TRF3 0025155-72.2007.4.03.6100 00251557220074036100
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. AGRAVOS INTERNOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO EM LITISCONSÓRCIO. PLEITEADO QUE A UNIÃO CUSTEIE O
RETORNO DE RESTOS MORTAIS DE BRASILEIROS FALECIDOS NO EXTERIOR, QUANDO
PRESENTE A CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DOS FAMILIARES. ILEGITIMIDADE
ATIVA. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL E CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES. AGRAVOS DESPROVIDO.
1. Na origem, trata-se de ação civil pública pela qual o MPF e a DPU,
em litisconsórcio ativo facultativo, pleiteiam que a União seja compelida a
arcar com as despesas de sepultamento, cremação, embalsamento e de transporte
dos restos mortais dos brasileiros Davison Lins Alves de Oliveira, falecido
na Colômbia em 28.08.2006, e Danilo Mendes, morto na Venezuela em 11.01.2007.
2. Os autores pugnam, ainda, que a União arque com o pagamento de despesas de
sepultamento, cremação, embalsamento e de transporte de restos mortais, em
todos os casos de falecimento de brasileiros no exterior, caso as respectivas
famílias sejam hipossuficientes financeiramente.
3. Pela sentença, e antes mesmo da citação da União, houve o indeferimento
da petição inicial, sob o fundamento de ilegitimidade ativa, uma vez que
a ação teria por escopo a tutela de interesses individuais disponíveis,
de tal maneira que somente os próprios interessados - no caso, os familiares
de Davison e Danilo - teriam legitimidade para promover a demanda.
4. A decisão ora agravada, por sua vez, negou seguimento à remessa
necessária e ao recurso de apelação manejado pelos autores.
5. Destaca-se que decisão ora recorrida encontra-se supedaneada em
jurisprudência consolidada do C. STJ a respeito da matéria de fundo - limites
sobre o controle judicial das políticas públicas -, inclusive quanto aos
pontos impugnados no presente recurso. Ademais, o julgamento monocrático não
ocasionou qualquer prejuízo às partes, pois com a interposição deste agravo
interno, a matéria foi efetivamente devolvida à apreciação da E. Turma
Julgadora, não se cogitando de vulneração ao preceito da colegialidade.
6. Conforme registrado na decisão agravada, o apontado "direito ao luto",
ainda que despido de conteúdo patrimonial, não comporta interpretação
de tamanha magnitude a ponto de lhe retirar a possibilidade de disposição
pelos interessados, segundo suas ideias e crenças, razão pela qual não pode
ser equiparado a um interesse difuso ou individual indisponível a despertar
a legitimação dos agravantes, para correspondente defesa mediante ação
civil pública.
7. Tanto é assim que o próprio MPF, nas suas razões de agravo, acabou
por, indiretamente, admitir que o indigitado "direito ao luto" não
dispõe de homogeneidade na crença e cultura brasileiras, registrando ser
"indubitável que a sociedade brasileira, apesar de toda a sua diversidade
cultural, adota, quase que de modo hegemônico, o rito fúnebre de velar e
enterrar (ou cremar) seus mortos, atribuindo valor inestimável ao ritual
da despedida." (fls. 389-v).
8. Logo, presente a controvérsia acerca de como esse "direito ao
luto" seria exercido por cada um, inviável o correspondente controle
generalizado objetivado nesta ação civil pública, resguardada, no entanto,
a possibilidade de apreciação pela via individual, sempre à luz do caso
concreto.
9. Ainda que superada a questão da ilegitimidade "ad causam", e para
além dos precedentes já registrados na decisão agravada, tem-se que a
jurisprudência do Pretório Excelso e do C. STJ vêm decidindo no sentido de
que o controle jurisdicional de políticas públicas somente legitima-se em
caso de inescusável omissão estatal, com prejuízo de direitos essenciais
inclusos no conceito de mínimo existencial ou constitucionalmente reconhecidos
como essenciais (AgRg no REsp 1192779/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, 1ªT, DJe 11/03/2016; REsp 1367549/MG, Rel. Min. Humberto Martins,
2ªT, DJe 08/09/2014).
