TRF3 0023468-51.2012.4.03.0000 00234685120124030000
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE MANUNTENÇÃO DE POSSE.
OCUPAÇÃO INDÍGENA - COMUNIDADE INDÍGENA POTRERO-GUAÇU. PRELIMINARES
REJEITADAS. AGRAVO PROVIDO.
1. Quanto à impossibilidade jurídica do pedido (ações possessórias
versando sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos índios), observo que
tal tema não foi analisado em primeiro grau de jurisdição, o que implica
em supressão de instância.
2. No que se refere à nulidade da liminar diante da ausência de prévia
intimação da Funai, da União e do Ministério Público Federal, afasto a
preliminar de nulidade da decisão agravada, tendo em vista que o artigo 928
do Código de Processo Civil de 1973 tem aplicação no início do processo,
tal procedimento foi adotado pelo juízo a quo, conforme se vê de fl. 124,
ocasião em que foi determinada a manifestação da Funai no que se refere
ao pedido de liminar.
3. Por outro lado, observo que não houve qualquer prejuízo às pessoas
jurídicas de direito público, na medida em que, com o conhecimento da
decisão agravada, fora oportunizado prazo para recorrer, em respeito ao
princípio da ampla defesa.
4. Na hipótese dos autos, entendo que, não obstante, no julgamento do
processo de nº 2001.60.00.003866-3, tenha sido dado provimento aos embargos
infringentes, reconhecendo o domínio da área objeto do litígio pela
agravada, devem ser suspensos os efeitos da decisão agravada que determinou
a desocupação da área pelos índios que ali se encontram.
5. Observo que ainda não houve o trânsito em julgado da decisão proferida
no processo de nº 2001.60.00.003866-3, não sendo lógico determinar a
retirada dos indígenas da área ocupada sem que haja o pronunciamento
judicial definitivo.
6. Na verdade, o que ocorre nestes autos é que a controvérsia não se limita
apenas a um debate jurídico, mas também envolve questão de relevância
social indiscutível, vez que se trata da dignidade da vida humana, princípio
constitucional que prevalece sobre o direito individual de propriedade.
7. Não se desconhece que na reintegração de posse em geral não se discute
a propriedade do bem, mas em se tratando de posse indígena os conceitos
de direito civil devem ser temperados pelos princípios e ditames de ordem
constitucional, mostrando-se prudente o deferimento do agravo de instrumento.
8. A retirada das famílias indígenas, neste momento, poderia gerar um
conflito social, com consequências imprevisíveis, tendo em vista que, no
local, foram encontradas cerca de 200 famílias, com a presença considerável
de crianças, mulheres e anciões, havendo cultivo de lavouras de feijão,
abóbora, mandioca, maxixe, moranga, batata-doce e milho, estabelecidas
conforme os costumes tradicionais dos Terena.
9. Aliás, a própria Corte Suprema, em decisão recente, determinou medidas de
contracautela com o objetivo de diminuir os danos decorrentes dos conflitos
sociais entre índios e não índios, evitando, assim, o risco de grave
lesão, suspendendo o cumprimento provisório da sentença até que seja
certificado o trânsito em julgado da decisão cujos efeitos foram suspensos.
10. Observe-se que a posse permanente dos índios da Comunidade Indígena
Buriti sobre parte da Fazenda Bom Jesus foi declarada por Portaria expedida
em 2010, e que compete à União Federal demarcar as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, bem como proteger e fazer respeitar todos os seus
bens, conforme norma prevista no art. 231 da Constituição Federal.
11. O novo Código Civil em seu artigo 1.210, § 2º dispõe que: "não obsta
à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade,
ou de outro direito sobre a coisa", mantendo o contido no artigo 505 do
Código Civil de 1916.
12. Na impossibilidade de se restituir o imóvel ao estado anterior, se,
a final, a agravada lograr êxito definitivo na ação possessória, a
questão poderá, eventualmente, ser resolvida em perdas e danos.
13. Preliminares rejeitadas. Agravo de instrumento provido.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE MANUNTENÇÃO DE POSSE.
OCUPAÇÃO INDÍGENA - COMUNIDADE INDÍGENA POTRERO-GUAÇU. PRELIMINARES
REJEITADAS. AGRAVO PROVIDO.
