TRF3 0021589-13.2010.4.03.6100 00215891320104036100
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE
PERSEGUIÇÃO POLÍTICA DURANTE O REGIME AUTORITÁRIO. AFASTADA A EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO: DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO
PERANTE A COMISSÃO DE ANISTIA. APLICAÇÃO EX OFFICIO DO ART. 515, § 3º
DO CPC/1973 (POSSIBILIDADE CONFORME JURISPRUDÊNCIA DO STJ). INOCORRÊNCIA
DE PRESCRIÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA COMPLETA ACERCA DAS CAUSAE
PETENDI. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. Trata-se de ação proposta em 25/10/2010 onde SILVIO DEL MATTO
busca a condenação da UNIÃO FEDERAL ao pagamento de indenização por
danos materiais e morais em razão da perseguição política sofrida em
decorrência do golpe militar de 1964, em valor a ser arbitrado pelo Juízo,
não inferior ao teto do valor pago a título de aposentadoria por tempo de
trabalho pelo INSS. Alega que era estudante de Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e, em decorrência do regime militar,
foi preso pela primeira vez em 20/9/1966, torturado e teve seu futuro
profissional destruído. Afirma que ficou aproximadamente mais de 1 (um)
mês preso, não sabendo precisar a data de saída, sendo que nesse período
sofreu torturas emocionais (ameaça de desaparecimento, de castração, de
agressão aos seus familiares, dentre outras) e físicas (em uma das ferozes
agressões veio a perder os dentes). Após essa prisão fugiu para Juiz de
Fora e, posteriormente, para o Rio de Janeiro, vindo a ser preso novamente
na década de 1970, ocasião em que trabalhava como relações públicas
na Editora Abril e não militava mais politicamente. A empresa empregadora
interviu; contudo, foi demitido, tendo que fugir para outra cidade porque as
perseguições e ameaças não cessaram. Narra que, ao todo, foram 3 (três)
prisões, sendo que em todas elas não lhe foram fornecidos documentos que
comprovariam as informações registradas, além de todos os seus prontuários
terem sido encaminhados para o serviço secreto do Exército. Assevera
que diante dos sofrimentos pelos quais passou não conseguiu concluir seu
curso universitário, foi demitido várias vezes ao argumento de que era
comunista, não se firmou em trabalho algum, transformando-se em um adulto
alcoólatra, recebendo a mísera aposentadoria de 1 (um) salário mínimo
por não conseguir comprovar os antigos vínculos trabalhistas (já que numa
das prisões sumiram com seus documentos, inclusive a CTPS).
2. No cenário dos autos, afasta-se qualquer eiva de ausência de interesse de
agir, pois para postular em Juízo indenização por danos morais decorrentes
de perseguição política ocorrida durante o regime autoritário, o
interessado não precisa primeiro se dirigir a Comissão da Anistia, nem
se submete ao que for decidido nos termos da Lei nº 10.559/2002 ou da Lei
Estadual nº 10.726/2001, que obviamente não poderiam impedir o acesso
ao Judiciário. Trata-se de simples observância do art. 5º, XXXV, da CF
(AGARESP 217998, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA,
DJe 24/09/2012 - AgRg no REsp 1190977, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, DJe 28/09/2010). Aliás, ainda, mesmo que a pessoa tenha
recebido alguma indenização cogitada pelas Leis de números 10.559/2002 e
10.726/2001 (estadual) - o que não foi o caso do autor - não fica inibida
de buscar a reparação pela dor moral oriunda de perseguições políticas
que infernizaram sua vida; é que tais indenizações, embora oriundas do
mesmo fato - perseguição política - têm naturezas distintas.
3. Possibilidade de julgamento consoante disposto no artigo 515, § 3º do
CPC/1973 (atual artigo 1.013, § 3º, I do CPC/15). Precedente desta Corte: AC
0036802-70.2008.4.03.9999, DÉCIMA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON
PORFIRIO, j. 23/8/2016, e-DJF3 31/8/2016. No STJ: AgInt no AREsp 850.916/SP,
Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe
15/04/2016; AgRg no REsp 1086080/AL, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013.