10. O apontado "direito ao luto", conquanto relevante, não pode ser
compreendido como intrínseco a um conjunto de prestações materiais
necessárias e absolutamente essenciais para que o ser humano tenha uma vida
digna, razão pela qual não integra o conceito de mínimo existencial.
11. Também não há qualquer previsão, na Carta Magna ou na legislação
infraconstitucional, impondo à União o dever de custear despesas de
transporte, sepultamento, cremação ou embalsamento de brasileiros mortos
no exterior, ainda que presente a condição de hipossuficiência.
12. Sempre considerada a importância da ação civil pública para a tutela
dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito, individuais homogêneos
e individuais indisponíveis, verdadeira expressão da denominada "terceira
dimensão de direitos fundamentais" ligados aos valores de fraternidade e
solidariedade, o fato é que não há como se admitir, senão excepcionalmente,
a utilização desse instrumento para a criação ou modificação de
obrigações que só poderiam decorrer da lei ou da Constituição. Decerto,
o caso ora sob exame não pode ser confundido com outras situações que,
em regra, autorizam a intervenção dos legitimados da ação civil pública
para obrigar a atuação do Estado e o impulso de políticas públicas,
como nos casos de prestação de saúde e educação, deveres previstos
especificamente na Constituição da República.
13. E nem tampouco se mostra seguro, juridicamente, elucubrar conceitos
ou princípios constitucionais abertos, como é o da dignidade da pessoa
humana, com o objetivo de cunhar específicos deveres, tomando de surpresa a
Administração Pública e a ela impondo encargos materiais e financeiros não
previstos ou suportáveis. De fato, posicionamento em sentido contrário
afronta a separação de poderes, tornando o judiciário verdadeiro
legislador.
14. Obrigação dessa magnitude, da forma em que requerida pelos autores,
exigiria, além de discussão legislativa e apropriada reserva financeira,
um hígido aparelhamento e organização administrativos, que decerto não
surgiriam adequadamente caso simplesmente ordenado o encargo pelo Judiciário,
sob a coação de "astreintes".
15. E não se diga que o dever da União em transportar e sepultar os corpos
de brasileiros mortos no exterior, quando presente a hipossuficiência,
decorreria da interpretação do art. 203, I, da Carta Magna, o qual
preconiza que a assistência social será prestada, entre o mais, a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
tendo como um dos objetivos a proteção à família.
16. Isso porque o Regulamento Consular mencionado pelos recorrentes (item 6.6.4
da Seção 6ª, Capítulo 3º, do Manual do Serviço Consular e Jurídico)
prevê que a assistência social, em casos de falecimento de brasileiros
no exterior, será prestada por meio da competente Autoridade Consular,
quando solicitada, incluídos, entre o mais, os cuidados para devida
identificação, informação aos familiares e sepultamento no país do
evento, caso não providenciado o retorno pela família envolvida conforme
as possibilidades. Destarte, ao revés do que alegado pelos agravantes,
o Estado Brasileiro, em tais hipóteses, não descarta a prestação de
assistência social, ainda que não assuma a obrigação de providenciar o
regresso dos restos mortais ao país.
17. Importa consignar, ainda, que os autores da ação civil pública sequer
cogitaram da existência de múltiplas reclamações de que o Brasil esteja
agindo com reiterada negligência em prestar assistência social a famílias
de nacionais falecidos no estrangeiro.
18. Muito embora a consolidação de um Estado de Direito tenha como corolário
a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário frente a situações
nas quais a atitude ou a omissão do Administrador se afigure ilegítima,
é certo também que, em essência, os Poderes são harmônicos entre si
(art. 2º da CFR), cabendo ao Poder Executivo a indiscutível prioridade na
implementação de políticas públicas.
19. Portanto, inexistentes demonstrativos de que, nas situações apontadas
pelos autores, a Administração age em desconformidade ao direito, é de
rigor que prevaleçam a posições adotadas nas políticas públicas ora
discutidas, no caso, o modo de prestação assistencial aos familiares de
brasileiros falecidos no exterior previsto em Regulamento Consular.
20. Agravos internos do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública
da União desprovidos.
