TRF3 0022538-72.2013.4.03.9999 00225387220134039999
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.742/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS
FATORES. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS
DE PROVA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - O exame médico pericial de fls. 125/130, realizado em 18 de julho de 2014,
diagnosticou a demandante como "portadora de desenvolvimento mental incompleto
(critério biológico)" e "desenvolvimento mental grave compatível com
retardo mental grave CID F-72, condição que a torna totalmente dependente
de terceiros, diuturnamente, para sua sobrevivência". Apontou o experto que
a autora emite sons (grunhidos) ininteligíveis e que o quadro apresentado
é irreversível, dentro dos conhecimentos atuais da medicina, estando as
funções psíquicas comprometidas globalmente. Concluiu o perito que a
paciente possui um "quadro psicopatológico que a incapacita definitivamente
para os atos da vida civil". Observa-se que além do laudo pericial, há
nos autos atestados médicos onde consta que a autora ostenta deficiência
mental e que frequenta a APAE - Associação de pais e amigos dos excepcionais
(fls. 15/16).
7 - No caso, constata-se que há limitações do desempenho de atividade e
restrição da participação social, eis que a autora, de tenra idade (07 anos
na data do laudo), não conhece o alfabeto, não conhece números e apenas
emites sons ininteligíveis, sendo ausente a linguagem oral (fl. 126). Tais
circunstâncias, ao meu sentir, são suficientes para deixar evidente que
ela não se encontra em condições de igualdade com as demais crianças da
sua idade.
8 - O estudo social realizado em 24 de setembro de 2012 (fls. 55/56) informou
ser o núcleo familiar composto por seis pessoas: a autora, seus genitores
e três irmãos menores de idade (Francielle - 08 anos, Marcelo - 07 anos e
Nicolas - 02 anos), os quais residem em casa alugada, com três cômodos. A
assistente social esclarece que a residência possui três cômodos e está
em precárias condições de uso. É composta por "poucos móveis, simples,
compatíveis com a situação apresentada". A demandante frequenta a APAE,
começou a andar com 03 (três) anos, não fala e, segundo a genitora,
usa fraldas descartáveis. Os menores Francielle e Marcelo frequentam o
ensino fundamental e o menor Nicolas, que possui 02 (dois) anos de idade,
permanece em casa sob os cuidados da mãe que se divide entre ele e a autora,
nos períodos em que esta encontra-se na residência.
9 - A renda familiar decorre dos proventos do auxílio-doença previdenciário
recebidos pelo genitor da autora, no valor de R$1.031,24. As despesas
básicas, com água/luz (R$150,00), aluguel (R$350,00), farmácia (R$300,00)
e alimentação (R$230,00), totalizam R$1.030,00 (mil e trinta reais). O
núcleo familiar não está incluído nos programas de transferência
de renda, não recebe auxílio de Entidades e nem da "família extensa"
do casal, que reside no Maranhão. "Contam com a solidariedade de alguns
vizinhos que doam alimentos".
10 - Informações extraídas do Sistema Único de Benefícios/DATAPREV,
à fl. 43, confirmam que o genitor da requerente recebia o benefício
previdenciário apontado, no valor de R$1.031,24, montante equivalente
a 1,65 salários mínimos, considerado o valor nominal então vigente
(R$622,00). Dados atualizados do mesmo banco de dados e do Cadastro Nacional
de Informações Sociais - CNIS, que ora integram o presente voto, demonstram
que o auxílio-doença cessou em 25/04/2014, momento em que o pai da requerente
retornou ao trabalho, sendo desligado em 30/06/2014.
11 - Inobstante haver nos autos apenas uma conta de energia elétrica
(fl. 24), inexistindo comprovação das despesas informadas na inicial e
no estudo social, não se pode ignorar que o núcleo familiar é composto
por seis pessoas, sendo quatro menores impúberes, os quais estão em
fase de desenvolvimento, demandando mais gastos financeiros, sobretudo com
alimentação, e, no caso da autora, cuidados especiais, inclusive com a
utilização de fraldas descartáveis diuturnamente, conforme informações
constantes no estudo social e no laudo pericial.
12 - Ainda que as informações prestadas estejam eventualmente equivocadas
e em descompassado com o consumo médio mensal de água/esgoto e com a
tabela de tarifação do serviço para o Município de Monte Aprazível/SP,
conforme sustentou o ilustre representante ministerial no parecer à fl. 98,
analisando-se o conjunto fático probatório, sobretudo os apontamentos
da assistente social acerca da precariedade da residência e a existência
de uma única renda para prover o sustento de 4 (quatro) crianças, sendo,
frise-se, uma delas com impedimento de longo prazo, verifico que o núcleo
familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica
e vulnerabilidade social.
13 - Tendo sido constatados, mediante perícia médica e análise do conjunto
fático probatório, o impedimento de longo prazo, a hipossuficiência
econômica e a vulnerabilidade social da parte autora, de rigor o deferimento
do pedido.
14 - Inalterados demais aspectos da sentença em obediência ao princípio
do tantum devolutum quantum appellatum..
15 - Apelação do INSS desprovida.
