TRF3 0021921-14.2009.4.03.6100 00219211420094036100
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL
E APELAÇÃO. TRATAMENTO MÉDICO. TRIAGEM NEONATAL. TESTE DO
PEZINHO. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE FIBROSE CÍSTICA. AGRAVO RETIDO DA
MUNICIPALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. AGRAVO RETIDO
DA UNIÃO. CONHECIMENTO EM PARTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA
FEDERAÇÃO. LEGITMIDADE PASSIVA. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. PERDA DE
OBJETO. COISA JULGADA E NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO COMPROVAÇÃO. PRELIMINARES
REJEITADAS. DIREITO AO LIVRE ACESSO À JUSTIÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO DE SAÚDE. PREVISÃO LEGAL. PORTARIA GM/MS Nº 822/01. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. NÃO INCIDÊNCIA. REMESSA OFICIAL E RECURSOS DESPROVIDOS.
- Descabida a alegação de ilegitimidade passiva dos entes públicos,
à vista de que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Suspensão de Segurança nº 3.355-AgR/RN, adotou entendimento no sentido
de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever
fundamental de prestação de saúde é solidária (AI nº 808.059 AgR,
Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010,
DJe de 01/02/2011). Ademais, da conjugação dos artigos 23, inciso II, e 196
a 200 da Constituição Federal decorre que o direito à saúde é de todos
os cidadãos e dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em
consequência, a corte máxima assentou que a responsabilidade é dos entes
mencionados (RE nº 195.192/RS).
- Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal
a fim de que "a União, o Estado de São Paulo e a Municipalidade de São Paulo
sejam condenados, de forma solidária, a realizar a triagem neonatal para o
diagnóstico da Fibrose Cística em todos os recém-nascidos vivos no Estado de
São Paulo, bem como ao fornecimento gratuito de todo e qualquer medicamento,
insumos e à prestação do adequado atendimento médico e ao custeio de
toda e qualquer despesa, ainda que os respectivos insumos e medicamentos
tenham de ser importados, de forma que possa atender às reais necessidades
das pessoas portadoras de Fibrose Cística" e "serem condenados a publicar a
sentença definitiva a ser proferida nos presentes autos nos jornais de maior
circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados,
sendo um deles domingo" (fls. 55/56). Conforme ficou demonstrado o teste
do pezinho relativo ao diagnóstico da fibrose cística, exame necessário
para diagnóstico da referida doença, à época da propositura da ação,
não estava sendo realizado na rede pública do Estado de São Paulo, embora
estivesse previsto na Portaria GM/MS nº 822/01. Assim, restou caracterizada
a presença do interesse de agir e a necessidade de propositura da presente
demanda, pois o autor não teve outra saída a não ser socorrer-se do Poder
Judiciário para obtenção cumprimento da citada norma, em decorrência do
direito ao livre acesso à justiça, tratado nos artigos 5º, inciso XXXV,
129, inciso III, da Constituição Federal e para consagração do direito à
saúde dos recém-nascidos, previstos nos artigos 194, inciso I, 196 a 200
e 227 da Constituição Federal, 2º, 4º e 7º da Lei nº 8.080/90, 4º,
5º, 7º, 10, inciso III e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente e na
Portaria GM/MS nº 822/01. De outro lado, ausente a implantação da fase
três mencionada na portaria ministerial, não há que se falar em perda
de objeto nem em extinção do feito nos moldes do artigo 267, inciso VI,
do Código de Processo Civil de 1973.
- De acordo com os documentos acostados aos autos, o Processo nº
304.942-5/3-00, que tramitou perante a 8ª Vara da Fazenda Pública Estadual,
não transitou em julgado, visto que foi apresentado agravo contra despacho
denegatório de recurso excepcional. De outro lado, o apelante não carreou
aos autos cópia integral da petição inicial da referida ação a fim de
que seja examinada a identidade de pedidos, porquanto o documento juntado
está incompleto (falta justamente a folha relativa ao pedido), de modo que
não se pode definir qual o pleito em sua integralidade formulado na citada
demanda. Ainda que assim não fosse, parte do pleito da Ação Civil Pública
de nº 304.942-5/3-00 trata de fornecimento de medicamentos específicos ao
passo que na presente se pleiteia a implantação e realização de triagem
neonatal em recém-nascidos vivos mediante a realização do teste do pezinho
para diagnóstico e tratamento de fibrose cística, com fornecimento de
medicamento para combate da doença, sendo, portanto, diversos os objetos
do pedido. De outro lado, as partes autoras também diferem, visto que
aquela demanda foi ajuizada pelo Ministério Público Estadual e esta
pelo Ministério Público Federal. Assim, ausentes identidades de partes
e de pedido, não há que se falar em litispendência nem em extinção do
processo sem resolução do mérito, nos moldes do disposto no artigo 269,
inciso V, c/c artigo 301 do Código de Processo Civil de 1973.
