TRF3 0024827-74.2009.4.03.6100 00248277420094036100
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA E DA ADMINISTRADORA
DO CONDOMÍNIO NO POLO PASSIVO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. NORMAS
DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DAS CORRÉS:
IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR EVENTUAL LIDE
ENTRE OS AUTORES E A CONSTRUTORA OU ENTRE OS AUTORES E A ADMINISTRADORA DO
CONDOMÍNIO. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 1.013, §3º,
II, DO CPC. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE DOS
IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO
DA OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. DEMANDA JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Não há relação jurídica estabelecida entre os autores e a construtora,
nem entre os autores e a administradora do condomínio. A única relação
jurídica de que trata os autos é aquela constituída entre a autora e a
CEF, por meio de contrato de arrendamento residencial vinculado ao Programa
de Arrendamento Residencial - PAR.
2. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
3. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
4. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados
ao PAR, na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
5. Afastada a possibilidade de condenação solidária com base na norma
consumerista, não se verifica, no caso, a ocorrência de litisconsórcio
necessário. E, como o litisconsórcio facultativo pressupõe a competência
para o julgamento contra todos os litisconsortes, há que se considerar que
a Justiça Federal não é competente para julgar eventual lide instaurada
entre a autora e a construtora.
6. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
7. No âmbito no PAR, a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído para atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
8. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
parágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta".
9. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso do bem pelo arrendatário.
10. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao "Residencial Tibúrcio
de Souza I", localizado no Município de São Paulo/SP.
11. A CEF não nega que o imóvel arrendado tenha apresentado as alegadas
anomalias construtivas. Desse modo, uma vez não assegurado o bom uso ao fim a
que se destina o bem, conclui-se pela inexecução do contrato de arrendamento
residencial, ante o inadimplemento absoluto da obrigação pela CEF.
12. O laudo pericial constatou que houve alagamento do apartamento dos
autores. Resta caracterizado, portanto, o dano como decorrência necessária
do inadimplemento.
13. Os danos materiais estão suficientemente comprovados nos autos, mediante
dezenas de fotos nas quais se veem o mobiliário, aparelhos eletrônicos,
diversos objetos de interesse pessoal e roupas atingidos pela inundação,
muitos deles inutilizados.
14. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
15. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento cotidiano e
repercutem na esfera da dignidade da vítima, o dano moral resta perfeitamente
configurado.
16. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos materiais, no montante de R$ 6.469,00 (seis
mil, quatrocentos e sessenta e nove reais) postulado pelos autores na
inicial, referente aos móveis estragados; e por danos morais, fixados,
com razoabilidade, em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
17. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
19. Sentença anulada de ofício. Apelações prejudicadas. Processo extinto
sem resolução de mérito em relação a Cury Construtora e Incorporadora
S/A, Cury Empreendimento Imobiliários Ltda. e Principal Administração e
Empreendimentos Ltda. Demanda julgada parcialmente procedente, na forma do
artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil.
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL - PAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA E DA ADMINISTRADORA
DO CONDOMÍNIO NO POLO PASSIVO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. NORMAS
DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DAS CORRÉS:
IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR EVENTUAL LIDE
ENTRE OS AUTORES E A CONSTRUTORA OU ENTRE OS AUTORES E A ADMINISTRADORA DO
CONDOMÍNIO. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 1.013, §3º,
II, DO CPC. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA ARRENDADORA PELA QUALIDADE DOS
IMÓVEIS OFERTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO
DA OBRIGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. DEMANDA JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Não há relação jurídica estabelecida entre os autores e a construtora,
nem entre os autores e a administradora do condomínio. A única relação
jurídica de que trata os autos é aquela constituída entre a autora e a
CEF, por meio de contrato de arrendamento residencial vinculado ao Programa
de Arrendamento Residencial - PAR.
2. O contrato em questão é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001,
que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento
da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de
arrendamento residencial com opção de compra.
3. Os contratos do PAR são firmados pela instituição financeira, no caso a
Caixa Econômica Federal, que age na qualidade de agente operador do Programa,
na forma § 1º do artigo 1º da Lei nº 10.188/2001. Trata-se, portanto,
de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais
carentes à moradia.
4. Aplicando analogicamente o entendimento jurisprudencial consagrado no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é impossível a aplicação
das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados
ao PAR, na medida em que referidos contratos não caracterizam relação
de consumo nem tampouco apresentam conotação de serviço bancário,
mas sim consubstanciam-se em programa habitacional custeado com recursos
públicos. Precedente.
