TRF3 0022954-83.2002.4.03.6100 00229548320024036100
PROCESSO CIVIL E CIVIL. SFH. REVISÃO. PLANO DE EQUIVALÊNCIA
SALARIAL. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL (CES). CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. ANATOCISMO. SEGURO E DL
N. 70/66. CONHECIDA PARCIALMENTE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGADO
PROVIMENTO.
1. De início, ressalto que as questões atinentes à perda decorrente da
implantação do plano real e da utilização da URV não foram objeto do
pedido inicial, motivo pelo deixo de conhecer da apelação nessa parte.
2. Analisados os autos, verifica-se que o mutuário firmou, em 30/10/1991,
"contrato de compra e venda com mútuo e pacto adjeto de hipoteca". Entre as
cláusulas estabelecidas no respectivo contrato estão a que diz respeito à
amortização do saldo devedor (PRICE), ao plano de reajuste das prestações
mensais (Poupança), ao coeficiente de equiparação salarial (CES) e ao
prazo devolução do valor emprestado (180 prestações mensais).
3. Nos termos pactuado na cláusula oitava do contrato em questão
as prestações mensais, assim como os acessórios serão reajustados
pelos índices da caderneta de poupança. "As prestações mensais e seus
acessórios serão reajustados mensalmente, segundo opção do(s) DEVEDOR (ES),
mediante a utilização de índices idênticos àqueles considerados para a
remuneração básica aplicável aos depósitos de caderneta de poupança,
com data de aniversário no dia de assinatura deste instrumento". Assim,
tem-se que, ao contrário do sustentado pelo mutuário, em momento algum
restou acordo que o plano de equivalência salarial seria o critério a ser
utilizado nos reajustes das prestações.
4. Com a edição do Decreto-Lei n. 19/66, os parágrafos do artigo 5º da
Lei n. 4.380/64 foram substancialmente alterados, tanto para introduzir
novo e completo critério de reajustamento das prestações quanto para
atribuir competência normativa ao Banco Nacional da Habitação - BNH. Dada
a revogação dos aludidos dispositivos, o BNH, na condição de gestor do
SFH, viu-se desobrigado de manter em seus regulamentos a antiga vinculação
prestação/salário antes imposta. Tendo em vista que os reajustamentos das
prestações ocorriam sempre na mesma ocasião - 60 dias após o aumento do
salário-mínimo (1º de maio de cada ano) -, tornou-se necessário amainar
o problema representado pelo primeiro reajuste das prestações do SFH,
as quais, dependendo da data de assinatura do contrato, seriam corrigidas
por índices distorcidos.
5. Assim, editou-se a Resolução n. 36/69, em 11/11/69, do Conselho de
Administração do BNH, que instituiu o PES, adotando o salário-mínimo como
fator de correção monetária, balizado por um "coeficiente de equiparação
salarial - CES", o qual, lançado à primeira prestação, estabelecia uma
relação de proporcionalidade para com a época da assinatura do contrato,
eliminando o impacto da incidência do índice acumulado de doze meses.
6. Por força da edição da Lei n. 6.205/75, descaracterizando o salário
mínimo como fator de indexação para quaisquer fins de direito, o BNH
editou a RC 01/77, estipulando que o CES, para os contratos firmados a
partir de 1º de julho de 1977, seria fixado, anualmente, pela diretoria do
BNH. Assim, o CES, que antes era variável, passou a ser fixo e válido por um
ano. Posteriormente, o CES foi regulado por diversas resoluções editadas pelo
BNH, estipulando-lhe valores diferentes. E com a extinção do BNH, o BACEN -
Banco Central do Brasil - passou a ser o órgão competente para regulamentar
a matéria, vindo, então, a editar a Resolução nº 1.278/1988. Somente
após o advento da Lei n. 8.692/1993, o BACEN disciplinou o assunto pela
Circular n. 2.551/1995.
