TRF3 0024294-48.2015.4.03.9999 00242944820154039999
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SENTENÇA SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO. ART. 203,
V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO
IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO
POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO
ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM
DEMAIS FATORES. CRIANÇA E ADOLESCENTE. DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO DO
IMPACTO NA LIMITAÇÃO DO DESEMPENHO DE ATIVIDADES E RESTRIÇÃO SOCIAL
COMPATÍVEL COM A IDADE. PRESENTE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. AUSÊNCIA DE
MISERABILIDADE. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PROGRAMAS SOCIAIS. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. AJUDA FINANCEIRA DA FAMÍLIA. MÍNIMO EXISTENCIAL
GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO E REMESSA
OFICIAL PROVIDOS. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1 - Remessa Oficial. Obrigatoriedade de reexame necessário porque a
sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição quando o valor da
condenação excede 60 salários mínimos, nos termos do artigo 475, §2º
do CPC/73. Devolutividade total da matéria.
2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
7 - Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja,
automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da
miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o
valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos
depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte,
a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por
meio da análise de todo o conjunto probatório.
8 - O exame médico-pericial de fls. 62/63, realizado em 25/10/2011,
diagnosticou a autora com Retardo Mental Leve.
9 - Tratando-se de criança ou adolescente, a análise da deficiência deve
ser feita sob a óptica do art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, com
redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011. A avaliação da existência
de deficiência, com impacto na limitação do desempenho de atividade e
restrição da participação social, deve ser compatível com a idade. Assim,
a análise do impedimento de longo prazo para as crianças e os adolescentes
deve levar em consideração o quão afetados se encontram para suas atividades
habituais e interativas.
10 - De acordo com o perito, "quando periciada tinha 6 anos de idade,
fora constatado distúrbio porque não acompanhava ensino escolar para a
idade. Apresentava muita agitação e dificuldade para concentração."Ao
final, à época em que a requerente contava com 15 (quinze) anos de
idade, concluiu que não apresentava "condições para se preparar para
qualquer profissão. Atualmente não tem condições de levar uma vida
independente." Ainda em respostas aos quesitos do Parquet, à folha 98,
ratificou que "a periciada tem incapacidade de gerir e administrar bens,
assim como para prática de todos os atos da vida civil, em caráter
permanente." Portanto, ficou demonstrada a presença de impedimento de longo
prazo que obsta a participação plena e efetiva da autora em sociedade,
em igualdade de condições.
11 - Além do mais, da mesma forma que o juiz não está adstrito ao
laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o artigo 479 do Código
de Processo Civil e do princípio do livre convencimento motivado, a não
adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica
que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de
elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o
parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos
produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo
se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no
caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a
valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª
Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013;
AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
12 - O estudo social realizado em 10 de janeiro de 2013 (fls. 86/90) informou
ser o núcleo familiar composto pela autora, sua mãe e dois irmãos, os quais
residem em casa cedida pelo tio da autora, razão pela qual não pagam aluguel,
construída toda em alvenaria, rebocada e pintada, que conta com dois quartos,
cozinha, copa, banheiro e uma área de serviço. A copa, a sala e o quarto são
cobertos por forro de madeira. A cozinha, outro quarto e o piso são de laje
de concreto. Segundo foi constatado na visita domiciliar, "o imóvel está
localizado em região urbanizada com saneamento e infraestrutura básica,
rede de água e esgoto, coleta de lixo, energia elétrica, calçada, guias,
sarjetas, iluminação pública e asfalto."A renda familiar decorre do programa
de renda federal Bolsa Família no valor de R$ 140,00. O pai da requerente,
separado há um ano de sua genitora, colabora com ticket alimentação no
valor de R$ 250,00, além de convênio médico da empresa Unimed. Há o
relato de que a família recebe doações para auxiliar nas vestimentas. Na
ocasião, foram contabilizados gastos de alimentação, luz, água, gás,
farmácia e telefone fixo, que totalizam R$ 397,00.
