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Jurisprudência


TRF3 0022725-21.2005.4.03.6100 00227252120054036100

Ementa
PROCESSUAL CIVIL: CONTRATO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. REVISÃO. CES. TAXA DE JUROS. FORMA DE AMORTIZAÇÃO. SEGURO. TR. UPC. ANATOCISMO. PRICE. PERÍCIA. CDC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FCVS. QUITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. UNIÃO. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSOS IMPROVIDOS. 1 - A partir da leitura do contrato firmado entre as partes, verifica-se que nele se faz presente cláusula que dispõe a respeito da cobertura do saldo devedor pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, e, conforme cópia da planilha demonstrativa de débito acostada aos autos, os mutuários efetuaram o pagamento de 179 (cento e setenta e nove) parcelas das 180 (cento e oitenta) do financiamento contratado, ou seja, cumpriram com suas obrigações pontualmente por praticamente todo o período estipulado para quitação da dívida. 2 - Destarte, há que se reconhecer a legitimidade da Caixa Econômica Federal - CEF para figurar no polo passivo da demanda proposta, uma vez que o interesse da empresa pública federal restou evidenciado pelo comprometimento do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS. 3 - Levando-se em conta o caráter social do contrato de financiamento imobiliário, com base no SFH, presente nas disposições que condicionam a equivalência das prestações ao poder aquisitivo do mutuário (artigo 5º e §§ da Lei nº 4.380/64), caso não seja observado o princípio da proporcionalidade entre a prestação a ser paga e a renda ou o salário do adquirente, verificada na data da assinatura do contrato e a permanecer ao longo do contrato, é prevista e autorizada, a qualquer tempo, a solicitação da revisão de tal relação. 4 - É garantido ao mutuário o direito à renegociação da dívida, junto ao agente financeiro (§6º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 2.164/84 e o artigo 4º, §3º da Lei nº 8.692/93) no caso de não haver a proporcionalidade inicial ante a redução da renda por mudança de emprego ou por alteração na composição da renda familiar em decorrência da exclusão de um ou mais coadquirentes. 5 - Num caso como esse, é dada oportunidade ao mutuário de, através da renegociação, manter a capacidade em pagar as prestações, diminuindo-as, na sua relação inicial entre prestação/salário (Lei nº 8.692, artigos 4º, §4º, 13 e 14), e não sendo penalizado, se deixar de pagar os encargos mensais, tendo requerido sua revisão, com a juntada de comprovantes das variações da renda e a instituição financeira não responder formalmente, após 60 (sessenta) dias do pedido. 6 - Tratando-se de matéria de direito e de fato há a necessidade de fazer a produção da prova pericial, vez que o mutuário tem direito de ter o valor da sua prestação reajustada pelo pactuado. 7 - O Magistrado não deve estar adstrito ao laudo pericial, contudo, nesse tipo de demanda, que envolve critérios eminentemente técnicos e complexos do campo financeiro-econômico, há que ser prestigiado o trabalho realizado pelo expert. 8 - Quanto à questão sobre se a instituição financeira contratante observou o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES ou o salário mínimo para o reajustamento das prestações, a mesma deve ser analisada à luz do contrato, dos documentos acostados e do trabalho do perito. 9 - Com efeito, o agente credor, segundo declarações do Sr. Perito, se tivesse aplicado aos valores das prestações os percentuais de reajustamentos dos salários do mutuário, os valores das prestações seriam maiores do que aqueles efetivamente cobrados. 10 - No tocante à incidência do Coeficiente de Equiparação Salarial - CES na 1ª (primeira) parcela do financiamento, não assiste razão as instituições financeiras. 11 - O entendimento jurisprudencial é no sentido de que o Coeficiente de Equiparação Salarial - CES deve incidir sobre os contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, nos casos em que houver disposição expressa no instrumento acerca de sua aplicação, ainda que celebrados anteriormente à vigência da Lei nº 8.692/93. 12 - Da análise da cópia do contrato firmado, verifica-se que não há disposição expressa dando conta da incidência do Coeficiente de Equiparação Salarial - CES no financiamento. 