Ementa
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. AGRAVOS INTERNOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO EM LITISCONSÓRCIO. PLEITEADO QUE A UNIÃO CUSTEIE O
RETORNO DE RESTOS MORTAIS DE BRASILEIROS FALECIDOS NO EXTERIOR, QUANDO
PRESENTE A CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DOS FAMILIARES. ILEGITIMIDADE
ATIVA. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL E CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES. AGRAVOS DESPROVIDO.
1. Na origem, trata-se de ação civil pública pela qual o MPF e a DPU,
em litisconsórcio ativo facultativo, pleiteiam que a União seja compelida a
arcar com as despesas de sepultamento, cremação, embalsamento e de transporte
dos restos mortais dos brasileiros Davison Lins Alves de Oliveira, falecido
na Colômbia em 28.08.2006, e Danilo Mendes, morto na Venezuela em 11.01.2007.
2. Os autores pugnam, ainda, que a União arque com o pagamento de despesas de
sepultamento, cremação, embalsamento e de transporte de restos mortais, em
todos os casos de falecimento de brasileiros no exterior, caso as respectivas
famílias sejam hipossuficientes financeiramente.
3. Pela sentença, e antes mesmo da citação da União, houve o indeferimento
da petição inicial, sob o fundamento de ilegitimidade ativa, uma vez que
a ação teria por escopo a tutela de interesses individuais disponíveis,
de tal maneira que somente os próprios interessados - no caso, os familiares
de Davison e Danilo - teriam legitimidade para promover a demanda.
4. A decisão ora agravada, por sua vez, negou seguimento à remessa
necessária e ao recurso de apelação manejado pelos autores.
5. Destaca-se que decisão ora recorrida encontra-se supedaneada em
jurisprudência consolidada do C. STJ a respeito da matéria de fundo - limites
sobre o controle judicial das políticas públicas -, inclusive quanto aos
pontos impugnados no presente recurso. Ademais, o julgamento monocrático não
ocasionou qualquer prejuízo às partes, pois com a interposição deste agravo
interno, a matéria foi efetivamente devolvida à apreciação da E. Turma
Julgadora, não se cogitando de vulneração ao preceito da colegialidade.
6. Conforme registrado na decisão agravada, o apontado "direito ao luto",
ainda que despido de conteúdo patrimonial, não comporta interpretação
de tamanha magnitude a ponto de lhe retirar a possibilidade de disposição
pelos interessados, segundo suas ideias e crenças, razão pela qual não pode
ser equiparado a um interesse difuso ou individual indisponível a despertar
a legitimação dos agravantes, para correspondente defesa mediante ação
civil pública.
7. Tanto é assim que o próprio MPF, nas suas razões de agravo, acabou
por, indiretamente, admitir que o indigitado "direito ao luto" não
dispõe de homogeneidade na crença e cultura brasileiras, registrando ser
"indubitável que a sociedade brasileira, apesar de toda a sua diversidade
cultural, adota, quase que de modo hegemônico, o rito fúnebre de velar e
enterrar (ou cremar) seus mortos, atribuindo valor inestimável ao ritual
da despedida." (fls. 389-v).
8. Logo, presente a controvérsia acerca de como esse "direito ao
luto" seria exercido por cada um, inviável o correspondente controle
generalizado objetivado nesta ação civil pública, resguardada, no entanto,
a possibilidade de apreciação pela via individual, sempre à luz do caso
concreto.
9. Ainda que superada a questão da ilegitimidade "ad causam", e para
além dos precedentes já registrados na decisão agravada, tem-se que a
jurisprudência do Pretório Excelso e do C. STJ vêm decidindo no sentido de
que o controle jurisdicional de políticas públicas somente legitima-se em
caso de inescusável omissão estatal, com prejuízo de direitos essenciais
inclusos no conceito de mínimo existencial ou constitucionalmente reconhecidos
como essenciais (AgRg no REsp 1192779/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, 1ªT, DJe 11/03/2016; REsp 1367549/MG, Rel. Min. Humberto Martins,
2ªT, DJe 08/09/2014).
10. O apontado "direito ao luto", conquanto relevante, não pode ser
compreendido como intrínseco a um conjunto de prestações materiais
necessárias e absolutamente essenciais para que o ser humano tenha uma vida
digna, razão pela qual não integra o conceito de mínimo existencial.
