte autora e da União não providas.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AUTORA FALECIDA ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA
AÇÃO. INCAPACIDADE PARA SER PARTE. ILEGITIMIDADE PARA O PROCESSO. MANDATO
INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. INADMISSIBILIDADE
DE ALTERAÇÃO DO POLO ATIVO. ÓBITO DA CURATELADA. EXTINÇÃO
DA CURATELA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À
OAB. CABIMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÕES
DESPROVIDAS.
1. Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada
em nome de pessoa já falecida, em face da União Federal (Fazenda Nacional).
2. É assente que a capacidade de ser parte decorre da capacidade de direito
("Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil"
- Código Civil), consistindo na aptidão para figurar num dos polos da
relação processual.
3. Na medida em que a autora faleceu em 2006, quando ocorreu o término de
sua personalidade jurídica (art. 6º, CC), constata-se a sua ausência de
capacidade ser parte e de requerer em juízo, visto que a presente demanda
indenizatória foi ajuizada apenas em 2013.
4. A morte da parte autora anteriormente ao ajuizamento da ação de
conhecimento configura fato jurídico relevante para que seja declarada a
inexistência do processo judicial em relação a ela, na medida em que a
relação processual jamais existiu, não se angularizou, não se formou de
modo válido, ante a inexistência de capacidade da demandante para ser parte.
5. O mandato outorgado ao advogado por pessoa falecida é inexistente,
desprovido de qualquer valor jurídico, faltando à relação processual a
capacidade postulatória, que é pressuposto de desenvolvimento válido e
regular.
6. A habilitação dos herdeiros configura providência passível de ser
adotada na hipótese de morte da parte no curso do processo. Todavia, a
situação retratada no presente caso é distinta, visto que a ação foi
proposta por quem já não possuía capacidade de ser parte, pois já era
falecida na data da propositura.
7. Importa salientar que uma das hipóteses de extinção da curatela consiste
no falecimento da pessoa curatelada.
8. Assim, em face da incapacidade jurídica da autora, ausente o pressuposto
processual subjetivo necessário para a formação válida e regular do
processo, sendo de rigor a manutenção da extinção do feito sem resolução
do mérito.
9. Consoante o disposto no art. 77, inciso II, do CPC/2015, é dever das
partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem
do processo expor os fatos em juízo conforme a verdade.
10. Por seu turno, considera-se litigante de má-fé aquele que, na qualidade
de autor, réu ou terceiro interveniente, alterar a verdade dos fatos,
nos termos do art. 80, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.
11. Dessa forma, ante a propositura da presente demanda por pessoa já
falecida, resta evidenciada a má-fé da ex-curadora da autora falecida,
por meio da alteração da verdade dos fatos, motivo pelo qual deve ser
mantida a condenação ao pagamento de multa no importe de 1% (um por cento)
sobre o valor atualizado da causa, consoante o art. 81 do Código de Processo
Civil de 2015.
12. Frise-se que a multa por litigância de má-fé não fica com a
exigibilidade suspensa em decorrência do deferimento do pedido de justiça
gratuita, ex vi do art. 98, § 4º, do CPC/2015.
13. Não há que se falar em revogação dos benefícios da justiça gratuita
por aplicação da multa processual por litigância de má-fé.
14. Considerando que no caso concreto ficou configurada a hipótese do
art. 80, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015 (art. 17, inciso
II, do CPC/1973), resta justificada a imposição da multa por litigância
de má-fé à ex-curadora da autora falecida, assim como a expedição de
ofício à Ordem dos Advogados do Brasil para eventual apuração de conduta
profissional do patrono.
15. A concessão do benefício da gratuidade da justiça depende de simples
afirmação da parte. Nos termos do art. 99, § 3º, do CPC/2015: "Presume-se
verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa
natural".
16. Não é cabível a revogação dos benefícios da justiça gratuita,
na medida em que não foi demonstrado nos autos que deixou de existir a
hipossuficiência que justificou a concessão da gratuidade.
17. A contratação de advogado particular, por si só, não tem o condão
de ilidir a hipossuficiência declarada nos autos.
18. Por outro lado, do valor atribuído à causa e do valor do bem imóvel
discutido nos autos, cuja coproprietária era a autora falecida, que deixou
sucessores, dentre os quais não se insere a ex-curadora, não é possível
pressupor que os recursos financeiros sejam abundantes.
19. Inviável manter-se a condenação da parte autora ao pagamento de
honorários de sucumbência, na medida em que se reconheceu que seu falecimento
foi anterior ao ajuizamento da ação, declarando-se a inexistência da
relação processual quanto a ela.
20. De outro giro, o mandato foi outorgado ao advogado após o óbito da
autora, assinado pela ex-curadora, que já não possuía poderes legais para
outorgar procuração em nome da autora falecida.
21. Os atos praticados por quem não tem mandato são ineficazes em relação
àquele em cujo nome tenham sido praticados, ex vi do art. 662 do Código
Civil. Logo, a responsabilidade incide sobre o representante que agiu sem
poderes para tanto.
22. Tendo em vista que o falecimento da autora precedeu a propositura da
demanda, e considerando que a curatela extinguiu-se com a morte, não há que
subsistir qualquer condenação a ser suportada pelos sucessores da parte
autora, aos quais nada de irregular pode ser atribuído. Por conseguinte,
todo o peso condenatório, na hipótese dos autos, deve recair sobre a pessoa
que se apresentou como representante legal da parte autora.
23. Em razão de ser inviável a condenação da parte autora ao pagamento
de qualquer verba, reconhece-se, de ofício, a nulidade da sentença nesse
ponto, e condena-se a ex-curadora ao pagamento de honorários advocatícios
em favor da União Federal, fixados nos percentuais mínimos previstos no
art. 85, § 3º, do CPC/2015, incidindo sobre o valor atualizado da causa,
restando suspensa a exigibilidade da referida verba, ante o deferimento do
pedido de justiça gratuita.
24. Apelações da parte autora e da União não providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento às apelações da parte autora e da União,
reconhecer, de ofício, a nulidade da sentença no ponto em que condenou a
parte autora em honorários advocatícios, e condenar Vera Lucia da Silva
Canuto Martines ao pagamento dos honorários de advogado, ficando suspensa a
exigibilidade da referida verba por ser beneficiária da justiça gratuita,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
02/05/2018
Data da Publicação
:
09/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2288323
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2018
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