13 - Desta feita, não há que se reconhecer a aplicação do CES nos cálculos das prestações do financiamento, o que deve ser respeitado, inclusive, em homenagem ao princípio da força obrigatória dos contratos. 14 - O contrato avençado entre as partes estabelece como sistema de amortização, o método conhecido como Tabela PRICE ou Sistema Francês de Amortização. 15 - A aplicação da Tabela PRICE consiste em plano de amortização e uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e outra de amortização do capital, motivo pelo qual a sua utilização não é vedada pelo ordenamento jurídico e não traz a capitalização dos juros, vê-se que o valor da prestação é decrescente até a liquidação que se dará na última prestação avençada. 16 - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, é necessário que as irregularidades que tenham sido praticadas estejam amparadas por provas inequívocas, sendo insuficiente a alegação genérica. 17 - Assim, não havendo prova nos autos que a entidade financeira tenha praticado violação contratual, resta afastada a aplicação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. 18 - Ressalte-se que a restituição de valores pagos a maior pelo mutuário, segundo o artigo 23 da Lei 8.004/90, é feita geralmente mediante a compensação com prestações vincendas, ou, se já não houver nem vencidas nem vincendas em aberto, a devolução em espécie ao mutuário. Não havendo, portanto, que apreciar a questão da devolução de valores pagos a maior. 19 - Os contratos de mútuo, nos termos da Lei 4.380/64, que instituiu o Sistema Financeiro da Habitação para aquisição da casa própria, construção ou venda de unidades habitacionais, através de financiamento imobiliário, são típicos contratos de adesão de longa duração, com cláusulas padrão, sujeitos aos critérios legais em vigor à época de sua assinatura, em que não há lugar para a autonomia da vontade na definição do conteúdo, restando ao mutuário submeter-se às condições pré-determinadas. 20 - O mutuário, nesse tipo de contrato, subordina-se às condições pré-estabelecidas quanto às taxas ou índices de correção monetária e o montante a ser reajustado, não podendo discuti-las e dispor do bem, mas outorgando poderes ao agente financeiro para alienar o imóvel a terceiro, em seu nome determinar o preço, imitir o adquirente na posse do imóvel etc. 21 - No caso das prestações, é o Poder Executivo que formula as políticas de reajustamento e estabelece as taxas ou os índices de correção monetária da moeda. 21 - A própria origem dos recursos que sustentam o sistema leva à finalidade social. Destaca-se a arrecadação proveniente do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS, criado pela antiga Lei 5170 de 13/09/66, formado pelos depósitos de 8% sobre a folha mensal dos salários das empresas. Essas contas são capitalizadas com juros e correção monetária, em que a CEF é a encarregada da administração dos valores. Captam-se ainda, as somas nos depósitos específicos em cadernetas de poupança, que podem ser abertas em quaisquer agências das Caixas Econômicas, nas sociedades de crédito imobiliário e nas associações de poupança e empréstimo. 22 - O caráter social transparece nos princípios determinantes: facilitar e promover a construção e a aquisição da moradia, especialmente para as camadas sociais de menor renda e nas disposições que condicionam a equivalência das prestações ao poder aquisitivo do mutuário, artigos 1º, 5º e 9° da Lei n° 4380/64. 23 - De se ver, portanto, que não pode o mutuário unilateralmente - simplesmente por mera conveniência - exigir a aplicação de critério diversos do estabelecido contratualmente, devendo ser respeitado o que foi convencionado entre as partes. 24 - O contrato de mútuo habitacional estabeleceu a taxa anual de juros nominal de 9,400% e a efetiva de 9,816%. Os mutuários alegam de forma genérica, vaga e imprecisa que o agente credor não aplicou o percentual estabelecido no contrato, deixando de carrear o mínimo de elementos capazes de corroborar a tese por eles defendida, a qual não deve prevalecer. 25 - O disposto no art. 6º, alínea "e", da Lei 4.380/64 não configura uma limitação de juros, dispondo apenas sobre as condições de reajustamento estipuladas nos contratos de mútuo previstos no art. 5º, do referido diploma legal. 26 - Destarte não deve ser considerada uma limitação dos juros a serem fixados aos contratos de mútuo regidos pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, conforme alegado pela parte autora, devendo ser mantido o percentual de juros pactuado entre as partes. 