7. No caso dos autos, as resoluções em destaque já se encontravam em
vigor quando da celebração do contrato. Dessa feita, o "Coeficiente de
Equiparação Salarial" é ínsito ao Plano de Equivalência Salarial,
incidindo sobre o valor inicial da prestação, consoante a época da
assinatura do contrato. Nesse contexto, a pretensão de exclusão do CES
do valor da prestação mensal, sob perspectiva de ilegalidade, não se
sustenta, tendo em vista à época da celebração do contrato (30/10/1991 -
fl.47) as Resoluções editadas pelo BNH, órgão dotado de poder normativo,
possuíam a natureza material de lei.
8. Os autores socorrem-se na lei consumerista para sustentar a onerosidade
excessiva do contrato. É certo que a aplicação da Lei n. 8.078/1990
(Código de Defesa do Consumidor) aos contratos bancários encontra amparo
em entendimento consolidado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
por nestes reconhecer a existência de relação de consumo, nos termos
do art. 3º, § 2º. A incidência dessas regras, porém, não desonera a
parte requerente do ônus de comprovar suas alegações. Contudo, isso não
ocorreu na hipótese dos autos. Os elementos probatórios contidos nos autos
evidenciam que o agente financeiro, de modo geral, cumpriu os termos pactuados,
não restando caracterizada a ilegalidade e abuso invocado pelos autores.
9. Dessa forma, não cabe cogitar de lesão contratual com fundamento no
Código de Defesa do Consumidor, porquanto os critérios de reajustamento das
prestações mensais, demais encargos e do saldo devedor restaram claramente
especificados no contrato entabulado entre as partes.
10. Acerca da atualização do saldo devedor, dispõe a cláusula nona - "O
saldo devedor do financiamento ora contratado, será atualizado mensalmente,
no mesmo dia de assinatura deste contrato, mediante aplicação de coeficiente
de atualização monetária idêntico ao utilizado para reajustamento dos
depósitos de cadernetas de livre/pessoa física, mantidos nas instituições
integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE". Nesse
contexto, ao autor não assiste razão, porquanto em parecer ofertado o
Perito Judicial atestou que a TR foi corretamente aplicada pela CEF ao
atualizar o saldo devedor do financiamento, ressaltando, ainda, que a sua
utilização como indexador não é causadora de prejuízo ao mutuário,
visto que no período em que foi utilizada (11/91 a 10/04) sua variação
for inferior ao INPC, índice pleiteado pelo autor.
11. A mera utilização da PRICE não gera anatocismo, ou seja, cobrança
de juro sobre juro não liquidado. Nesses dois sistemas de amortização,
o juro do financiamento é apurado mensalmente, mediante aplicação da taxa
nominal sobre o saldo devedor. Em outras palavras, sobre o saldo devedor
atualizado incide o percentual da taxa nominal de juro (de forma simples),
cujo resultado é dividido por 12 meses. No caso, o demonstrativo mensal de
evolução do financiamento revela que não ocorreu capitalização de juro,
pois em nenhum mês houve incorporação de juro não liquidado ao saldo
devedor (amortização negativa). O sistema de amortização (extinguir
aos poucos, ou em prestações, uma obrigação) é adotado para calcular
o valor da prestação, e não o juro.
12. Quanto à pretensão de recálculo da parcela do seguro habitacional,
a parte autora não trouxe aos autos prova de que essas taxas revelam-se
exacerbadas quando comparadas aos valores praticados no mercado para igual
cobertura securitária, tampouco demostrou inobservância aos atos normativos
da SUSEP na apuração do valor do prêmio.
13. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica sobre a
constitucionalidade do procedimento adotado pela Caixa Econômica Federal
na forma do Decreto-Lei 70/1966, não ferindo qualquer direito ou garantia
fundamental do devedor, uma vez que além de prever uma fase de controle
judicial antes da perda da posse do imóvel pelo devedor, não impede que
eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento da venda do imóvel
seja reprimida pelos meios processuais próprios.
14. Conhecido parcialmente o recurso de apelação da parte autora e, na
parte conhecida, negado provimento.
