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Jurisprudência


TRF3 0024294-48.2015.4.03.9999 00242944820154039999

Ementa
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SENTENÇA SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. CRIANÇA E ADOLESCENTE. DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO DO IMPACTO NA LIMITAÇÃO DO DESEMPENHO DE ATIVIDADES E RESTRIÇÃO SOCIAL COMPATÍVEL COM A IDADE. PRESENTE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PROGRAMAS SOCIAIS. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. AJUDA FINANCEIRA DA FAMÍLIA. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO E REMESSA OFICIAL PROVIDOS. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. 1 - Remessa Oficial. Obrigatoriedade de reexame necessário porque a sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição quando o valor da condenação excede 60 salários mínimos, nos termos do artigo 475, §2º do CPC/73. Devolutividade total da matéria. 2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. 4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. 5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia. 6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 7 - Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório. 8 - O exame médico-pericial de fls. 62/63, realizado em 25/10/2011, diagnosticou a autora com Retardo Mental Leve. 9 - Tratando-se de criança ou adolescente, a análise da deficiência deve ser feita sob a óptica do art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, com redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011. A avaliação da existência de deficiência, com impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, deve ser compatível com a idade. Assim, a análise do impedimento de longo prazo para as crianças e os adolescentes deve levar em consideração o quão afetados se encontram para suas atividades habituais e interativas. 10 - De acordo com o perito, "quando periciada tinha 6 anos de idade, fora constatado distúrbio porque não acompanhava ensino escolar para a idade. Apresentava muita agitação e dificuldade para concentração."Ao final, à época em que a requerente contava com 15 (quinze) anos de idade, concluiu que não apresentava "condições para se preparar para qualquer profissão. Atualmente não tem condições de levar uma vida independente." Ainda em respostas aos quesitos do Parquet, à folha 98, ratificou que "a periciada tem incapacidade de gerir e administrar bens, assim como para prática de todos os atos da vida civil, em caráter permanente." Portanto, ficou demonstrada a presença de impedimento de longo prazo que obsta a participação plena e efetiva da autora em sociedade, em igualdade de condições. 11 - Além do mais, da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o artigo 479 do Código de Processo Civil e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 12 - O estudo social realizado em 10 de janeiro de 2013 (fls. 86/90) informou ser o núcleo familiar composto pela autora, sua mãe e dois irmãos, os quais residem em casa cedida pelo tio da autora, razão pela qual não pagam aluguel, construída toda em alvenaria, rebocada e pintada, que conta com dois quartos, cozinha, copa, banheiro e uma área de serviço. A copa, a sala e o quarto são cobertos por forro de madeira. A cozinha, outro quarto e o piso são de laje de concreto. Segundo foi constatado na visita domiciliar, "o imóvel está localizado em região urbanizada com saneamento e infraestrutura básica, rede de água e esgoto, coleta de lixo, energia elétrica, calçada, guias, sarjetas, iluminação pública e asfalto."A renda familiar decorre do programa de renda federal Bolsa Família no valor de R$ 140,00. O pai da requerente, separado há um ano de sua genitora, colabora com ticket alimentação no valor de R$ 250,00, além de convênio médico da empresa Unimed. Há o relato de que a família recebe doações para auxiliar nas vestimentas. Na ocasião, foram contabilizados gastos de alimentação, luz, água, gás, farmácia e telefone fixo, que totalizam R$ 397,00. 