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Jurisprudência


TRF3 0018677-68.2014.4.03.0000 00186776820144030000

Ementa
PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CONCEPÇÃO ATUAL DO INSTITUTO. NECESSIDADE DE REPENSÁ-LO À LUZ DOS VALORES CONSTANTES DA ORDEM CONSTITUCIONAL DE 1988. IMPERATIVOS NOVOS CONTORNOS DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA NA AÇÃO PENAL Nº 937 JULGADA PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA. - Em um Estado de Direito, tal qual o configurado na República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição Federal), ganha relevante destaque compreender o conteúdo do vocábulo democracia com o objetivo de expressar o conjunto de regras que estabelece a todos, indistintamente, quem tem o poder de decisão, de que forma e em nome de qual interesse: de todos os cidadãos brasileiros. - Imbricado ao conceito democrático encontra-se o valor igualdade, que restou prestigiado pelo Poder Constituinte Originário de 1988, que o erigiu à categoria de direito individual do cidadão, com previsão na Carta Constitucional tanto no art. 5º, caput, como em seu inciso I. Importante ser dito que a igualdade em comento, de início, foi concebida como sendo a meramente formal, ou seja, a que pregava que não houvesse qualquer distinção entre as pessoas no que tange a direitos e a obrigações (1ª geração ou dimensão dos direitos fundamentais), concepção esta sufragada na literalidade dos preceitos mencionados. - Posteriormente, com a verificação de que a igualdade (até então meramente formal) não estava fazendo frente às necessidades dos cidadãos (que, por natureza, são diferentes em essência e, portanto, precisam de atuações estatais díspares), gestou-se a ideia de que tratar todos de forma equânime somente faria sentido se respeitadas as situações que os desigualavam, momento a partir do qual surgiu o conceito de igualdade material (como decorrência dos direitos fundamentais de 2ª e de 3ª gerações ou dimensões), que pode ser sintetizado na máxima segundo a qual haveria respeito à igualdade quando houvesse tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, levando em consideração, para tanto, a medida dessa desigualdade. - Essa nova concepção do valor igualdade justifica juridicamente a proteção de determinadas pessoas (ainda que sob o enfoque meramente formal houvesse inegável desigualdade) na justa medida em que elas preencheriam um discriminem que albergaria o tratamento diferenciado dispensado, tratamento este que, ao cabo, almeja promover a proteção de tais pessoas detentoras de posições jurídicas menos favorecidas. Portanto, a tutela visa igualar os que estão em posição de inferioridade. - O emprego do citado discriminem a legitimar a atuação desigualadora do princípio da isonomia sob o pálio de sua concepção material não pode ser confundido com a concessão de privilégios, que, evidentemente, não se sustenta à luz do Texto Constitucional, bem como dos fundamentos e dos objetivos da República Federativa do Brasil (arts. 1º e 3º, ambos da Constituição). Nesse contexto, situações deflagradoras de privilégios devem ser sempre e continuamente combatidas, pois não se compaginam com o conceito de democracia destacado anteriormente, ainda mais tendo em vista que todo o poder concentrado ao longo da Carta Constitucional encontra seu fundamento de validade no próprio povo. - Firmadas as concepções anteriormente delineadas do princípio da igualdade, verifica-se a ausência de legitimação a sufragar a existência de foros por prerrogativa de função a escudar as autoridades mencionadas tanto na Constituição Federal como nas Constituições dos estados federados, foros estes que, na acepção até então formada acerca da matéria, denotam o deferimento de privilégio descabido a algumas autoridades, não atentando, assim, a um discriminem razoável a permitir suas desigualações perante os demais jurisdicionados. - As autoridades com prerrogativa de foro não se enquadram no conceito de hipossuficientes a necessitarem de uma diferenciação a fim de que possam ser protegidas pelo ordenamento jurídico pátrio. Muito pelo contrário, nota-se que os titulares de cargos públicos dos quais decorrem foros por prerrogativa de função são hiperssuficientes na tutela de seus direitos e de suas posições jurídicas, de molde que não se vislumbra um critério diferenciador a sufragar a fixação de competência jurisdicional perante nossos C. Tribunais Superiores, bem como junto às E. Cortes de Justiça locais. - A previsão alargada de situações a ensejar o reconhecimento de foros por prerrogativa de função denota uma hipertrofia de proteção a determinadas pessoas (que, por natureza, já são hiperssuficientes), o que não se sustenta em um Estado de Direito (tal qual o brasileiro - vide, a propósito, o art. 1º da Constituição), ofendendo, como decorrência, o princípio maior da dignidade da pessoa humana, o qual todos os demais postulados estão a ele submetidos. Cuida-se, da forma como até recentemente vem sendo interpretado, de um instrumento que historicamente tem protegido a pessoa atrás de seu cargo. - A existência dessa hipertrofia gerou verdadeiros tribunais de exceção a impedir o exercício da competência precípua das C. Cortes (inclusive deste E. Tribunal Regional Federal), qual seja, a função de órgão revisor de provimentos judiciais. Mesmo que se entendesse que os tribunais de exceção são compatíveis com a Constituição Federal, seu funcionamento no tempo e no modo não se compagina com as expectativas legítimas da sociedade atual, pois tais instituições não mais condizem com os objetivos de nossa sociedade (especialmente aquele previsto no art. 3º, I, do Texto Magno: construção de uma sociedade livre, justa e solidária), que devem ser perseguidos por todos os Poderes institucionais (incluindo o Judiciário), que nada mais personificam do que a emanação das aspirações da vontade (poder) do povo. - A concepção até então consagrada do foro por prerrogativa de função não mais se legitima na justa medida em que não encontra fundamento de validade nas noções de igualdade e de Justiça, porquanto nelas não se funda, mas sim no arbítrio. O funcionamento do foro por prerrogativa fundado em tal concepção inadequada já é por todos percebido como um instituto de proteção e de escudo para a manutenção do status quo, sendo inferido, por vezes, como expediente espúrio de negociações políticas não republicanas das forças em disputa. - O C. