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Jurisprudência


TRF3 0018125-20.2006.4.03.6100 00181252020064036100

Ementa
PROCESSUAL CIVIL: CONTRATO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CDC. REVISÃO. TAXA DE JUROS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. TAXA DE RISCO. FORMA DE AMORTIZAÇÃO. ANATOCISMO. SEGURO. TR. PRICE. REPETIÇÃO DE INDÉBTO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONSTITUCIONALIDADE. MAIS DE UM IMÓVEL. FCVS. QUITAÇÃO. UNIÃO. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - O NCPC, conquanto se aplique imediatamente aos processos em curso, não atinge as situações já consolidadas dentro do processo (art. 14), em obediência ao princípio da não surpresa e ao princípio constitucional do isolamento dos atos processuais. Assim, ainda que o recurso tivesse sido interposto após a entrada em vigor do NCPC, o que não é o caso, por ter sido a sentença proferida sob a égide da lei anterior, é à luz dessa lei que ela deverá ser reexaminada pelo Tribunal, ainda que para reformá-la. 2 - Não há que se falar in casu da necessidade de inclusão da União Federal no polo passivo da ação, a uma, pelo simples fato de não ser parte integrante da relação contratual que deu ensejo à demanda e, a duas, por se tratar de discussão que versa sobre a cobertura do saldo devedor residual pelo FCVS, sendo a União responsável apenas pela regulamentação do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, e a Caixa Econômica Federal - CEF legítima para figurar no polo passivo da demanda. Acerca do tema, o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial submetido ao regime previsto no artigo 543-C do CPC (recursos repetitivos). 3 - Levando-se em conta o caráter social do contrato de financiamento imobiliário com base no SFH, presente nas disposições que condicionam a equivalência das prestações ao poder aquisitivo do mutuário (artigo 5º e §§ da Lei nº 4.380/64), caso não seja observado o princípio da proporcionalidade entre a prestação a ser paga e a renda ou o salário do adquirente, verificada na data da assinatura do contrato e a permanecer ao longo do contrato, é prevista e autorizada, a qualquer tempo, a solicitação da revisão de tal relação. 4 - O Magistrado não deve estar adstrito ao laudo pericial, contudo, nesse tipo de demanda, que envolve critérios eminentemente técnicos e complexos do campo financeiro-econômico, há que ser prestigiado o trabalho realizado pelo expert. 5 - Com efeito, o agente financeiro, segundo declarações do Sr. Perito, não reajustou as parcelas das prestações de acordo com os aumentos salariais dos mutuários, tendo sido pagos valores maiores à instituição financeira, ante a prestação inicial ter sido majorada em 15% correspondente ao CES, que não está explicitamente definido no contrato, incidindo, inclusive, sobre os prêmios de seguros. 6 - Os contratos de mútuo, nos termos da Lei 4.380/64, que instituiu o Sistema Financeiro da Habitação para aquisição da casa própria, construção ou venda de unidades habitacionais, através de financiamento imobiliário, são típicos contratos de adesão de longa duração, com cláusulas padrão, sujeitos aos critérios legais em vigor à época de sua assinatura, em que não há lugar para a autonomia da vontade na definição do conteúdo, restando ao mutuário submeter-se às condições pré-determinadas. O mutuário, nesse tipo de contrato, subordina-se às condições pré-estabelecidas quanto às taxas ou índices de correção monetária e o montante a ser reajustado, não podendo discuti-las e dispor do bem. 7 - No caso das prestações, é o Poder Executivo que formula as políticas de reajustamento e estabelece as taxas ou os índices de correção monetária da moeda. 8 - De se ver que não pode o mutuário unilateralmente - simplesmente por mera conveniência - exigir a aplicação de critério diversos do estabelecido contratualmente, devendo ser respeitado o que foi convencionado entre as partes, inclusive, em homenagem ao princípio da força obrigatória dos contratos. 9 - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, é necessário que as irregularidades que tenham sido praticadas estejam amparadas por provas inequívocas, sendo insuficiente a alegação genérica; assim, não havendo prova nos autos que a entidade financeira tenha praticado violação contratual, resta afastada a aplicação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. 10 - A restituição de valores pagos a maior pelo mutuário, segundo o artigo 23 da Lei 8.004/90, é feita geralmente mediante a compensação com prestações vincendas, ou, se já não houver nem vencidas nem vincendas em aberto, a devolução em espécie ao mutuário. 