- O pedido foi concedido em sua integralidade, de modo que não há que se
falar em nulidade da sentença por violação do artigo 460 do Código de
Processo Civil de 1973.
- Quanto à alegação de que a sentença é genérica, visto que não definiu
qual medicamento deve ser fornecido, em desrespeito ao disposto nos artigos
286 e 290 do Diploma Processual Civil de 1973 e 37, caput, da Constituição
Federal, também não assiste razão ao apelante. a identificação dos
medicamentos e dos insumos necessários ao tratamento da fibrose cística
deve ser feita pelo profissional da saúde após o diagnóstico da doença.
- De acordo com o artigo 523 do Código de Processo Civil de 1973, cabe ao
agravante requerer que seja conhecido o agravo retido nas razões da apelação
ou na sua resposta. In casu, verifica-se que foram interpostos agravos de
instrumento pela União e pelo Município da São Paulo contra decisão que
deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, os quais foram convertidos em
retido. Entretanto, a Municipalidade não pleiteou o exame do seu recurso em
sua peça recursal, tampouco pleiteia seu conhecimento, e a fazenda federal
requereu o exame do seu somente no tocante às preliminares. Desse modo,
o agravo retido do Município não deve ser conhecido e o da União deve ser
conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido em razão da rejeição
de citadas questões, nos moldes anteriormente explicitados.
- Os direitos da gestante à realização de exames pré-natal, perinatal e
pós-natal integral e do nascituro e do recém nascido à vida com saúde,
isto é, à todo tipo de exame, diagnóstico, medicamentos, ações e
programas com prioridade decorrem dos deveres impostos à União, Estado,
Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso II, 196 a 200
e 208 da Lei Maior na realização do direito constitucional à saúde. As
normas legais (Lei n.º 8.080/90, arts. 7º a 9º e 16 a 18, Portarias GM/MS
nº 22/90 e nº 822/01) devem ser interpretadas em conformidade com as normas
constitucionais referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental
à saúde dos cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a previsão em
citadas normas de realização da triagem neonatal existe como dever aos
entes estatais para o estabelecimento de uma política de saúde consistente,
o que não exclui que outros programas sejam estabelecidos para assistir
aqueles que forem diagnosticados com fibrose cística em obediência ao
comando de acesso à saúde. A reserva do possível, o denominado "mínimo
existencial", no qual se incluem os direitos individuais e coletivos à vida
e à saúde e que se apresenta com as características da integridade e da
intangibilidade, e alegações genéricas, sem demonstração objetiva, no
sentido da inexistência de recursos ou de previsão orçamentária não são
capazes de frustrar a preservação e o atendimento, em favor dos indivíduos,
de condições mínimas de existência, saúde e dignidade. Note-se que é
notória a necessidade da manutenção do tratamento, de modo que não há
que se falar em violação aos princípios da igualdade, da eficiência, da
isonomia e da impessoalidade (LRF, art. 17). Ademais, o Estado não pode se
esquivar de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais por razões
de ordem financeira, mormente porque o legislador ordinário estabeleceu
no § 5º da Lei nº 8.069/90 a dotação prioritária de recursos para
efetivação do direito à saúde e para implementação de ações, serviços
e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas famílias,
em obediência ao disposto no artigo 227 da Carta Política. No caso dos
autos, ficou demonstrado que as Leis nº 8.069/90 e 8.080/90 e as Portarias
GM/MS nº 22/90, nº 822/01 e 23/2010 determinaram aos hospitais públicos,
particulares e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes
que procedessem à realização do exame para diagnóstico de anormalidades
no metabolismo dos recém-nascidos, bem como seu tratamento. Entretanto,
restou comprovado que o teste do pezinho relativo ao diagnóstico da fibrose
cística, exame necessário para diagnóstico da referida doença, não
foi implementado na rede pública de saúde do Estado de São Paulo. Dessa
forma, revelada a morosidade dos entes públicos na implantação Programa
Nacional de Triagem Neonatal - Teste do Pezinho - com realização do exame
para diagnóstico da fibrose cística, de rigor a manutenção da sentença
no tópico que condenou os réus na obrigação de fazer consistente na
implementação do citado programa.