Ementa
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.742/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS
FATORES. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS
DE PROVA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - O exame médico pericial de fls. 125/130, realizado em 18 de julho de 2014,
diagnosticou a demandante como "portadora de desenvolvimento mental incompleto
(critério biológico)" e "desenvolvimento mental grave compatível com
retardo mental grave CID F-72, condição que a torna totalmente dependente
de terceiros, diuturnamente, para sua sobrevivência". Apontou o experto que
a autora emite sons (grunhidos) ininteligíveis e que o quadro apresentado
é irreversível, dentro dos conhecimentos atuais da medicina, estando as
funções psíquicas comprometidas globalmente. Concluiu o perito que a
paciente possui um "quadro psicopatológico que a incapacita definitivamente
para os atos da vida civil". Observa-se que além do laudo pericial, há
nos autos atestados médicos onde consta que a autora ostenta deficiência
mental e que frequenta a APAE - Associação de pais e amigos dos excepcionais
(fls. 15/16).
7 - No caso, constata-se que há limitações do desempenho de atividade e
restrição da participação social, eis que a autora, de tenra idade (07 anos
na data do laudo), não conhece o alfabeto, não conhece números e apenas
emites sons ininteligíveis, sendo ausente a linguagem oral (fl. 126). Tais
circunstâncias, ao meu sentir, são suficientes para deixar evidente que
ela não se encontra em condições de igualdade com as demais crianças da
sua idade.
8 - O estudo social realizado em 24 de setembro de 2012 (fls. 55/56) informou
ser o núcleo familiar composto por seis pessoas: a autora, seus genitores
e três irmãos menores de idade (Francielle - 08 anos, Marcelo - 07 anos e
Nicolas - 02 anos), os quais residem em casa alugada, com três cômodos. A
assistente social esclarece que a residência possui três cômodos e está
em precárias condições de uso. É composta por "poucos móveis, simples,
compatíveis com a situação apresentada". A demandante frequenta a APAE,
começou a andar com 03 (três) anos, não fala e, segundo a genitora,
usa fraldas descartáveis. Os menores Francielle e Marcelo frequentam o
ensino fundamental e o menor Nicolas, que possui 02 (dois) anos de idade,
permanece em casa sob os cuidados da mãe que se divide entre ele e a autora,
nos períodos em que esta encontra-se na residência.
9 - A renda familiar decorre dos proventos do auxílio-doença previdenciário
recebidos pelo genitor da autora, no valor de R$1.031,24. As despesas
básicas, com água/luz (R$150,00), aluguel (R$350,00), farmácia (R$300,00)
e alimentação (R$230,00), totalizam R$1.030,00 (mil e trinta reais). O
núcleo familiar não está incluído nos programas de transferência
de renda, não recebe auxílio de Entidades e nem da "família extensa"
do casal, que reside no Maranhão. "Contam com a solidariedade de alguns
vizinhos que doam alimentos".
10 - Informações extraídas do Sistema Único de Benefícios/DATAPREV,
à fl. 43, confirmam que o genitor da requerente recebia o benefício
previdenciário apontado, no valor de R$1.031,24, montante equivalente
a 1,65 salários mínimos, considerado o valor nominal então vigente
(R$622,00). Dados atualizados do mesmo banco de dados e do Cadastro Nacional
de Informações Sociais - CNIS, que ora integram o presente voto, demonstram
que o auxílio-doença cessou em 25/04/2014, momento em que o pai da requerente
retornou ao trabalho, sendo desligado em 30/06/2014.
11 - Inobstante haver nos autos apenas uma conta de energia elétrica
(fl. 24), inexistindo comprovação das despesas informadas na inicial e
no estudo social, não se pode ignorar que o núcleo familiar é composto
por seis pessoas, sendo quatro menores impúberes, os quais estão em
fase de desenvolvimento, demandando mais gastos financeiros, sobretudo com
alimentação, e, no caso da autora, cuidados especiais, inclusive com a
utilização de fraldas descartáveis diuturnamente, conforme informações
constantes no estudo social e no laudo pericial.
12 - Ainda que as informações prestadas estejam eventualmente equivocadas
e em descompassado com o consumo médio mensal de água/esgoto e com a
tabela de tarifação do serviço para o Município de Monte Aprazível/SP,
conforme sustentou o ilustre representante ministerial no parecer à fl. 98,
analisando-se o conjunto fático probatório, sobretudo os apontamentos
da assistente social acerca da precariedade da residência e a existência
de uma única renda para prover o sustento de 4 (quatro) crianças, sendo,
frise-se, uma delas com impedimento de longo prazo, verifico que o núcleo
familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica
e vulnerabilidade social.
13 - Tendo sido constatados, mediante perícia médica e análise do conjunto
fático probatório, o impedimento de longo prazo, a hipossuficiência
econômica e a vulnerabilidade social da parte autora, de rigor o deferimento
do pedido.
14 - Inalterados demais aspectos da sentença em obediência ao princípio
do tantum devolutum quantum appellatum..
15 - Apelação do INSS desprovida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
22/05/2017
Data da Publicação
:
31/05/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1873966
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/05/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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