13 - Diante de tais informações, foi acolhido pelo magistrado a quo o pedido
de complementação do relatório pela assistente social, que trouxe novo
retrato familiar, baseado em visita realizada em 30 de outubro de 2013, na
qual se constatou que o pai da requerente, Sr. Sebastião Aparecido Mariano,
tornou a residir com a família, apesar de seu histórico de agressividade
e de violência doméstica. Apurou-se que o genitor da demandante aufere
rendimentos decorrentes da aposentadoria no valor de R$ 1.581,80, além de
remuneração decorrente de trabalho no cargo de motorista de R$ 2.592,31
(setembro/2013), acrescido de verba para alimentação de R$ 258,00. Restou
confirmado que fornece, ainda, aos seus familiares, o convênio médico da
Unimed. Novo levantamento dos gastos realizados contabilizou para o mês de
setembro despesas fixas no montante de R$ 550,00, além de um empréstimo
consignado, responsável pela dedução de R$ 880,00 dos rendimentos do
Sr. Sebastião. Informações atualizadas obtidas do Sistema Único de
Benefícios/ Dataprev confirmam que o pai da requerente é beneficiário de
aposentadoria por tempo de contribuição desde 03/04/2012, tendo auferido
proventos, no mês de julho de 2016, da ordem de R$ 1.973,84, montante
equivalente a 2,24 salários mínimos, considerado o valor nominal então
vigente (R$ 880,00).
14 - Pouco importa para o deslinde do feito se o genitor da autora reside no
mesmo ou em outro lugar, eis que o ponto fulcral é sua aptidão em gerar
renda que lhe permita auxiliar financeiramente na manutenção da filha,
obrigação, aliás, insculpida no art. 229 da Constituição Federal e
nos arts. 1.566, IV, 1.632, 1.696 do Código Civil e art. 22 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. E isto restou demonstrado à saciedade nos
autos. Relevante lembrar também que a atuação do Estado é supletiva,
quando necessária, não havendo espaço, no ordenamento jurídico pátrio,
para que o dever primordialmente atribuído aos pais seja empurrado para a
Administração Pública e, consequentemente, para toda a sociedade.
15 - Instada pelo Ministério Público, a assistente social ainda relatou
que o irmão da autora, Sr. Makis Regis da Silva, mudou-se para a cidade de
São Paulo, e aufere renda de R$ 1.000,00 por mês, conforme demonstram as
fls. 108/111. Cumpre verificar, também, que à época da primeira visita, a
mãe da requerente declarou que estava desempregada, não havendo informações
adicionais a esse respeito na ulterior entrevista. No entanto, consoante consta
do banco de dados do INSS (cujas informações também fazem parte integrante
desta decisão), observa-se que ela trabalhou como empregada doméstica nos
anos de 2010 a 2012, merecendo destaque que, logo após o derradeiro estudo
social, mais especificamente, durante o período de 01/12/2013 a 31/03/2014,
verteu contribuições previdenciárias como contribuinte individual, o que
está a indicar que ela gerou e permanece com aptidão de gerar renda. Vale,
ainda, acrescentar que a irmã da autora, em fase de conclusão do ensino
médio quando elaborado o laudo derradeiro, sem prejuízo de prosseguir com
os seus estudos, também tem potencial para contribuir com a complementação
da renda para atender eventuais necessidades de sua família. Nesse sentido,
aliás, apontam as recentes informações ora anexadas aos autos, que
demonstram a sua filiação à previdência em esparsos períodos do ano de
2015 e 2016, das quais se extrai remuneração média mensal de R$ 1.300,00.
16 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que
deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis,
ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais
estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente
o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
17 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador
exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de
pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a
subsistência daquele que o requer.
18 - O dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo
Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto
àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de
absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede
pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
19 - Presente impedimento de longo prazo para atividades habituais
e interativas. No entanto, tendo sido constatada a inexistência de
hipossuficiência econômica, por meio de estudo social, de rigor o
indeferimento do pedido.
20 - Condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20,
§3º), observadas as hipóteses previstas nos artigos 11, §2º, e 12, da Lei
nº 1.060/50, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
21 - Sagrando-se vencedora a autarquia, ocorreu a perda de objeto do recurso
adesivo interposto pelo requerente, para majorar a condenação honorária,
restando, portanto, prejudicada a sua análise.
22 - Apelação do INSS e reexame necessário providos. Recurso adesivo
prejudicado.
