TRF3 0025455-40.2008.4.03.9999 00254554020084039999
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA CITRA PETITA. JULGAMENTO EM SEGUNDO
GRAU. CAUSA MADURA. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO. APOSENTADORIA COM PROVENTOS
INTEGRAIS. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. EXECUÇÃO DAS PARCELAS EM
ATRASO. VOTO VENCIDO. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA
ANULADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural, nos períodos de
02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a 30/10/1978. Além disso, pretende
ver reconhecida a especialidade do trabalho desempenhado no período de
01/01/1993 a 31/05/2002.
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado
decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015. Em sua decisão,
o juiz a quo reconheceu como especial o labor desempenhado no período
questionado na inicial (01/01/1993 a 31/05/2002), deixando, entretanto,
de analisar o pedido de reconhecimento de atividade campesina supostamente
exercida nos interregnos de 02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a
30/10/1978. Desta forma, a sentença é citra petita, porquanto não analisou
pedido expressamente formulado na inicial, restando violado o princípio da
congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015. O
caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez
que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo
quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013,
§ 3º, II, do Código de Processo Civil.
3 - Quanto ao alegado labor rural, cumpre salientar que o art. 55, §3º,
da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material,
não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149,
do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de
economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91
em seu artigo 11, inciso VII.
7 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
8 - As pretensas provas materiais juntadas aos autos, a respeito do labor
no campo do autor, são: a) Certificado de Dispensa de Incorporação,
no qual consta que o autor "foi dispensado do Serviço Militar Inicial, em
31/12/1968 por residir em zona rural de município tributário de Órgão
de Formação de Reserva" (fl. 46); b) Declaração do Produtor Rural,
em nome de seu genitor, Sr. Mario Galdezzani, referente aos exercícios
de 1976 a 1979 (fls. 47/50); c) Declarações emitidas por particulares,
atestando o labor campesino do autor (fls. 51/54).
9 - Em relação a tais documentos, cumpre notar que as declarações de
atividade rural constituem meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo
do contraditório, razão pela qual não constituem hábil início de prova
material de labor rurícola.
10 - Quanto ao Certificado de Dispensa de Incorporação, a despeito de
não ter sido juntado o verso do documento - no qual em geral se descreve
a profissão exercida pelo alistando - verifica-se, por outro lado, que o
próprio INSS relata que o documento em questão foi expedido em 04/03/1969 e
que no seu verso "consta a profissão agricultor" (fl. 79), tendo, inclusive,
se servido de tal expediente para reconhecer administrativamente, como
tempo de serviço rural, o lapso compreendido entre 01/01/1969 a 31/12/1969
(fls. 84/85). Outrossim, no que diz respeito às Declarações do Produtor
Rural, em nome do genitor do autor, por serem contemporâneas ao período
pretendido, afigura-se viável a extensão de seus efeitos ao requerente,
porquanto a tese ora defendida é justamente a da agricultura de subsistência,
em regime de economia familiar, nos termos do artigo 11, inciso VII, da Lei
n. 8.213/91.
11 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória
dos documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho
campesino nos períodos de 02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a
30/10/1978, conforme requerido na exordial.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em
obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a
égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem
como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então
exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer
restrições à admissão do tempo de serviço especial. Precedente do STJ.
13 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
14 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
15 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
16 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
17 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
18 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
19 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão
de redução das condições agressivas.
20 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
21 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
22 - Para comprovar que suas atividades, no período de 01/01/1993 a
31/05/2002, foram exercidas em condições especiais, o autor coligiu
aos autos o formulário DSS - 8030 de fl. 26, o qual revela que, ao
desempenhar a função de "Porteiro", junto à "Fundação Padre Albino -
Hosp. Padre Albino", esteve "em contato com sangue dos pacientes acidentados,
secreções purulentas, e pacientes portadores de todos os tipos de doenças
infecto-contagiosas".
23 - Durante a fase instrutória, sobreveio o laudo pericial de fls. 160/172,
tendo o expert realizado a inspeção in loco, e apresentado a conclusão
de que "em suas atividades rotineiras o requerente mantém contato direto e
permanente com pacientes e objetos manipulados por estes pacientes, estando
assim exposto a agente biológico".
24 - Restou expressamente assentado no laudo pericial em questão que "não
se pode afirmar com convicção que os EPI's foram utilizados de maneira
adequada, de modo a eliminar ou neutralizar a insalubridade".