1. Quanto à impossibilidade jurídica do pedido (ações possessórias
versando sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos índios), observo que
tal tema não foi analisado em primeiro grau de jurisdição, o que implica
em supressão de instância.
2. No que se refere à nulidade da liminar diante da ausência de prévia
intimação da Funai, da União e do Ministério Público Federal, afasto a
preliminar de nulidade da decisão agravada, tendo em vista que o artigo 928
do Código de Processo Civil de 1973 tem aplicação no início do processo,
tal procedimento foi adotado pelo juízo a quo, conforme se vê de fl. 124,
ocasião em que foi determinada a manifestação da Funai no que se refere
ao pedido de liminar.
3. Por outro lado, observo que não houve qualquer prejuízo às pessoas
jurídicas de direito público, na medida em que, com o conhecimento da
decisão agravada, fora oportunizado prazo para recorrer, em respeito ao
princípio da ampla defesa.
4. Na hipótese dos autos, entendo que, não obstante, no julgamento do
processo de nº 2001.60.00.003866-3, tenha sido dado provimento aos embargos
infringentes, reconhecendo o domínio da área objeto do litígio pela
agravada, devem ser suspensos os efeitos da decisão agravada que determinou
a desocupação da área pelos índios que ali se encontram.
5. Observo que ainda não houve o trânsito em julgado da decisão proferida
no processo de nº 2001.60.00.003866-3, não sendo lógico determinar a
retirada dos indígenas da área ocupada sem que haja o pronunciamento
judicial definitivo.
6. Na verdade, o que ocorre nestes autos é que a controvérsia não se limita
apenas a um debate jurídico, mas também envolve questão de relevância
social indiscutível, vez que se trata da dignidade da vida humana, princípio
constitucional que prevalece sobre o direito individual de propriedade.
7. Não se desconhece que na reintegração de posse em geral não se discute
a propriedade do bem, mas em se tratando de posse indígena os conceitos
de direito civil devem ser temperados pelos princípios e ditames de ordem
constitucional, mostrando-se prudente o deferimento do agravo de instrumento.
8. A retirada das famílias indígenas, neste momento, poderia gerar um
conflito social, com consequências imprevisíveis, tendo em vista que, no
local, foram encontradas cerca de 200 famílias, com a presença considerável
de crianças, mulheres e anciões, havendo cultivo de lavouras de feijão,
abóbora, mandioca, maxixe, moranga, batata-doce e milho, estabelecidas
conforme os costumes tradicionais dos Terena.
9. Aliás, a própria Corte Suprema, em decisão recente, determinou medidas de
contracautela com o objetivo de diminuir os danos decorrentes dos conflitos
sociais entre índios e não índios, evitando, assim, o risco de grave
lesão, suspendendo o cumprimento provisório da sentença até que seja
certificado o trânsito em julgado da decisão cujos efeitos foram suspensos.
10. Observe-se que a posse permanente dos índios da Comunidade Indígena
Buriti sobre parte da Fazenda Bom Jesus foi declarada por Portaria expedida
em 2010, e que compete à União Federal demarcar as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, bem como proteger e fazer respeitar todos os seus
bens, conforme norma prevista no art. 231 da Constituição Federal.
11. O novo Código Civil em seu artigo 1.210, § 2º dispõe que: "não obsta
à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade,
ou de outro direito sobre a coisa", mantendo o contido no artigo 505 do
Código Civil de 1916.
12. Na impossibilidade de se restituir o imóvel ao estado anterior, se,
a final, a agravada lograr êxito definitivo na ação possessória, a
questão poderá, eventualmente, ser resolvida em perdas e danos.
13. Preliminares rejeitadas. Agravo de instrumento provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, rejeitar a preliminares e dar provimento ao agravo de instrumento
para suspender a ordem de reintegração de posse da parte agravada, até
o julgamento do mérito da ação possessória de origem, garantindo que a
Comunidade Indígena permaneça no local ora ocupado, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
06/02/2017
Data da Publicação
:
14/02/2017
Classe/Assunto
:
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 482974
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-928
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-231
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1210 PAR-2
***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916
LEG-FED LEI-3071 ANO-1916 ART-505
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2017
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