Ementa
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SENTENÇA SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO. ART. 203,
V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO
IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO
POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO
ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM
DEMAIS FATORES. CRIANÇA E ADOLESCENTE. DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO DO
IMPACTO NA LIMITAÇÃO DO DESEMPENHO DE ATIVIDADES E RESTRIÇÃO SOCIAL
COMPATÍVEL COM A IDADE. PRESENTE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. AUSÊNCIA DE
MISERABILIDADE. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PROGRAMAS SOCIAIS. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. AJUDA FINANCEIRA DA FAMÍLIA. MÍNIMO EXISTENCIAL
GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO E REMESSA
OFICIAL PROVIDOS. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1 - Remessa Oficial. Obrigatoriedade de reexame necessário porque a
sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição quando o valor da
condenação excede 60 salários mínimos, nos termos do artigo 475, §2º
do CPC/73. Devolutividade total da matéria.
2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
7 - Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja,
automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da
miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o
valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos
depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte,
a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por
meio da análise de todo o conjunto probatório.
8 - O exame médico-pericial de fls. 62/63, realizado em 25/10/2011,
diagnosticou a autora com Retardo Mental Leve.
9 - Tratando-se de criança ou adolescente, a análise da deficiência deve
ser feita sob a óptica do art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, com
redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011. A avaliação da existência
de deficiência, com impacto na limitação do desempenho de atividade e
restrição da participação social, deve ser compatível com a idade. Assim,
a análise do impedimento de longo prazo para as crianças e os adolescentes
deve levar em consideração o quão afetados se encontram para suas atividades
habituais e interativas.
10 - De acordo com o perito, "quando periciada tinha 6 anos de idade,
fora constatado distúrbio porque não acompanhava ensino escolar para a
idade. Apresentava muita agitação e dificuldade para concentração."Ao
final, à época em que a requerente contava com 15 (quinze) anos de
idade, concluiu que não apresentava "condições para se preparar para
qualquer profissão. Atualmente não tem condições de levar uma vida
independente." Ainda em respostas aos quesitos do Parquet, à folha 98,
ratificou que "a periciada tem incapacidade de gerir e administrar bens,
assim como para prática de todos os atos da vida civil, em caráter
permanente." Portanto, ficou demonstrada a presença de impedimento de longo
prazo que obsta a participação plena e efetiva da autora em sociedade,
em igualdade de condições.
11 - Além do mais, da mesma forma que o juiz não está adstrito ao
laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o artigo 479 do Código
de Processo Civil e do princípio do livre convencimento motivado, a não
adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica
que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de
elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o
parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos
produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo
se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no
caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a
valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª
Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013;
AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
12 - O estudo social realizado em 10 de janeiro de 2013 (fls. 86/90) informou
ser o núcleo familiar composto pela autora, sua mãe e dois irmãos, os quais
residem em casa cedida pelo tio da autora, razão pela qual não pagam aluguel,
construída toda em alvenaria, rebocada e pintada, que conta com dois quartos,
cozinha, copa, banheiro e uma área de serviço. A copa, a sala e o quarto são
cobertos por forro de madeira. A cozinha, outro quarto e o piso são de laje
de concreto. Segundo foi constatado na visita domiciliar, "o imóvel está
localizado em região urbanizada com saneamento e infraestrutura básica,
rede de água e esgoto, coleta de lixo, energia elétrica, calçada, guias,
sarjetas, iluminação pública e asfalto."A renda familiar decorre do programa
de renda federal Bolsa Família no valor de R$ 140,00. O pai da requerente,
separado há um ano de sua genitora, colabora com ticket alimentação no
valor de R$ 250,00, além de convênio médico da empresa Unimed. Há o
relato de que a família recebe doações para auxiliar nas vestimentas. Na
ocasião, foram contabilizados gastos de alimentação, luz, água, gás,
farmácia e telefone fixo, que totalizam R$ 397,00.