13 - Diante de tais informações, foi acolhido pelo magistrado a quo o pedido de complementação do relatório pela assistente social, que trouxe novo retrato familiar, baseado em visita realizada em 30 de outubro de 2013, na qual se constatou que o pai da requerente, Sr. Sebastião Aparecido Mariano, tornou a residir com a família, apesar de seu histórico de agressividade e de violência doméstica. Apurou-se que o genitor da demandante aufere rendimentos decorrentes da aposentadoria no valor de R$ 1.581,80, além de remuneração decorrente de trabalho no cargo de motorista de R$ 2.592,31 (setembro/2013), acrescido de verba para alimentação de R$ 258,00. Restou confirmado que fornece, ainda, aos seus familiares, o convênio médico da Unimed. Novo levantamento dos gastos realizados contabilizou para o mês de setembro despesas fixas no montante de R$ 550,00, além de um empréstimo consignado, responsável pela dedução de R$ 880,00 dos rendimentos do Sr. Sebastião. Informações atualizadas obtidas do Sistema Único de Benefícios/ Dataprev confirmam que o pai da requerente é beneficiário de aposentadoria por tempo de contribuição desde 03/04/2012, tendo auferido proventos, no mês de julho de 2016, da ordem de R$ 1.973,84, montante equivalente a 2,24 salários mínimos, considerado o valor nominal então vigente (R$ 880,00). 14 - Pouco importa para o deslinde do feito se o genitor da autora reside no mesmo ou em outro lugar, eis que o ponto fulcral é sua aptidão em gerar renda que lhe permita auxiliar financeiramente na manutenção da filha, obrigação, aliás, insculpida no art. 229 da Constituição Federal e nos arts. 1.566, IV, 1.632, 1.696 do Código Civil e art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. E isto restou demonstrado à saciedade nos autos. Relevante lembrar também que a atuação do Estado é supletiva, quando necessária, não havendo espaço, no ordenamento jurídico pátrio, para que o dever primordialmente atribuído aos pais seja empurrado para a Administração Pública e, consequentemente, para toda a sociedade. 15 - Instada pelo Ministério Público, a assistente social ainda relatou que o irmão da autora, Sr. Makis Regis da Silva, mudou-se para a cidade de São Paulo, e aufere renda de R$ 1.000,00 por mês, conforme demonstram as fls. 108/111. Cumpre verificar, também, que à época da primeira visita, a mãe da requerente declarou que estava desempregada, não havendo informações adicionais a esse respeito na ulterior entrevista. No entanto, consoante consta do banco de dados do INSS (cujas informações também fazem parte integrante desta decisão), observa-se que ela trabalhou como empregada doméstica nos anos de 2010 a 2012, merecendo destaque que, logo após o derradeiro estudo social, mais especificamente, durante o período de 01/12/2013 a 31/03/2014, verteu contribuições previdenciárias como contribuinte individual, o que está a indicar que ela gerou e permanece com aptidão de gerar renda. Vale, ainda, acrescentar que a irmã da autora, em fase de conclusão do ensino médio quando elaborado o laudo derradeiro, sem prejuízo de prosseguir com os seus estudos, também tem potencial para contribuir com a complementação da renda para atender eventuais necessidades de sua família. Nesse sentido, aliás, apontam as recentes informações ora anexadas aos autos, que demonstram a sua filiação à previdência em esparsos períodos do ano de 2015 e 2016, das quais se extrai remuneração média mensal de R$ 1.300,00. 16 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário. 17 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer. 18 - O dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial. 19 - Presente impedimento de longo prazo para atividades habituais e interativas. No entanto, tendo sido constatada a inexistência de hipossuficiência econômica, por meio de estudo social, de rigor o indeferimento do pedido. 20 - Condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), observadas as hipóteses previstas nos artigos 11, §2º, e 12, da Lei nº 1.060/50, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. 21 - Sagrando-se vencedora a autarquia, ocorreu a perda de objeto do recurso adesivo interposto pelo requerente, para majorar a condenação honorária, restando, portanto, prejudicada a sua análise. 22 - Apelação do INSS e reexame necessário providos. Recurso adesivo prejudicado.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao reexame necessário e à apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, e julgar prejudicada a análise do recurso adesivo da parte autora, invertendo-se os ônus sucumbenciais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 24/10/2016
Data da Publicação : 04/11/2016
Classe/Assunto : APELREEX - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2075631
Órgão Julgador : SÉTIMA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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