- Quanto ao pleito de publicação da decisão final desta demanda em
jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em
três dias alternados, sendo um deles no domingo, note-se ser necessária a
manutenção do deferimento do pedido, a fim de que seja dada publicidade
às gestantes e à população em geral do cumprimento de uma obrigação
legalmente imposta, com divulgação do acesso aos medicamentos indicados
para tratamento da fibrose cística, bem como para que sejam conscientizados
sobre a importância do diagnóstico precoce por meio da realização da
triagem neonatal com disponibilização de atendimento médico adequado aos
recém-nascidos vivos e suas famílias.
- Nos casos de liminar e de concessão de pedido de obrigação de fazer
ou não fazer, poderá o magistrado arbitrar multa diária para assegurar o
cumprimento da decisão. Note-se que o meio de coação mais comum e eficaz
é a imposição de pena pecuniária por dia de descumprimento, para que
seja alcançada a efetivação da tutela específica, podendo ser imposto
inclusive aos entes públicos. Ademais, a multa somente será exigível após
o trânsito em julgado do decisum, mas será devida desde o dia em que restou
configurada mora no adimplemento da obrigação. Ressalta-se que a penalidade
imposta não viola o disposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal
tampouco acarretará dano irreparável aos réus, mormente porque o montante
fixado, R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento não se mostra
excessivo e atende o princípio da razoabilidade.
- Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, ex vi do
disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, consoante estabelecido na sentença,
e à vista de ausência de recurso da parte autora.
- Agravo retido da Municipalidade não conhecido e da União conhecido em
parte e, na parte conhecida, desprovido. Preliminares rejeitadas. Remessa
oficial e apelações desprovidas.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL
E APELAÇÃO. TRATAMENTO MÉDICO. TRIAGEM NEONATAL. TESTE DO
PEZINHO. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE FIBROSE CÍSTICA. AGRAVO RETIDO DA
MUNICIPALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. AGRAVO RETIDO
DA UNIÃO. CONHECIMENTO EM PARTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA
FEDERAÇÃO. LEGITMIDADE PASSIVA. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. PERDA DE
OBJETO. COISA JULGADA E NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO COMPROVAÇÃO. PRELIMINARES
REJEITADAS. DIREITO AO LIVRE ACESSO À JUSTIÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO DE SAÚDE. PREVISÃO LEGAL. PORTARIA GM/MS Nº 822/01. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. NÃO INCIDÊNCIA. REMESSA OFICIAL E RECURSOS DESPROVIDOS.
- Descabida a alegação de ilegitimidade passiva dos entes públicos,
à vista de que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Suspensão de Segurança nº 3.355-AgR/RN, adotou entendimento no sentido
de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever
fundamental de prestação de saúde é solidária (AI nº 808.059 AgR,
Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010,
DJe de 01/02/2011). Ademais, da conjugação dos artigos 23, inciso II, e 196
a 200 da Constituição Federal decorre que o direito à saúde é de todos
os cidadãos e dever da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em
consequência, a corte máxima assentou que a responsabilidade é dos entes
mencionados (RE nº 195.192/RS).
- Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal
a fim de que "a União, o Estado de São Paulo e a Municipalidade de São Paulo
sejam condenados, de forma solidária, a realizar a triagem neonatal para o
diagnóstico da Fibrose Cística em todos os recém-nascidos vivos no Estado de
São Paulo, bem como ao fornecimento gratuito de todo e qualquer medicamento,
insumos e à prestação do adequado atendimento médico e ao custeio de
toda e qualquer despesa, ainda que os respectivos insumos e medicamentos
tenham de ser importados, de forma que possa atender às reais necessidades
das pessoas portadoras de Fibrose Cística" e "serem condenados a publicar a
sentença definitiva a ser proferida nos presentes autos nos jornais de maior
circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados,
sendo um deles domingo" (fls. 55/56). Conforme ficou demonstrado o teste
do pezinho relativo ao diagnóstico da fibrose cística, exame necessário
para diagnóstico da referida doença, à época da propositura da ação,
não estava sendo realizado na rede pública do Estado de São Paulo, embora
estivesse previsto na Portaria GM/MS nº 822/01. Assim, restou caracterizada
a presença do interesse de agir e a necessidade de propositura da presente
demanda, pois o autor não teve outra saída a não ser socorrer-se do Poder
Judiciário para obtenção cumprimento da citada norma, em decorrência do
direito ao livre acesso à justiça, tratado nos artigos 5º, inciso XXXV,
129, inciso III, da Constituição Federal e para consagração do direito à
saúde dos recém-nascidos, previstos nos artigos 194, inciso I, 196 a 200
e 227 da Constituição Federal, 2º, 4º e 7º da Lei nº 8.080/90, 4º,
5º, 7º, 10, inciso III e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente e na
Portaria GM/MS nº 822/01. De outro lado, ausente a implantação da fase
três mencionada na portaria ministerial, não há que se falar em perda
de objeto nem em extinção do feito nos moldes do artigo 267, inciso VI,
do Código de Processo Civil de 1973.