13 - Diante de tais informações, foi acolhido pelo magistrado a quo o pedido
de complementação do relatório pela assistente social, que trouxe novo
retrato familiar, baseado em visita realizada em 30 de outubro de 2013, na
qual se constatou que o pai da requerente, Sr. Sebastião Aparecido Mariano,
tornou a residir com a família, apesar de seu histórico de agressividade
e de violência doméstica. Apurou-se que o genitor da demandante aufere
rendimentos decorrentes da aposentadoria no valor de R$ 1.581,80, além de
remuneração decorrente de trabalho no cargo de motorista de R$ 2.592,31
(setembro/2013), acrescido de verba para alimentação de R$ 258,00. Restou
confirmado que fornece, ainda, aos seus familiares, o convênio médico da
Unimed. Novo levantamento dos gastos realizados contabilizou para o mês de
setembro despesas fixas no montante de R$ 550,00, além de um empréstimo
consignado, responsável pela dedução de R$ 880,00 dos rendimentos do
Sr. Sebastião. Informações atualizadas obtidas do Sistema Único de
Benefícios/ Dataprev confirmam que o pai da requerente é beneficiário de
aposentadoria por tempo de contribuição desde 03/04/2012, tendo auferido
proventos, no mês de julho de 2016, da ordem de R$ 1.973,84, montante
equivalente a 2,24 salários mínimos, considerado o valor nominal então
vigente (R$ 880,00).
14 - Pouco importa para o deslinde do feito se o genitor da autora reside no
mesmo ou em outro lugar, eis que o ponto fulcral é sua aptidão em gerar
renda que lhe permita auxiliar financeiramente na manutenção da filha,
obrigação, aliás, insculpida no art. 229 da Constituição Federal e
nos arts. 1.566, IV, 1.632, 1.696 do Código Civil e art. 22 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. E isto restou demonstrado à saciedade nos
autos. Relevante lembrar também que a atuação do Estado é supletiva,
quando necessária, não havendo espaço, no ordenamento jurídico pátrio,
para que o dever primordialmente atribuído aos pais seja empurrado para a
Administração Pública e, consequentemente, para toda a sociedade.
15 - Instada pelo Ministério Público, a assistente social ainda relatou
que o irmão da autora, Sr. Makis Regis da Silva, mudou-se para a cidade de
São Paulo, e aufere renda de R$ 1.000,00 por mês, conforme demonstram as
fls. 108/111. Cumpre verificar, também, que à época da primeira visita, a
mãe da requerente declarou que estava desempregada, não havendo informações
adicionais a esse respeito na ulterior entrevista. No entanto, consoante consta
do banco de dados do INSS (cujas informações também fazem parte integrante
desta decisão), observa-se que ela trabalhou como empregada doméstica nos
anos de 2010 a 2012, merecendo destaque que, logo após o derradeiro estudo
social, mais especificamente, durante o período de 01/12/2013 a 31/03/2014,
verteu contribuições previdenciárias como contribuinte individual, o que
está a indicar que ela gerou e permanece com aptidão de gerar renda. Vale,
ainda, acrescentar que a irmã da autora, em fase de conclusão do ensino
médio quando elaborado o laudo derradeiro, sem prejuízo de prosseguir com
os seus estudos, também tem potencial para contribuir com a complementação
da renda para atender eventuais necessidades de sua família. Nesse sentido,
aliás, apontam as recentes informações ora anexadas aos autos, que
demonstram a sua filiação à previdência em esparsos períodos do ano de
2015 e 2016, das quais se extrai remuneração média mensal de R$ 1.300,00.
16 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que
deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis,
ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais
estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente
o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
17 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador
exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de
pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a
subsistência daquele que o requer.
18 - O dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo
Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto
àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de
absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede
pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
19 - Presente impedimento de longo prazo para atividades habituais
e interativas. No entanto, tendo sido constatada a inexistência de
hipossuficiência econômica, por meio de estudo social, de rigor o
indeferimento do pedido.
20 - Condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20,
§3º), observadas as hipóteses previstas nos artigos 11, §2º, e 12, da Lei
nº 1.060/50, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
21 - Sagrando-se vencedora a autarquia, ocorreu a perda de objeto do recurso
adesivo interposto pelo requerente, para majorar a condenação honorária,
restando, portanto, prejudicada a sua análise.
22 - Apelação do INSS e reexame necessário providos. Recurso adesivo
prejudicado.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar provimento ao reexame necessário e à apelação do
INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar
improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, e julgar
prejudicada a análise do recurso adesivo da parte autora, invertendo-se
os ônus sucumbenciais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/10/2016
Data da Publicação
:
04/11/2016
Classe/Assunto
:
APELREEX - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2075631
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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