11 - A aplicação da Tabela PRICE consiste em plano de amortização e uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e outra de amortização do capital, motivo pelo qual a sua utilização não é vedada pelo ordenamento jurídico e não traz a capitalização dos juros, vê-se que o valor da prestação é decrescente até a liquidação que se dará na última prestação avençada. 12 - Quanto à legalidade na fixação de uma taxa de juros nominal e outra de juros efetiva cabe, a priori, destacar que nominal é a taxa de juros remuneratórios relativos ao período decorrido, cujo valor é o resultado de sua incidência mensal sobre o saldo devedor remanescente corrigido, já a taxa efetiva é a taxa nominal exponencial, identificando o custo total do financiamento. 13 - O disposto no art. 6º, alínea "e", da Lei 4.380/64 não configura uma limitação de juros, dispondo apenas sobre as condições de reajustamento estipuladas nos contratos de mútuo previstos no art. 5º, do referido diploma legal. 14 - No que tange à utilização da Taxa Referencial - TR como índice de atualização do saldo devedor, ao contrato de mútuo habitacional que prevê expressamente a aplicação da Taxa Referencial - TR (índice utilizado para reajustamento dos depósitos de poupança ou com base no coeficiente de atualização aplicável às contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS) para atualização do saldo devedor, não pode ser afastado, mesmo porque o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 493/DF, Relator o e. Ministro Moreira Alves, não decidiu pela exclusão da Taxa Referencial - TR do mundo jurídico, e sim, impediu a sua indexação como substituto de outros índices previamente estipulados em contratos firmados anteriormente à vigência da Lei nº 8.177/91, e consolidou a sua aplicação a contratos firmados em data posterior à entrada em vigor da referida norma. 15 - Nos contratos de mútuo regidos pelo SFH, as partes não têm margem de liberdade para contratar, já que os fundos por ele utilizados são verbas públicas. Tal regra também é aplicável no que diz respeito ao seguro, que deve ser contratado, por força da Circular SUPEP 111, de 03 de dezembro de 1999, visando cobrir eventuais sinistros ocorridos no imóvel e de morte ou invalidez dos mutuantes, motivo pelo qual, não pode ser comparado aos seguros habitacionais que possuem outros valores. 16 - Portanto, não há como considerar ilegal a cobrança do seguro, uma vez que não se trata de venda casada nem foi demonstrado eventual abuso. 17 - No que diz respeito à correção da taxa de seguro, o mutuário tem direito à aplicação dos mesmos índices utilizados para reajuste das prestações, devendo ser aplicadas as regras previstas no contrato. 18 - No que toca à amortização do débito, não se observa qualquer equívoco na forma em que as prestações são computadas para o abatimento do principal da dívida, eis que, quando do pagamento da primeira parcela do financiamento, já haviam transcorrido trinta dias desde a entrega do total do dinheiro emprestado, devendo, assim, os juros e a correção monetária incidir sobre todo o dinheiro mutuado, sem se descontar o valor da primeira prestação, sob pena de se remunerar e corrigir valores menores do que os efetivamente emprestados. 19 - A redação da alínea "c" do artigo 6º da Lei n.º 4.380/64, apenas indica que as prestações mensais devem ter valores iguais, por todo o período do financiamento, considerando-se a inexistência de reajuste, o qual, quando incidente, alterará nominalmente o valor da prestação. 20 - Cabe esclarecer que a prestação do mútuo hipotecário é composta de juros, amortização e acessórios, dentre os quais a Taxa de Administração, Taxa de Risco de Crédito e o Seguro. Tais acessórios são legitimados pela Lei n° 8.036/1990. Ao regular a legislação, o artigo 64, em seus incisos I e VII, do Decreto n° 9.684/1990, veiculou previsão do mesmo teor. Com base nessas disposições o Conselho Curador do FGTS, revogando a Resolução n° 246/1996 pela Resolução n° 289/98, editou a Resolução n° 298/1998, estabelecendo diretrizes para aplicação dos recursos e elaboração das propostas orçamentárias do FGTS, no período de 1998 a 2001. 21 - Verifica-se, portanto, que as taxas de Administração e risco de Crédito, assim como a parcela do seguro não padecem de ilegalidade. Têm suporte na Lei n° 8.036/1990, no Decreto n° 99.684/1990 e nas Resoluções do Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 22 - No que tange ao Decreto-lei nº 70/66, não é inconstitucional, havendo nesse sentido inúmeros precedentes do E. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça. 23 - O Fundo de Compensação das Variações Salariais - FCVS foi criado pela Resolução nº 25, de 16/06/1967, do Conselho de Administração do BNH, com o objetivo de liquidar, junto ao credor, eventual saldo devedor residual remanescente, após o pagamento, pelo mutuário, de todas as prestações contratadas, condição esta indispensável para o gozo de tal cobertura, sendo a Lei nº 10.150/00 uma benesse dada a tais contratos com vistas à extinção antecipada das obrigações do FCVS, àqueles contratos que ainda não alcançaram o pagamento da última prestação. 24 - Saliento que a validade do afastamento do FCVS, em sendo matéria de ordem pública, não está na livre disposição das partes, mas se opera com amparo na Lei, estando fora da esfera de arbítrio dos agentes financeiros disporem ou imporem sobre um encargo que não é seu, mas da União. 25 - A partir da leitura do contrato firmado entre as partes, verifica-se que nele se faz presente cláusula que dispõe a respeito da cobertura do saldo devedor pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, e conforme informação nos autos, o mutuário efetuou o pagamento das parcelas do financiamento contratado, ou seja, cumpriu com suas obrigações pontualmente por todo o período estipulado para quitação da dívida. 26 - A restrição de cobertura pelo FCVS de apenas um saldo devedor remanescente ao final do contrato, imposta pelo § 1º do artigo 3º da Lei nº 8100, de 05/11/90, aplica-se aos contratos firmados a partir de sua vigência, não retroagindo para alcançar contratos anteriores. 27 - Mister apontar que a Lei nº 10.150/2000, que alterou o artigo 3º da lei acima citada, ressalta a possibilidade de quitação, pelo FCVS, de mais de um saldo devedor remanescente por mutuário, relativos aos contratos anteriores a 05/12/1990. 28 - De outra parte, o § 1º do artigo 9º da Lei 4.380/64, que determina a não possibilidade de aquisição de imóvel por financiamento, pelo SFH, no caso da existência de dois imóveis na mesma localidade, nada dispõe sobre restrições à cobertura de saldo devedor residual pelo FCVS, de modo que não cabe impor aos mutuários a perda do direito de quitação da dívida pelo fundo. 29 - A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de que o artigo 9º, §1º, da Lei nº 4.380/64 não afasta a quitação de um segundo imóvel financiado pelo mutuário, situado na mesma localidade, utilizando os recursos do FCVS (REsp 1.133.769/RN submetido à sistemática dos recursos repetitivos, CPC/73 nos termos do art. 543-C do CPC/73). 30 - Ressalte-se que o agente financeiro aceitou o recebimento das prestações durante todo o período contratual e somente quando do pedido de quitação detectou a existência de outro imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação na mesma localidade. 31 - Note-se que todas as prestações pagas pelo mutuário foram acrescidas de parcela destinada ao fundo, não havendo como admitir que a instituição financeira determine a perda do direito à quitação do saldo devedor pelo fundo, como sanção frente ao não cumprimento de cláusula contratual outra, aplicação esta não prevista tanto na norma acima citada como no contrato firmado. 32 - Nesse passo, é descabido reputar válido o contrato naquilo que o agente financeiro e o fundo aproveitam, ou seja, o recebimento das prestações e das parcelas destinadas ao FCVS, respectivamente, e inválido naquilo que em hipótese lhe prejudica, ou seja, a cobertura do saldo devedor residual pelo FCVS, impondo aos mutuários a perda do direito de quitação da dívida. 33 - Diante de tal quadro, revela-se perfeitamente aplicável ao caso concreto o reconhecimento do direito dos mutuários à quitação do financiamento contratado, bem como a respectiva baixa da hipoteca incidente sobre o imóvel em questão, cabendo a restituição, pelo agente financeiro, aos apelados, do total dos valores pagos a maior até a quitação do contrato, atualizados, e, na parte que diz respeito especificamente ao FCVS, deverá ser restituído pelo gestor do fundo (CEF) ao agente financeiro do contrato. 34 - É evidente que a liberação da garantia hipotecária só se dá com o pagamento do financiamento nas formas previstas em lei, cabendo ao agente financeiro a prática de todos os atos necessários para que referida liquidação aconteça. 35 - Preliminar rejeitada. Apelação da CEF parcialmente provida. Apelações do Banco Bradesco S/A e de Dulcineia Diva Braulio Lopes e Outro improvidas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pela Caixa Econômica Federal - CEF e, no mérito, dar parcial provimento ao seu recurso de apelação e negar provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Banco Bradesco S/A e por Dulcineia Diva Braulio Lopes e Outro, mantendo, quanto ao mais, a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 10/05/2016
Data da Publicação : 18/05/2016
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1493551
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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