27 - Quanto à legalidade na fixação de uma taxa de juros nominal e outra de juros efetiva cabe, a priori, destacar que nominal é a taxa de juros remuneratórios relativos ao período decorrido, cujo valor é o resultado de sua incidência mensal sobre o saldo devedor remanescente corrigido, já a taxa efetiva é a taxa nominal exponencial, identificando o custo total do financiamento. 28 - Com efeito, o cálculo dos juros se faz mediante a aplicação de um único índice fixado, qual seja 9,4000%, conforme quadro resumo, cuja incidência mês a mês, após o período de 12 (doze) meses, resulta a taxa efetiva de 9,816% ao ano, não havendo fixação de juros acima do permitido por lei. 29 - Com a Resolução 1, de 24/04/77, do Conselho Administrativo do BNH a UPC passou a ser aplicada como fator de atualização não só, trimestralmente, do saldo devedor, como também de reajuste, anualmente, das prestações, que eram reajustadas pelo salário mínimo. 30 - O fato das prestações serem reajustadas pela UPC não descaracteriza o sentido da equivalência salarial, pois tal reajuste não pode ultrapassar os percentuais de aumento do salário mínimo, sem contar o fato de que os índices de correção eram inferiores aos aumentos do salário mínimo. 31 - Sobre a correção monetária do saldo devedor, consigno que a forma de reajuste deve seguir o pactuado, ou seja, à utilização da UPC como índice, conforme dispõe a CLÁUSULA SEXTA, caput e parágrafos QUINTO, do contrato firmado entre as partes. 32 - Desta feita, correta a decisão do Juízo a quo ao não conhecer o pedido de recálculo do saldo devedor pelo INPC por falta de interesse de agir, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. 33 - Os mutuários questionam a aplicação do índice de 84,32% para atualização do saldo devedor referente ao mês de março de 1990, entendendo que o correto seria a correção pela variação do Bônus do Tesouro Nacional Fiscal - BTNF do referido mês. 34 - Entretanto, tal entendimento não deve ser admitido, vez que o Superior Tribunal de Justiça firmou posição no sentido de que o índice de 84,32% é o que deve ser utilizado para atualização do saldo devedor para o mês de março de 1990, no que se refere aos contratos de mútuo habitacional. 35 - Nos contratos de mútuo para aquisição de imóvel, firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, o índice aplicável ao saldo devedor, com a criação do Plano Collor, no mês de março de 1990, é o IPC no percentual de 84,32%, vez que este índice serviu de correção para todos os valores da poupança e é consagrado por este E. Tribunal como fator de correção do FGTS. 36 - Nos contratos de mútuo regidos pelo SFH, as partes não têm margem de liberdade para contratar, já que os fundos por ele utilizados são verbas públicas. 37 - Tal regra também é aplicável no que diz respeito ao seguro, que deve ser contratado, por força da Circular SUPEP 111, de 03 de dezembro de 1999, visando cobrir eventuais sinistros ocorridos no imóvel e de morte ou invalidez dos mutuantes, motivo pelo qual, não pode ser comparado aos seguros habitacionais que possuem outros valores. 38 - Portanto, não há como considerar ilegal a cobrança do seguro, uma vez que não se trata de venda casada nem foi demonstrado eventual abuso. 39 - Sendo assim, não há nenhuma razão plausível para que as cláusulas sejam consideradas nulas. 40 - No que tange ao Decreto-lei nº 70/66, não é inconstitucional, havendo, nesse sentido, inúmeros precedentes do E. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça. Ademais, a cláusula 27ª do contrato firmado entre as partes prevê a possibilidade de execução extrajudicial do imóvel nos termos do Decreto-lei nº 70/66. 41 - No que toca à amortização do débito, não se observa qualquer equívoco na forma em que as prestações são computadas para o abatimento do principal da dívida, eis que, quando do pagamento da primeira parcela do financiamento, já haviam transcorrido trinta dias desde a entrega do total do dinheiro emprestado, devendo, assim, os juros e a correção monetária incidir sobre todo o dinheiro mutuado, sem se descontar o valor da primeira prestação, sob pena de se remunerar e corrigir valores menores do que os efetivamente emprestados. 42 - A redação da alínea "c" do artigo 6º da Lei n.º 4.380/64, apenas indica que as prestações mensais devem ter valores iguais, por todo o período do financiamento, considerando-se a inexistência de reajuste, o qual, quando incidente, alterará nominalmente o valor da prestação. 