25 - Dessa forma, passível o enquadramento da especialidade da atividade
por todo o período indicado na exordial (01/01/1993 a 31/05/2002), de acordo
com os itens 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79,
3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
26 - A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente
prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal.
27 - Somando-se o labor rural (02/01/1965 a 30/01/1970 e 01/08/1970
a 30/10/1978) e a atividade especial (01/01/1993 a 31/05/2002),
reconhecidos nesta demanda, aos demais períodos de atividade comum,
considerados incontroversos ("resumo de documentos para cálculo de tempo de
contribuição" de fls. 84/85, CTPS de fls. 14/21 e CNIS), verifica-se que o
autor, na data do requerimento administrativo (12/07/2002), perfazia 38 anos,
05 meses e 16 dias de serviço, o que lhe assegura, a partir daquela data,
o direito à percepção do benefício de aposentadoria integral por tempo
de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito
etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
28 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento
administrativo (12/07/2002).
29 - Verifica-se, pelo Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS,
que a parte autora recebe o benefício de aposentadoria por invalidez. Sendo
assim, faculta-se ao demandante a opção pela percepção do benefício
que se lhe afigurar mais vantajoso, vedado o recebimento em conjunto de duas
aposentadorias, nos termos do art. 124, II, da Lei nº 8.213/91. Vencedora
a tese - não adotada por este Relator - que possibilita a execução das
parcelas em atraso, decorrentes do benefício concedido judicialmente, até o
dia anterior à implantação do benefício concedido na via administrativa,
caso este seja mais vantajoso.
30 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada,
conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão
geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do
IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
31 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
32 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada
moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73,
vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente
atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
33 - Isenção da Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
34 - Apelação da parte autora provida. Sentença anulada. Julgada procedente
a ação.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA CITRA PETITA. JULGAMENTO EM SEGUNDO
GRAU. CAUSA MADURA. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO. APOSENTADORIA COM PROVENTOS
INTEGRAIS. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. EXECUÇÃO DAS PARCELAS EM
ATRASO. VOTO VENCIDO. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA
ANULADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural, nos períodos de
02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a 30/10/1978. Além disso, pretende
ver reconhecida a especialidade do trabalho desempenhado no período de
01/01/1993 a 31/05/2002.
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado
decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015. Em sua decisão,
o juiz a quo reconheceu como especial o labor desempenhado no período
questionado na inicial (01/01/1993 a 31/05/2002), deixando, entretanto,
de analisar o pedido de reconhecimento de atividade campesina supostamente
exercida nos interregnos de 02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a
30/10/1978. Desta forma, a sentença é citra petita, porquanto não analisou
pedido expressamente formulado na inicial, restando violado o princípio da
congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015. O
caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez
que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo
quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013,
§ 3º, II, do Código de Processo Civil.
3 - Quanto ao alegado labor rural, cumpre salientar que o art. 55, §3º,
da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material,
não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149,
do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de
economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91
em seu artigo 11, inciso VII.
7 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
8 - As pretensas provas materiais juntadas aos autos, a respeito do labor
no campo do autor, são: a) Certificado de Dispensa de Incorporação,
no qual consta que o autor "foi dispensado do Serviço Militar Inicial, em
31/12/1968 por residir em zona rural de município tributário de Órgão
de Formação de Reserva" (fl. 46); b) Declaração do Produtor Rural,
em nome de seu genitor, Sr. Mario Galdezzani, referente aos exercícios
de 1976 a 1979 (fls. 47/50); c) Declarações emitidas por particulares,
atestando o labor campesino do autor (fls. 51/54).
9 - Em relação a tais documentos, cumpre notar que as declarações de
atividade rural constituem meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo
do contraditório, razão pela qual não constituem hábil início de prova
material de labor rurícola.
10 - Quanto ao Certificado de Dispensa de Incorporação, a despeito de
não ter sido juntado o verso do documento - no qual em geral se descreve
a profissão exercida pelo alistando - verifica-se, por outro lado, que o
próprio INSS relata que o documento em questão foi expedido em 04/03/1969 e
que no seu verso "consta a profissão agricultor" (fl. 79), tendo, inclusive,
se servido de tal expediente para reconhecer administrativamente, como
tempo de serviço rural, o lapso compreendido entre 01/01/1969 a 31/12/1969
(fls. 84/85). Outrossim, no que diz respeito às Declarações do Produtor
Rural, em nome do genitor do autor, por serem contemporâneas ao período
pretendido, afigura-se viável a extensão de seus efeitos ao requerente,
porquanto a tese ora defendida é justamente a da agricultura de subsistência,
em regime de economia familiar, nos termos do artigo 11, inciso VII, da Lei
n. 8.213/91.