11. Também não há qualquer previsão, na Carta Magna ou na legislação
infraconstitucional, impondo à União o dever de custear despesas de
transporte, sepultamento, cremação ou embalsamento de brasileiros mortos
no exterior, ainda que presente a condição de hipossuficiência.
12. Sempre considerada a importância da ação civil pública para a tutela
dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito, individuais homogêneos
e individuais indisponíveis, verdadeira expressão da denominada "terceira
dimensão de direitos fundamentais" ligados aos valores de fraternidade e
solidariedade, o fato é que não há como se admitir, senão excepcionalmente,
a utilização desse instrumento para a criação ou modificação de
obrigações que só poderiam decorrer da lei ou da Constituição. Decerto,
o caso ora sob exame não pode ser confundido com outras situações que,
em regra, autorizam a intervenção dos legitimados da ação civil pública
para obrigar a atuação do Estado e o impulso de políticas públicas,
como nos casos de prestação de saúde e educação, deveres previstos
especificamente na Constituição da República.
13. E nem tampouco se mostra seguro, juridicamente, elucubrar conceitos
ou princípios constitucionais abertos, como é o da dignidade da pessoa
humana, com o objetivo de cunhar específicos deveres, tomando de surpresa a
Administração Pública e a ela impondo encargos materiais e financeiros não
previstos ou suportáveis. De fato, posicionamento em sentido contrário
afronta a separação de poderes, tornando o judiciário verdadeiro
legislador.
14. Obrigação dessa magnitude, da forma em que requerida pelos autores,
exigiria, além de discussão legislativa e apropriada reserva financeira,
um hígido aparelhamento e organização administrativos, que decerto não
surgiriam adequadamente caso simplesmente ordenado o encargo pelo Judiciário,
sob a coação de "astreintes".
15. E não se diga que o dever da União em transportar e sepultar os corpos
de brasileiros mortos no exterior, quando presente a hipossuficiência,
decorreria da interpretação do art. 203, I, da Carta Magna, o qual
preconiza que a assistência social será prestada, entre o mais, a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
tendo como um dos objetivos a proteção à família.
16. Isso porque o Regulamento Consular mencionado pelos recorrentes (item 6.6.4
da Seção 6ª, Capítulo 3º, do Manual do Serviço Consular e Jurídico)
prevê que a assistência social, em casos de falecimento de brasileiros
no exterior, será prestada por meio da competente Autoridade Consular,
quando solicitada, incluídos, entre o mais, os cuidados para devida
identificação, informação aos familiares e sepultamento no país do
evento, caso não providenciado o retorno pela família envolvida conforme
as possibilidades. Destarte, ao revés do que alegado pelos agravantes,
o Estado Brasileiro, em tais hipóteses, não descarta a prestação de
assistência social, ainda que não assuma a obrigação de providenciar o
regresso dos restos mortais ao país.
17. Importa consignar, ainda, que os autores da ação civil pública sequer
cogitaram da existência de múltiplas reclamações de que o Brasil esteja
agindo com reiterada negligência em prestar assistência social a famílias
de nacionais falecidos no estrangeiro.
18. Muito embora a consolidação de um Estado de Direito tenha como corolário
a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário frente a situações
nas quais a atitude ou a omissão do Administrador se afigure ilegítima,
é certo também que, em essência, os Poderes são harmônicos entre si
(art. 2º da CFR), cabendo ao Poder Executivo a indiscutível prioridade na
implementação de políticas públicas.
19. Portanto, inexistentes demonstrativos de que, nas situações apontadas
pelos autores, a Administração age em desconformidade ao direito, é de
rigor que prevaleçam a posições adotadas nas políticas públicas ora
discutidas, no caso, o modo de prestação assistencial aos familiares de
brasileiros falecidos no exterior previsto em Regulamento Consular.
20. Agravos internos do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública
da União desprovidos.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento aos agravos internos apresentados pelo
Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
01/02/2018
Data da Publicação
:
09/02/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1282767
Órgão Julgador
:
SEXTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-2 ART-203 INC-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/02/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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