4. Não há que se cogitar da prescrição nos casos de indenizações por
perseguições ao tempo do período autoritário. Afirmar-se que o Decreto
n° 20.910/32 deve incidir em favor da União e dos Estados Federados onde
houve perseguição política promovida por agentes oficiais e extra-oficiais
agregados ao regime autoritário que vigorou entre nós a partir de 31/3/1964,
é fazer pouco caso da História, é optar pelo juridiquês em desfavor da
Justiça, é tripudiar sobre aqueles que em determinado momento histórico
tiveram suas vidas - e das suas famílias e amigos - atrapalhadas por
ações contrárias muitas vezes até ao direito de exceção que vigeu
com força naquele período. Ora, com o Judiciário cabrestado, advogados
ameaçados e os cidadãos amedrontados pelas leis de segurança nacional
e pelos órgãos militares, paramilitares e policiais de repressão, é
óbvio que a liberdade de acesso aos mecanismos da Justiça era nenhuma. A
propósito, no âmbito do STJ compreende-se pela imprescritibilidade das
ações tendentes ao reconhecimento de indenizações por danos materiais e
morais decorrentes de atos perpetrados pelos agentes do Estado e outros que
a eles buscavam se equiparar, ocorridos na vigência do regime autoritário
(1964/1979), diante da supremacia dos direitos fundamentais. Nesse sentido
segue a jurisprudência do STJ (AgRg no Ag 1392493/RJ, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011).
5. O documento do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS/Departamento
de Investigações/Serviço de Identificação (Registro Geral) dá conta
da prisão do autor, então com 24 anos de idade, em 20/9/1966, quando
participava de passeata estudantil realizada em São Paulo e proibida pelo
Senhor Secretário da Segurança Pública (fls. 24/26). Isso é o que existe
de relevante nos autos. .
6. Não obstante naquela época o regime autoritário se caracterizasse
pela a adoção de sevícias, é certo que não consta dos autos nenhuma
comprovação das múltiplas detenções que o autor alega ter sofrido,
tampouco dos locais e do lapso temporal em que - segundo ele - foi mantido
no cárcere; não existe qualquer prova das mudanças de domicílio que ele
- segundo diz na inicial - teria sido forçado a empreender por conta de
constante perseguição política; nada existe sobre vínculos empregatícios
e supsotas demissões aventadas por ter sido alcunhado de comunista; enfim,
não há vestígio de prova do alcoolismo de que o autor teria sido acometido
por conta das agressões e perseguições, e menos ainda da aposentadoria
ínfima que diz auferir.
7. Pedido improcedente no mérito.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE
PERSEGUIÇÃO POLÍTICA DURANTE O REGIME AUTORITÁRIO. AFASTADA A EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO: DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO
PERANTE A COMISSÃO DE ANISTIA. APLICAÇÃO EX OFFICIO DO ART. 515, § 3º
DO CPC/1973 (POSSIBILIDADE CONFORME JURISPRUDÊNCIA DO STJ). INOCORRÊNCIA
DE PRESCRIÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA COMPLETA ACERCA DAS CAUSAE
PETENDI. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. Trata-se de ação proposta em 25/10/2010 onde SILVIO DEL MATTO
busca a condenação da UNIÃO FEDERAL ao pagamento de indenização por
danos materiais e morais em razão da perseguição política sofrida em
decorrência do golpe militar de 1964, em valor a ser arbitrado pelo Juízo,
não inferior ao teto do valor pago a título de aposentadoria por tempo de
trabalho pelo INSS. Alega que era estudante de Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e, em decorrência do regime militar,
foi preso pela primeira vez em 20/9/1966, torturado e teve seu futuro
profissional destruído. Afirma que ficou aproximadamente mais de 1 (um)
mês preso, não sabendo precisar a data de saída, sendo que nesse período
sofreu torturas emocionais (ameaça de desaparecimento, de castração, de
agressão aos seus familiares, dentre outras) e físicas (em uma das ferozes
agressões veio a perder os dentes). Após essa prisão fugiu para Juiz de
Fora e, posteriormente, para o Rio de Janeiro, vindo a ser preso novamente
na década de 1970, ocasião em que trabalhava como relações públicas
na Editora Abril e não militava mais politicamente. A empresa empregadora
interviu; contudo, foi demitido, tendo que fugir para outra cidade porque as
perseguições e ameaças não cessaram. Narra que, ao todo, foram 3 (três)
prisões, sendo que em todas elas não lhe foram fornecidos documentos que
comprovariam as informações registradas, além de todos os seus prontuários
terem sido encaminhados para o serviço secreto do Exército. Assevera
que diante dos sofrimentos pelos quais passou não conseguiu concluir seu
curso universitário, foi demitido várias vezes ao argumento de que era
comunista, não se firmou em trabalho algum, transformando-se em um adulto
alcoólatra, recebendo a mísera aposentadoria de 1 (um) salário mínimo
por não conseguir comprovar os antigos vínculos trabalhistas (já que numa
das prisões sumiram com seus documentos, inclusive a CTPS).