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de decidir, em definitivo em 03 de maio de 2018, o real alcance do tema afeto ao foro por prerrogativa de função ao analisar a Questão de Ordem suscitada na Ação Penal nº 937, cabendo destacar que prevaleceu o posicionamento encampado no voto do Ministro Relator, Roberto Barroso, no sentido de que o alcance dado até então ao instituto deve ser revisto para o fim de não mais se permitir o julgamento de qualquer infração penal pelos Tribunais com competência penal originária, mas apenas a situações em que a infração penal tenha sido perpetrada durante o exercício do atual cargo e de forma relacionada às presentes funções desempenhadas, a fim de que seja prestigiado o livre exercício da função. - Mostra-se desnecessário aguardar a publicação do v. acórdão plasmado quando do julgamento da Questão de Ordem em referência. Isso porque o resultado de tal julgamento foi amplamente divulgado por diversos canais, em especial pelo próprio portal do E. Supremo Tribunal Federal na área de notícias, o que permite inferir os novos paradigmas vetores da interpretação do foro por prerrogativa de função tendo como base os argumentos anteriormente expostos. - A própria legislação processual civil confere força suficiente à súmula de decisão exarada em plenário para fazer às vezes do próprio acórdão em sede de apreciação de tema afeto à repercussão geral da questão constitucional a teor do comando inserto no art. 1.035, § 11, do Código de Processo Civil, disposição esta que pode (e deve) ser aplicada na senda processual penal em razão do disposto no art. 3º do Código de Processo Penal a permitir, para este caso concreto, que a veiculação ampla de notícia pelo próprio site do C. Supremo Tribunal Federal já produza o efeito necessário de publicização do entendimento então firmado sobre o assunto ora em debate. - Os Regimentos Internos dos E. Tribunais Superiores possuem disposições que dão prevalência aos entendimentos firmados oralmente em plenário em detrimento daqueles consolidados nos acórdãos ao dispor que, em havendo divergência acerca do que foi decidido, as notas taquigráficas terão o papel de solucionar a dúvida, o que reforça a predominância das discussões havidas no colegiado em face da necessidade de se aguardar a publicação da ementa da decisão. - Mostra-se de todo inadequado que este E. Tribunal Regional continue a conduzir ações penais para as quais o entendimento que se forma acerca do foro por prerrogativa de função evidencia ser ele abjeto quando praticamente irrestrito: aplicação dos princípios constitucionais da eficiência (incidente na administração pública e, portanto, ao Poder Judiciário, a exigir prestação jurisdicional de forma racional e célere com o menor dispêndio de recursos materiais e humanos), da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da Justiça social. - As instituições não são estáticas. Na verdade, são como cidades. Têm que ser descobertas, nomeadas, mapeadas e, principalmente, aperfeiçoadas. É pelos olhos das instituições que o Direito é revelado. É pelo olhar dos outros que as instituições são reconhecidas. E hoje as pessoas mais que inferem, constatam, essa necessidade de aperfeiçoamento. Como cidades, as instituições (e seus institutos) devem constituir um mundo em que as pessoas de bem desejam habitar e transformar em lar e, nesse contexto, não há espaço para o foro por prerrogativa de função nos moldes até recentemente tratado porquanto sucumbida sua legitimidade. - O entendimento ora esboçado não ofende o art. 97 da Constituição Federal, nem o teor da Súmula Vinculante 10/STF, na justa medida em que não se está reconhecendo inconstitucionalidade, mas, tão somente, sendo dada interpretação sistemática ao foro por prerrogativa de função com base em posicionamento sufragado pelo C. Pretório Excelso acerca do tema. Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal. - Negado provimento aos Agravos Regimentais interpostos tanto por JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA como pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, de molde a manter o DECLÍNIO da competência para o tramitar do presente feito, devendo os autos ser REMETIDOS À 11ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE MARÍLIA/SP a fim de que sejam distribuídos a uma Vara com competência criminal.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO aos Agravos Regimentais interpostos tanto por JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA como pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 16/08/2018
Data da Publicação : 24/08/2018
Classe/Assunto : IP - INQUÉRITO POLICIAL - 1313
Órgão Julgador : QUARTA SEÇÃO
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-1 ART-3 INC-1 ***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ***** STFV SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LEG-FED SUV-10
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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