43 - A pretensão dos mutuários em ver amortizada a parcela paga antes da correção monetária do saldo devedor não procede, posto que inexiste a alegada quebra do equilíbrio financeiro, controvérsia esta que já restou pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. 44 - Conforme informação nos autos, dado o lapso temporal decorrido entre a sentença recorrida e o julgamento dos presentes recursos, tendo em vista as características do contrato, os elementos trazidos aos autos, a constatação da cobrança irregular no valor das prestações, ante o acréscimo do CES, não previsto contratualmente, desde a primeira prestação paga e por todo o período estipulado para quitação da dívida, não há que se falar em decisão condicional uma vez que decorreu prazo suficiente para a quitação de uma única parcela vincenda. 45 - Mister apontar que o § 1º do artigo 9º da Lei 4.380/64, que determinava a não possibilidade de aquisição de imóvel por financiamento, pelo SFH, no caso da existência de mais de um imóvel na mesma localidade, nada dispõe sobre restrições à cobertura de saldo devedor residual pelo FCVS, de modo que não cabe impor ao mutuário a perda do direito de quitação da dívida, pelo fundo, por tal motivo. 46 - Observa-se que a restrição de cobertura pelo FCVS de apenas um saldo devedor remanescente ao final do contrato, imposta pelo § 1º do artigo 3º da Lei nº 8100, de 05/11/90, aplica-se aos contratos firmados a partir de sua vigência, não retroagindo para alcançar contratos anteriores. 47 - Destaca-se que a Lei nº 10.150/2000, que alterou o artigo 3º da lei acima citada, ressalta a possibilidade de quitação, pelo FCVS, de mais de um saldo devedor remanescente por mutuário, relativos aos contratos anteriores a 05/12/1990 e jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de que o artigo 9º, §1º, da Lei nº 4.380/64 não afasta a quitação de um segundo imóvel financiado pelo mutuário, situado na mesma localidade, utilizando os recursos do FCVS (REsp 1.133.769/RN submetido à sistemática dos recursos repetitivos, nos termos do artigo 543-C do CPC/73). 48 - Note-se que todas as prestações pagas pelo mutuário foram acrescidas de parcela destinada ao fundo, não havendo como admitir que a instituição financeira determine, eventualmente, a perda do direito à quitação do saldo devedor pelo fundo, como sanção frente ao não cumprimento de cláusula contratual outra, aplicação esta não prevista tanto na norma acima citada como no contrato firmado. 49 - Nesse passo, é descabido reputar válido o contrato naquilo que o agente financeiro e o fundo aproveitam, ou seja, o recebimento das prestações e das parcelas destinadas ao FCVS, respectivamente, e inválido naquilo que em hipótese lhe prejudica, ou seja, a cobertura do saldo devedor residual pelo FCVS, impondo aos mutuários a perda do direito de quitação da dívida. 50 - Diante de tal quadro, revela-se perfeitamente aplicável ao caso concreto o reconhecimento do direito dos mutuários à quitação do financiamento contratado, bem como a respectiva baixa da hipoteca incidente sobre o imóvel em questão, após o pagamento das prestações avençadas e as contribuições ao fundo pagas até a data do requerimento administrativo, cabendo a restituição, pelo agente financeiro, aos apelados, do total dos valores pagos a parte que diz respeito especificamente com relação ao Coeficiente de Equiparação Salarial acrescido às prestações desde o início do contrato. 51 - É evidente que a liberação da garantia hipotecária só se dá com o pagamento do financiamento nas formas previstas em lei, cabendo ao agente financeiro a prática de todos os atos necessários para que referida liquidação aconteça, sendo a forma e o prazo da cobertura pelo Fundo de Compensação da Variação Salarial objeto de execução na 1ª instância. 52 - Preliminar rejeitada. Apelações improvidas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pela Caixa Econômica Federal - CEF e, no mérito, negar provimento aos recursos de apelação interpostos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 14/03/2017
Data da Publicação : 28/03/2017
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1713949
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/03/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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