2. No cenário dos autos, afasta-se qualquer eiva de ausência de interesse de
agir, pois para postular em Juízo indenização por danos morais decorrentes
de perseguição política ocorrida durante o regime autoritário, o
interessado não precisa primeiro se dirigir a Comissão da Anistia, nem
se submete ao que for decidido nos termos da Lei nº 10.559/2002 ou da Lei
Estadual nº 10.726/2001, que obviamente não poderiam impedir o acesso
ao Judiciário. Trata-se de simples observância do art. 5º, XXXV, da CF
(AGARESP 217998, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA,
DJe 24/09/2012 - AgRg no REsp 1190977, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, DJe 28/09/2010). Aliás, ainda, mesmo que a pessoa tenha
recebido alguma indenização cogitada pelas Leis de números 10.559/2002 e
10.726/2001 (estadual) - o que não foi o caso do autor - não fica inibida
de buscar a reparação pela dor moral oriunda de perseguições políticas
que infernizaram sua vida; é que tais indenizações, embora oriundas do
mesmo fato - perseguição política - têm naturezas distintas.
3. Possibilidade de julgamento consoante disposto no artigo 515, § 3º do
CPC/1973 (atual artigo 1.013, § 3º, I do CPC/15). Precedente desta Corte: AC
0036802-70.2008.4.03.9999, DÉCIMA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON
PORFIRIO, j. 23/8/2016, e-DJF3 31/8/2016. No STJ: AgInt no AREsp 850.916/SP,
Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe
15/04/2016; AgRg no REsp 1086080/AL, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013.
4. Não há que se cogitar da prescrição nos casos de indenizações por
perseguições ao tempo do período autoritário. Afirmar-se que o Decreto
n° 20.910/32 deve incidir em favor da União e dos Estados Federados onde
houve perseguição política promovida por agentes oficiais e extra-oficiais
agregados ao regime autoritário que vigorou entre nós a partir de 31/3/1964,
é fazer pouco caso da História, é optar pelo juridiquês em desfavor da
Justiça, é tripudiar sobre aqueles que em determinado momento histórico
tiveram suas vidas - e das suas famílias e amigos - atrapalhadas por
ações contrárias muitas vezes até ao direito de exceção que vigeu
com força naquele período. Ora, com o Judiciário cabrestado, advogados
ameaçados e os cidadãos amedrontados pelas leis de segurança nacional
e pelos órgãos militares, paramilitares e policiais de repressão, é
óbvio que a liberdade de acesso aos mecanismos da Justiça era nenhuma. A
propósito, no âmbito do STJ compreende-se pela imprescritibilidade das
ações tendentes ao reconhecimento de indenizações por danos materiais e
morais decorrentes de atos perpetrados pelos agentes do Estado e outros que
a eles buscavam se equiparar, ocorridos na vigência do regime autoritário
(1964/1979), diante da supremacia dos direitos fundamentais. Nesse sentido
segue a jurisprudência do STJ (AgRg no Ag 1392493/RJ, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011).
5. O documento do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS/Departamento
de Investigações/Serviço de Identificação (Registro Geral) dá conta
da prisão do autor, então com 24 anos de idade, em 20/9/1966, quando
participava de passeata estudantil realizada em São Paulo e proibida pelo
Senhor Secretário da Segurança Pública (fls. 24/26). Isso é o que existe
de relevante nos autos. .
6. Não obstante naquela época o regime autoritário se caracterizasse
pela a adoção de sevícias, é certo que não consta dos autos nenhuma
comprovação das múltiplas detenções que o autor alega ter sofrido,
tampouco dos locais e do lapso temporal em que - segundo ele - foi mantido
no cárcere; não existe qualquer prova das mudanças de domicílio que ele
- segundo diz na inicial - teria sido forçado a empreender por conta de
constante perseguição política; nada existe sobre vínculos empregatícios
e supsotas demissões aventadas por ter sido alcunhado de comunista; enfim,
não há vestígio de prova do alcoolismo de que o autor teria sido acometido
por conta das agressões e perseguições, e menos ainda da aposentadoria
ínfima que diz auferir.
7. Pedido improcedente no mérito.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, afastar a extinção do processo sem julgamento de mérito
por falta de interesse processual e, com fulcro no artigo 515, § 3º do
CPC/1973 (atual artigo 1.013, § 3º, I do CPC/2015), julgar improcedente o
pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
15/12/2016
Data da Publicação
:
11/01/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1711970
Órgão Julgador
:
SEXTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/01/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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