TRF3 0024481-89.2010.4.03.6100 00244818920104036100
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR . PRESCRIÇÃO. AGRAVO RETIDO: NÃO CONHECIDO. NORMAS DO
CDC: INAPLICABILIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE: IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO
: INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE
DOS IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO
ABSOLUTO DA OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM
DA INDENIZAÇÃO FIXADO COM RAZOABILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE
MORA. TERMO INICIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não conheço doo agravo retido interposto pela empresa Cury Construtora e
Incorporadora S/A, porquanto sua apreciação não foi expressamente requerida
em sede recursal (art. 523, caput do Código de Processo Civil de 1973).
2. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR par a atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
3. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
4. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados ao
PAR , na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
5. Não se caracteriza a hipótese de denunciação da lide, prevista no
artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973. Pelo instituto
processual da denunciação da lide, o litisdenunciado não tem relação
jurídica com o adversário do litisdenunciante na ação principal.
6. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
7. Nas demandas objetivando indenização em razão de vícios de construção
do imóvel objeto do mútuo habitacional, constatado o vício de construção
e os danos contínuos e permanentes ao imóvel, renova-se seguidamente a
pretensão do beneficiário e, por conseguinte, o marco inicial do prazo
prescricional, considerando-se irrompida a pretensão do beneficiário
no momento em que, comunicado o fato à seguradora, esta se recusa a
indenizar. Precedente.
8. No âmbito no PAR , a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído par a atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
9. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
par ágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e par a uso próprio desta".
10. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso próprio do bem pelo arrendatário.
11. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao Edifício Riskallah
Jorge, 17 andares, localizado na região central de São Paulo/SP, construído
na década de 40. A CEF promoveu reformas no Edifício, com vistas a adaptar
o imóvel, em 19 pavimentos, para moradia da população de baixa renda.
12. O conjunto probatório coligido aos autos constatou que o imóvel
é impróprio para a finalidade a que se destina, por apresentar vícios
construtivos , desde a entrega das chaves em 2003, devido aos problemas
crônicos, cíclicos e insolúveis relacionados no laudo pericial.
13. Uma vez não assegurado o bom uso ao fim a que se destina o bem,
conclui-se pela inexecução do contrato de arrendamento residencial, ante
o inadimplemento absoluto da obrigação pela CEF.
14. Constatada a responsabilidade civil da CEF, exsurge o dever de indenizar.
15. Danos materiais devidos no valor dispendido pela parte autora para a
quitação de débitos de IPTU, do qual a arrendatária seria isenta desde
o desmembramento das unidades.
16. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
17. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento
cotidiano e repercutem na esfera da dignidade das vítimas, o dano moral
resta perfeitamente configurado.
18. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos morais e materiais.
19. Em relação ao quantum da indenização, em havendo razoabilidade no
valor fixado em primeiro grau, não há que se falar em reforma do montante
arbitrado. Precedentes.
20. Agravo retido não conhecido. Matéria preliminar rejeitada. Apelação
parcialmente provida.
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR . PRESCRIÇÃO. AGRAVO RETIDO: NÃO CONHECIDO. NORMAS DO
CDC: INAPLICABILIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE: IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO
: INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE
DOS IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO
ABSOLUTO DA OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM
DA INDENIZAÇÃO FIXADO COM RAZOABILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE
MORA. TERMO INICIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não conheço doo agravo retido interposto pela empresa Cury Construtora e
Incorporadora S/A, porquanto sua apreciação não foi expressamente requerida
em sede recursal (art. 523, caput do Código de Processo Civil de 1973).
2. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR par a atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
3. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
4. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados ao
PAR , na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
5. Não se caracteriza a hipótese de denunciação da lide, prevista no
artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973. Pelo instituto
processual da denunciação da lide, o litisdenunciado não tem relação
jurídica com o adversário do litisdenunciante na ação principal.
6. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
7. Nas demandas objetivando indenização em razão de vícios de construção
do imóvel objeto do mútuo habitacional, constatado o vício de construção
e os danos contínuos e permanentes ao imóvel, renova-se seguidamente a
pretensão do beneficiário e, por conseguinte, o marco inicial do prazo
prescricional, considerando-se irrompida a pretensão do beneficiário
no momento em que, comunicado o fato à seguradora, esta se recusa a
indenizar. Precedente.
8. No âmbito no PAR , a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído par a atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
9. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
par ágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e par a uso próprio desta".
10. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso próprio do bem pelo arrendatário.
11. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao Edifício Riskallah
Jorge, 17 andares, localizado na região central de São Paulo/SP, construído
na década de 40. A CEF promoveu reformas no Edifício, com vistas a adaptar
o imóvel, em 19 pavimentos, para moradia da população de baixa renda.
12. O conjunto probatório coligido aos autos constatou que o imóvel
é impróprio para a finalidade a que se destina, por apresentar vícios
construtivos , desde a entrega das chaves em 2003, devido aos problemas
crônicos, cíclicos e insolúveis relacionados no laudo pericial.
13. Uma vez não assegurado o bom uso ao fim a que se destina o bem,
conclui-se pela inexecução do contrato de arrendamento residencial, ante
o inadimplemento absoluto da obrigação pela CEF.
14. Constatada a responsabilidade civil da CEF, exsurge o dever de indenizar.
15. Danos materiais devidos no valor dispendido pela parte autora para a
quitação de débitos de IPTU, do qual a arrendatária seria isenta desde
o desmembramento das unidades.
16. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
17. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento
cotidiano e repercutem na esfera da dignidade das vítimas, o dano moral
resta perfeitamente configurado.
18. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos morais e materiais.
19. Em relação ao quantum da indenização, em havendo razoabilidade no
valor fixado em primeiro grau, não há que se falar em reforma do montante
arbitrado. Precedentes.
20. Agravo retido não conhecido. Matéria preliminar rejeitada. Apelação
parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, não conhecer do agravo retido, rejeitar a matéria preliminar ,
e no mérito, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
26/03/2019
Data da Publicação
:
01/04/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2131048
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/04/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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