5. Afastada a possibilidade de condenação solidária com base na norma
consumerista, não se verifica, no caso, a ocorrência de litisconsórcio
necessário. E, como o litisconsórcio facultativo pressupõe a competência
para o julgamento contra todos os litisconsortes, há que se considerar que
a Justiça Federal não é competente para julgar eventual lide instaurada
entre a autora e a construtora.
6. Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código Civil faz emergir,
como seus pressupostos, a existência de contrato válido; sua inexecução,
pelo inadimplemento absoluto ou pela mora; dano e nexo causal. A propósito
deste último, o artigo 403 exige que o dano seja consequência necessária,
direta e imediata, da inexecução da obrigação.
7. No âmbito no PAR, a CEF adquire imóveis já construídos, com a
finalidade de atender às exigências do programa habitacional, conforme
determina o caput do artigo 6º da Lei nº 10.188/2001. A CEF, portanto,
tem o dever de entregar aos beneficiários do PAR imóveis aptos à moradia,
na medida em que o programa foi instituído para atendimento da necessidade
de moradia da população de baixa renda.
8. A Lei nº 10.188/2001 também estabelece que se aplica ao arrendamento
residencial, no que couber, a legislação pertinente ao arrendamento mercantil
(artigo 10). Nesse sentido, convém ressaltar que a Lei nº 6.099/1974, no
parágrafo único de seu artigo 1º, define o arrendamento mercantil como
"o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta".
9. Dessa definição legal depreende-se que o arrendador tem o dever de
entregar o bem arrendado, garantindo sua idoneidade e adequação aos fins
a que se destina, ou seja, o uso do bem pelo arrendatário.
10. No caso dos autos, o imóvel arrendado pertence ao "Residencial Tibúrcio
de Souza I", localizado no Município de São Paulo/SP.
11. A CEF não nega que o imóvel arrendado tenha apresentado as alegadas
anomalias construtivas. Desse modo, uma vez não assegurado o bom uso ao fim a
que se destina o bem, conclui-se pela inexecução do contrato de arrendamento
residencial, ante o inadimplemento absoluto da obrigação pela CEF.
12. O laudo pericial constatou que houve alagamento do apartamento dos
autores. Resta caracterizado, portanto, o dano como decorrência necessária
do inadimplemento.
13. Os danos materiais estão suficientemente comprovados nos autos, mediante
dezenas de fotos nas quais se veem o mobiliário, aparelhos eletrônicos,
diversos objetos de interesse pessoal e roupas atingidos pela inundação,
muitos deles inutilizados.
14. O moderno entendimento acerca do dano moral, à luz da Constituição
da República de 1988, classifica-o, em sentido estrito, como violação ao
direito à dignidade e, em sentido amplo, como os diversos graus de ofensa
aos direitos da personalidade, considerada a pessoa em suas dimensões
individual e social.
15. O mero inadimplemento contratual, em princípio, não teria o condão
de caracterizar o dano moral. No entanto, se os efeitos do inadimplemento
contratual, como no caso dos autos, extrapolam o mero aborrecimento cotidiano e
repercutem na esfera da dignidade da vítima, o dano moral resta perfeitamente
configurado.
16. Reconhecida a responsabilidade da CEF, fica esta condenada ao pagamento
de indenização por danos materiais, no montante de R$ 6.469,00 (seis
mil, quatrocentos e sessenta e nove reais) postulado pelos autores na
inicial, referente aos móveis estragados; e por danos morais, fixados,
com razoabilidade, em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
17. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
19. Sentença anulada de ofício. Apelações prejudicadas. Processo extinto
sem resolução de mérito em relação a Cury Construtora e Incorporadora
S/A, Cury Empreendimento Imobiliários Ltda. e Principal Administração e
Empreendimentos Ltda. Demanda julgada parcialmente procedente, na forma do
artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, de ofício, anular a r. sentença e julgar prejudicadas as
apelações interpostas; julgar extinto o feito, sem resolução de mérito, em
relação às corrés Cury Construtora e Incorporadora S/A, Cury Empreendimento
Imobiliários Ltda. e Principal Administração e Empreendimentos Ltda.; e,
na forma do artigo 1.013, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil,
julgar parcialmente procedente a demanda, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
11/07/2017
Data da Publicação
:
25/07/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1997871
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/07/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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