- De acordo com os documentos acostados aos autos, o Processo nº
304.942-5/3-00, que tramitou perante a 8ª Vara da Fazenda Pública Estadual,
não transitou em julgado, visto que foi apresentado agravo contra despacho
denegatório de recurso excepcional. De outro lado, o apelante não carreou
aos autos cópia integral da petição inicial da referida ação a fim de
que seja examinada a identidade de pedidos, porquanto o documento juntado
está incompleto (falta justamente a folha relativa ao pedido), de modo que
não se pode definir qual o pleito em sua integralidade formulado na citada
demanda. Ainda que assim não fosse, parte do pleito da Ação Civil Pública
de nº 304.942-5/3-00 trata de fornecimento de medicamentos específicos ao
passo que na presente se pleiteia a implantação e realização de triagem
neonatal em recém-nascidos vivos mediante a realização do teste do pezinho
para diagnóstico e tratamento de fibrose cística, com fornecimento de
medicamento para combate da doença, sendo, portanto, diversos os objetos
do pedido. De outro lado, as partes autoras também diferem, visto que
aquela demanda foi ajuizada pelo Ministério Público Estadual e esta
pelo Ministério Público Federal. Assim, ausentes identidades de partes
e de pedido, não há que se falar em litispendência nem em extinção do
processo sem resolução do mérito, nos moldes do disposto no artigo 269,
inciso V, c/c artigo 301 do Código de Processo Civil de 1973.
- O pedido foi concedido em sua integralidade, de modo que não há que se
falar em nulidade da sentença por violação do artigo 460 do Código de
Processo Civil de 1973.
- Quanto à alegação de que a sentença é genérica, visto que não definiu
qual medicamento deve ser fornecido, em desrespeito ao disposto nos artigos
286 e 290 do Diploma Processual Civil de 1973 e 37, caput, da Constituição
Federal, também não assiste razão ao apelante. a identificação dos
medicamentos e dos insumos necessários ao tratamento da fibrose cística
deve ser feita pelo profissional da saúde após o diagnóstico da doença.
- De acordo com o artigo 523 do Código de Processo Civil de 1973, cabe ao
agravante requerer que seja conhecido o agravo retido nas razões da apelação
ou na sua resposta. In casu, verifica-se que foram interpostos agravos de
instrumento pela União e pelo Município da São Paulo contra decisão que
deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, os quais foram convertidos em
retido. Entretanto, a Municipalidade não pleiteou o exame do seu recurso em
sua peça recursal, tampouco pleiteia seu conhecimento, e a fazenda federal
requereu o exame do seu somente no tocante às preliminares. Desse modo,
o agravo retido do Município não deve ser conhecido e o da União deve ser
conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido em razão da rejeição
de citadas questões, nos moldes anteriormente explicitados.