11 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória
dos documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho
campesino nos períodos de 02/01/1965 a 30/01/1970 e de 01/08/1970 a
30/10/1978, conforme requerido na exordial.
12 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em
obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a
égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem
como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então
exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer
restrições à admissão do tempo de serviço especial. Precedente do STJ.
13 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
14 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
15 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
16 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
17 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
18 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
19 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão
de redução das condições agressivas.
20 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
21 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
22 - Para comprovar que suas atividades, no período de 01/01/1993 a
31/05/2002, foram exercidas em condições especiais, o autor coligiu
aos autos o formulário DSS - 8030 de fl. 26, o qual revela que, ao
desempenhar a função de "Porteiro", junto à "Fundação Padre Albino -
Hosp. Padre Albino", esteve "em contato com sangue dos pacientes acidentados,
secreções purulentas, e pacientes portadores de todos os tipos de doenças
infecto-contagiosas".
23 - Durante a fase instrutória, sobreveio o laudo pericial de fls. 160/172,
tendo o expert realizado a inspeção in loco, e apresentado a conclusão
de que "em suas atividades rotineiras o requerente mantém contato direto e
permanente com pacientes e objetos manipulados por estes pacientes, estando
assim exposto a agente biológico".
24 - Restou expressamente assentado no laudo pericial em questão que "não
se pode afirmar com convicção que os EPI's foram utilizados de maneira
adequada, de modo a eliminar ou neutralizar a insalubridade".
25 - Dessa forma, passível o enquadramento da especialidade da atividade
por todo o período indicado na exordial (01/01/1993 a 31/05/2002), de acordo
com os itens 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79,
3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
26 - A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente
prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal.
27 - Somando-se o labor rural (02/01/1965 a 30/01/1970 e 01/08/1970
a 30/10/1978) e a atividade especial (01/01/1993 a 31/05/2002),
reconhecidos nesta demanda, aos demais períodos de atividade comum,
considerados incontroversos ("resumo de documentos para cálculo de tempo de
contribuição" de fls. 84/85, CTPS de fls. 14/21 e CNIS), verifica-se que o
autor, na data do requerimento administrativo (12/07/2002), perfazia 38 anos,
05 meses e 16 dias de serviço, o que lhe assegura, a partir daquela data,
o direito à percepção do benefício de aposentadoria integral por tempo
de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito
etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
28 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento
administrativo (12/07/2002).
29 - Verifica-se, pelo Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS,
que a parte autora recebe o benefício de aposentadoria por invalidez. Sendo
assim, faculta-se ao demandante a opção pela percepção do benefício
que se lhe afigurar mais vantajoso, vedado o recebimento em conjunto de duas
aposentadorias, nos termos do art. 124, II, da Lei nº 8.213/91. Vencedora
a tese - não adotada por este Relator - que possibilita a execução das
parcelas em atraso, decorrentes do benefício concedido judicialmente, até o
dia anterior à implantação do benefício concedido na via administrativa,
caso este seja mais vantajoso.
30 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada,
conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão
geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do
IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
31 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
32 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada
moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73,
vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente
atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
33 - Isenção da Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
34 - Apelação da parte autora provida. Sentença anulada. Julgada procedente
a ação.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, para anular
a r. sentença de 1º grau, por ser citra petita e, com supedâneo no
art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar procedente o
pedido, para reconhecer o labor rural no período de 02/01/1965 a 30/01/1970
e de 01/08/1970 a 30/10/1978, bem como a especialidade do trabalho no período
de 01/01/1993 a 31/05/2002, e para condenar o INSS no pagamento e implantação
do benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, a partir
da data do requerimento administrativo (12/07/2002), facultando-se ao autor
a opção de percepção pelo benefício que lhe for mais vantajoso, sendo
que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, e, por
fim, para condenar a Autarquia na verba honorária, fixada em 10% sobre as
parcelas vencidas, contadas estas até a data de prolação da sentença e,
por maioria, possibilitar a execução das parcelas em atraso decorrentes
do benefício concedido judicialmente até o dia anterior à implantação
do benefício mais vantajoso concedido na via administrativa, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
26/03/2018
Data da Publicação
:
11/04/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1314671
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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