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Jurisprudência


TRF3 0029789-05.2017.4.03.9999 00297890520174039999

Ementa
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA MANTIDA. 1 - Desnecessária a produção de nova perícia porque o laudo médico foi feito por profissional habilitado, bem como sua conclusão baseou-se em exames físicos. Ademais, o laudo pericial conclusivo e fundamentado, não havendo qualquer contrariedade ou dúvida. Não houve prejuízo às partes capaz de ensejar a nulidade do feito, não havendo cerceamento de defesa. 2 - O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam. 3 - A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família. 4 - O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34. 5 - O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso. 6 - Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. 7 - O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF. 8 - A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência. 9 - Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190. 10 - A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013. 11 - A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social. 12 - A estipulação de que o salário mínimo é uma garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição. 13 - Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais. 14 - A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar. 15 - Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe. 16 - A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia. 17 - A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal. 18 - A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício. 19 - O laudo médico-pericial feito em 22.03.2016, às fls. 93/100, complementado em 10.01.2017, às fls. 123/127, atesta que o autor é portador de "Transtorno mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substância psicoativas - outros transtornos mentais ou comportamentais", e conclui que "existe a incapacidade laborativa total e permanente". Em resposta aos quesitos, o perito relata que o autor NÃO teria condições de concorrer a cargo para exercer atividade laborativa em igualdade de condições com outras pessoas. 20 - O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida independente não eram definidores da deficiência. 21 - Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. 22 - O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS). 23 - As patologias apontadas pelo perito se ajustam ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II. 24 - O estudo social feito em 16.06.2015, às fls. 71/75, dá conta de que o autor reside com a companheira, Sra. Elaine Laroca da Silva, de 35, e o filho Jefferson Carlos da Silva, de 15, em imóvel que pertence à mãe do autor, contendo quatro cômodos, sem forro e o piso está no contra piso. As despesas fixas da família são: água R$ 13,85; energia elétrica R$ 54,51; gás R$ 58,00. Os remédios de que o casal necessita são retirados na farmácia do Município. A família recebia uma cesta básica da Igreja Congregação Cristã do Brasil, no entanto, faz dois meses que não recebe esse auxílio. A família conta com a ajuda da mãe do autor para arcar com as despesas, uma vez que a renda advém do Benefício Bolsa Família que o autor recebe, no valor de R$ 114,00 (cento e catorze reais) mensais, e do trabalho deste uma vez por semana em uma gráfica, recebendo R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por dia de trabalho. 25 - A consulta ao CNIS indica que a companheira e o filho não têm vínculo de trabalho. 26 - Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não se justifica o indeferimento do benefício. 27 - A situação é precária e de miserabilidade, dependendo o autor do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal. 28 - As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos. 29 - A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017. 30 - Preliminar rejeitada. Apelação provida em parte. Mantida a tutela concedida na sentença.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado Otávio Port, que foi acompanhado pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pela Desembargadora Federal Ana Pezarini (que votou nos termos do art. 942, "caput" e §1º, do CPC). Vencido o Relator, que lhe dava provimento. Julgamento nos termos do disposto no artigo 942, "caput" E §1º, do CPC. Lavrará acórdão o Juiz Federal Convocado Otávio Port.

Data do Julgamento : 23/05/2018
Data da Publicação : 15/08/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2267596
Órgão Julgador : NONA TURMA
Relator(a) : JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : JUIZ CONVOCADO OTAVIO PORT
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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