- Os direitos da gestante à realização de exames pré-natal, perinatal e
pós-natal integral e do nascituro e do recém nascido à vida com saúde,
isto é, à todo tipo de exame, diagnóstico, medicamentos, ações e
programas com prioridade decorrem dos deveres impostos à União, Estado,
Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso II, 196 a 200
e 208 da Lei Maior na realização do direito constitucional à saúde. As
normas legais (Lei n.º 8.080/90, arts. 7º a 9º e 16 a 18, Portarias GM/MS
nº 22/90 e nº 822/01) devem ser interpretadas em conformidade com as normas
constitucionais referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental
à saúde dos cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a previsão em
citadas normas de realização da triagem neonatal existe como dever aos
entes estatais para o estabelecimento de uma política de saúde consistente,
o que não exclui que outros programas sejam estabelecidos para assistir
aqueles que forem diagnosticados com fibrose cística em obediência ao
comando de acesso à saúde. A reserva do possível, o denominado "mínimo
existencial", no qual se incluem os direitos individuais e coletivos à vida
e à saúde e que se apresenta com as características da integridade e da
intangibilidade, e alegações genéricas, sem demonstração objetiva, no
sentido da inexistência de recursos ou de previsão orçamentária não são
capazes de frustrar a preservação e o atendimento, em favor dos indivíduos,
de condições mínimas de existência, saúde e dignidade. Note-se que é
notória a necessidade da manutenção do tratamento, de modo que não há
que se falar em violação aos princípios da igualdade, da eficiência, da
isonomia e da impessoalidade (LRF, art. 17). Ademais, o Estado não pode se
esquivar de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais por razões
de ordem financeira, mormente porque o legislador ordinário estabeleceu
no § 5º da Lei nº 8.069/90 a dotação prioritária de recursos para
efetivação do direito à saúde e para implementação de ações, serviços
e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas famílias,
em obediência ao disposto no artigo 227 da Carta Política. No caso dos
autos, ficou demonstrado que as Leis nº 8.069/90 e 8.080/90 e as Portarias
GM/MS nº 22/90, nº 822/01 e 23/2010 determinaram aos hospitais públicos,
particulares e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes
que procedessem à realização do exame para diagnóstico de anormalidades
no metabolismo dos recém-nascidos, bem como seu tratamento. Entretanto,
restou comprovado que o teste do pezinho relativo ao diagnóstico da fibrose
cística, exame necessário para diagnóstico da referida doença, não
foi implementado na rede pública de saúde do Estado de São Paulo. Dessa
forma, revelada a morosidade dos entes públicos na implantação Programa
Nacional de Triagem Neonatal - Teste do Pezinho - com realização do exame
para diagnóstico da fibrose cística, de rigor a manutenção da sentença
no tópico que condenou os réus na obrigação de fazer consistente na
implementação do citado programa.
- Quanto ao pleito de publicação da decisão final desta demanda em
jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em
três dias alternados, sendo um deles no domingo, note-se ser necessária a
manutenção do deferimento do pedido, a fim de que seja dada publicidade
às gestantes e à população em geral do cumprimento de uma obrigação
legalmente imposta, com divulgação do acesso aos medicamentos indicados
para tratamento da fibrose cística, bem como para que sejam conscientizados
sobre a importância do diagnóstico precoce por meio da realização da
triagem neonatal com disponibilização de atendimento médico adequado aos
recém-nascidos vivos e suas famílias.
- Nos casos de liminar e de concessão de pedido de obrigação de fazer
ou não fazer, poderá o magistrado arbitrar multa diária para assegurar o
cumprimento da decisão. Note-se que o meio de coação mais comum e eficaz
é a imposição de pena pecuniária por dia de descumprimento, para que
seja alcançada a efetivação da tutela específica, podendo ser imposto
inclusive aos entes públicos. Ademais, a multa somente será exigível após
o trânsito em julgado do decisum, mas será devida desde o dia em que restou
configurada mora no adimplemento da obrigação. Ressalta-se que a penalidade
imposta não viola o disposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal
tampouco acarretará dano irreparável aos réus, mormente porque o montante
fixado, R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento não se mostra
excessivo e atende o princípio da razoabilidade.
- Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, ex vi do
disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, consoante estabelecido na sentença,
e à vista de ausência de recurso da parte autora.
- Agravo retido da Municipalidade não conhecido e da União conhecido em
parte e, na parte conhecida, desprovido. Preliminares rejeitadas. Remessa
oficial e apelações desprovidas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, não conhecer do agravo retido do Município de São Paulo,
conhecer em parte e, na parte conhecida, negar provimento ao agravo retido da
União, rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento às apelações e
à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
17/10/2018
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1650634
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-23 INC-2 ART-5 INC-35 ART-129 INC-3 ART-194 INC-1
ART-196 ART-200 ART-227 ART-37 ART-6 ART-23 INC-2 ART-208 ART-227
LEG-FED PRT-822 ANO-2001
MS
LEG-FED LEI-8080 ANO-1990 ART-2 ART-4 ART-7 ART-8 ART-9 ART-16 ART-17
ART-18
***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-4 ART-5 ART-7 ART-10 INC-3 ART-11
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-267 INC-6 ART-269 INC-5 ART-301 ART-460
ART-286 ART-290 ART-523
LEG-FED PRT-22 ANO-1990
MS
LEG-FED PRT-23 ANO-2010
MS
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-18
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2018
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