Ementa
PROCESSO CIVIL E CIVIL. SFH. REVISÃO. PLANO DE EQUIVALÊNCIA
SALARIAL. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL (CES). CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. ANATOCISMO. SEGURO E DL
N. 70/66. CONHECIDA PARCIALMENTE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGADO
PROVIMENTO.
1. De início, ressalto que as questões atinentes à perda decorrente da
implantação do plano real e da utilização da URV não foram objeto do
pedido inicial, motivo pelo deixo de conhecer da apelação nessa parte.
2. Analisados os autos, verifica-se que o mutuário firmou, em 30/10/1991,
"contrato de compra e venda com mútuo e pacto adjeto de hipoteca". Entre as
cláusulas estabelecidas no respectivo contrato estão a que diz respeito à
amortização do saldo devedor (PRICE), ao plano de reajuste das prestações
mensais (Poupança), ao coeficiente de equiparação salarial (CES) e ao
prazo devolução do valor emprestado (180 prestações mensais).
3. Nos termos pactuado na cláusula oitava do contrato em questão
as prestações mensais, assim como os acessórios serão reajustados
pelos índices da caderneta de poupança. "As prestações mensais e seus
acessórios serão reajustados mensalmente, segundo opção do(s) DEVEDOR (ES),
mediante a utilização de índices idênticos àqueles considerados para a
remuneração básica aplicável aos depósitos de caderneta de poupança,
com data de aniversário no dia de assinatura deste instrumento". Assim,
tem-se que, ao contrário do sustentado pelo mutuário, em momento algum
restou acordo que o plano de equivalência salarial seria o critério a ser
utilizado nos reajustes das prestações.
4. Com a edição do Decreto-Lei n. 19/66, os parágrafos do artigo 5º da
Lei n. 4.380/64 foram substancialmente alterados, tanto para introduzir
novo e completo critério de reajustamento das prestações quanto para
atribuir competência normativa ao Banco Nacional da Habitação - BNH. Dada
a revogação dos aludidos dispositivos, o BNH, na condição de gestor do
SFH, viu-se desobrigado de manter em seus regulamentos a antiga vinculação
prestação/salário antes imposta. Tendo em vista que os reajustamentos das
prestações ocorriam sempre na mesma ocasião - 60 dias após o aumento do
salário-mínimo (1º de maio de cada ano) -, tornou-se necessário amainar
o problema representado pelo primeiro reajuste das prestações do SFH,
as quais, dependendo da data de assinatura do contrato, seriam corrigidas
por índices distorcidos.
5. Assim, editou-se a Resolução n. 36/69, em 11/11/69, do Conselho de
Administração do BNH, que instituiu o PES, adotando o salário-mínimo como
fator de correção monetária, balizado por um "coeficiente de equiparação
salarial - CES", o qual, lançado à primeira prestação, estabelecia uma
relação de proporcionalidade para com a época da assinatura do contrato,
eliminando o impacto da incidência do índice acumulado de doze meses.
6. Por força da edição da Lei n. 6.205/75, descaracterizando o salário
mínimo como fator de indexação para quaisquer fins de direito, o BNH
editou a RC 01/77, estipulando que o CES, para os contratos firmados a
partir de 1º de julho de 1977, seria fixado, anualmente, pela diretoria do
BNH. Assim, o CES, que antes era variável, passou a ser fixo e válido por um
ano. Posteriormente, o CES foi regulado por diversas resoluções editadas pelo
BNH, estipulando-lhe valores diferentes. E com a extinção do BNH, o BACEN -
Banco Central do Brasil - passou a ser o órgão competente para regulamentar
a matéria, vindo, então, a editar a Resolução nº 1.278/1988. Somente
após o advento da Lei n. 8.692/1993, o BACEN disciplinou o assunto pela
Circular n. 2.551/1995.
7. No caso dos autos, as resoluções em destaque já se encontravam em
vigor quando da celebração do contrato. Dessa feita, o "Coeficiente de
Equiparação Salarial" é ínsito ao Plano de Equivalência Salarial,
incidindo sobre o valor inicial da prestação, consoante a época da
assinatura do contrato. Nesse contexto, a pretensão de exclusão do CES
do valor da prestação mensal, sob perspectiva de ilegalidade, não se
sustenta, tendo em vista à época da celebração do contrato (30/10/1991 -
fl.47) as Resoluções editadas pelo BNH, órgão dotado de poder normativo,
possuíam a natureza material de lei.
8. Os autores socorrem-se na lei consumerista para sustentar a onerosidade
excessiva do contrato. É certo que a aplicação da Lei n. 8.078/1990
(Código de Defesa do Consumidor) aos contratos bancários encontra amparo
em entendimento consolidado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
por nestes reconhecer a existência de relação de consumo, nos termos
do art. 3º, § 2º. A incidência dessas regras, porém, não desonera a
parte requerente do ônus de comprovar suas alegações. Contudo, isso não
ocorreu na hipótese dos autos. Os elementos probatórios contidos nos autos
evidenciam que o agente financeiro, de modo geral, cumpriu os termos pactuados,
não restando caracterizada a ilegalidade e abuso invocado pelos autores.
9. Dessa forma, não cabe cogitar de lesão contratual com fundamento no
Código de Defesa do Consumidor, porquanto os critérios de reajustamento das
prestações mensais, demais encargos e do saldo devedor restaram claramente
especificados no contrato entabulado entre as partes.
10. Acerca da atualização do saldo devedor, dispõe a cláusula nona - "O
saldo devedor do financiamento ora contratado, será atualizado mensalmente,
no mesmo dia de assinatura deste contrato, mediante aplicação de coeficiente
de atualização monetária idêntico ao utilizado para reajustamento dos
depósitos de cadernetas de livre/pessoa física, mantidos nas instituições
integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE". Nesse
contexto, ao autor não assiste razão, porquanto em parecer ofertado o
Perito Judicial atestou que a TR foi corretamente aplicada pela CEF ao
atualizar o saldo devedor do financiamento, ressaltando, ainda, que a sua
utilização como indexador não é causadora de prejuízo ao mutuário,
visto que no período em que foi utilizada (11/91 a 10/04) sua variação
for inferior ao INPC, índice pleiteado pelo autor.
11. A mera utilização da PRICE não gera anatocismo, ou seja, cobrança
de juro sobre juro não liquidado. Nesses dois sistemas de amortização,
o juro do financiamento é apurado mensalmente, mediante aplicação da taxa
nominal sobre o saldo devedor. Em outras palavras, sobre o saldo devedor
atualizado incide o percentual da taxa nominal de juro (de forma simples),
cujo resultado é dividido por 12 meses. No caso, o demonstrativo mensal de
evolução do financiamento revela que não ocorreu capitalização de juro,
pois em nenhum mês houve incorporação de juro não liquidado ao saldo
devedor (amortização negativa). O sistema de amortização (extinguir
aos poucos, ou em prestações, uma obrigação) é adotado para calcular
o valor da prestação, e não o juro.
12. Quanto à pretensão de recálculo da parcela do seguro habitacional,
a parte autora não trouxe aos autos prova de que essas taxas revelam-se
exacerbadas quando comparadas aos valores praticados no mercado para igual
cobertura securitária, tampouco demostrou inobservância aos atos normativos
da SUSEP na apuração do valor do prêmio.
13. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica sobre a
constitucionalidade do procedimento adotado pela Caixa Econômica Federal
na forma do Decreto-Lei 70/1966, não ferindo qualquer direito ou garantia
fundamental do devedor, uma vez que além de prever uma fase de controle
judicial antes da perda da posse do imóvel pelo devedor, não impede que
eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento da venda do imóvel
seja reprimida pelos meios processuais próprios.
14. Conhecido parcialmente o recurso de apelação da parte autora e, na
parte conhecida, negado provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, conhecer parcialmente da apelação da parte autora e na
parte conhecida negar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/05/2018
Data da Publicação
:
15/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1457509
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/05/2018
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