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Jurisprudência


TRF3 0034549-11.2004.4.03.6100 00345491120044036100

Ementa
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. CHAMADAS TELEVISIVAS. POSSIBILIDADE. DIREITO DE RESPOSTA COLETIVO. GARANTIA À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. PROGRAMA TELEVISIVO. CARÁTER PEJORATIVO E DISCRIMINATÓRIO. DESONRA. GRUPO RELIGIOSO OU CULTURAL. CONFIGURAÇÃO. MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. POSSIBILIDADE. MULTA DIÁRIA. MEIO COERCITIVO. CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. RAZOABILIDADE. INQUESTIONÁVEL CAPACIDADE ECONÔMICA DOS OFENSORES. LEI N.º 13.188/2015. PROCEDIMENTO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM CURSO. 1. Não prospera a alegação de que o julgamento seria extra petita por ter determinado a veiculação de chamadas para dar publicidade ao direito de resposta pretendido, uma vez que, concedendo o r. Juízo de origem um montante de carga horária substancialmente menor do que o requerido e tendo em vista que o intuito principal do direito de resposta é o de alcançar o maior número possível de telespectadores em âmbito nacional, mostra-se plenamente razoável e proporcional a fixação de chamadas televisivas conforme realizada na sentença. 2. Também sem razão a apelante quando assevera que a sentença deveria ser anulada uma vez que o r. Juízo a quo não teria fundamentado o decisum, mesmo após a oposição de dois embargos de declaração, uma vez que ser a sentença extra petita não constitui hipótese de cabimento de Embargos de Declaratórios, a teor do art. 535 do CPC. 3. In casu, o Ministério Público Federal, juntamente com duas associações civis, ajuizou a presente ação civil pública, objetivando garantir o direito de resposta coletivo às entidades afro-brasileiras diante de ofensas perpetradas em programas religiosos transmitidos pelas emissoras de televisão. 4. A Constituição Federal de 1988 sistematicamente em muitos de seus dispositivos protege o direito de crença, elevando-o à categoria de direito fundamental. Pode-se afirmar, assim, que os desdobramentos da garantia à liberdade religiosa prevista constitucionalmente determinam a laicidade do Estado Democrático de Direito brasileiro. 5. Se houver desrespeito, agressão ou qualquer espécie de violência ao direito tutelado constitucionalmente, necessária se faz a intervenção estatal. Portanto, em um Estado laico como o Brasil, devem ser reprimidas as condutas que tendem à intolerância religiosa. 6. No Brasil, desde a previsão constitucional que assegura a livre manifestação do pensamento e o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, os temas da liberdade de culto e de crença e os acontecimentos envolvendo intolerância religiosa têm suscitado discussões doutrinárias, acadêmicas, ativismos por grupos religiosos, matérias jornalísticas e judicialização, com posicionamentos do Judiciário a respeito. 7. Visando a salvaguardar a tolerância no que toca aos seus mais variados níveis, e levando em consideração a intensificação da violência, do racismo, da exclusão, da marginalização e da discriminação contra minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas, várias medidas foram implementadas, a exemplo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que aprovou, na Conferência Geral de Paris de 16 de novembro de 1995, a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, assim como, em âmbito nacional, o Presidente da República sancionou a Lei n.º 11.635, de 27 de dezembro de 2007, instituindo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 21 de janeiro. 8. Tanto o direito de resposta quanto a garantia à liberdade de consciência e de crença encontram suporte na Constituição (art. 5º, V e VI). 9. Ainda que se alegue que a exibição dos programas aqui questionados insere-se no uso da liberdade de expressão e crença, garantidas constitucionalmente, é certo que referidas garantias não são absolutas e devem, portanto, conviver em harmonia com as demais garantias constitucionais. 10. A execução do serviço público de radiodifusão, cuja titularidade é da União Federal, pode ser empreendida por um particular mediante concessão do Poder Público (art. 21, XII, "a", da Constituição), desde que, como em todo serviço público, seja respeitado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, sendo defeso servir-se de emissora de televisão para desonrar um determinado grupo religioso ou cultural ou mesmo promover os seus próprios interesses privados em detrimento da coletividade. 11. Não restam dúvidas de que chamar "mães e pais de santo" de "mães e pais de encosto" tem um nítido caráter pejorativo e discriminatório, sendo fundamental o respeito e a preservação das manifestações culturais dos afrodescendentes, por fazerem parte do processo civilizatório nacional e merecerem, por essa razão, a tutela constitucional dispensada pelo art. 215, caput e § 1º, da Constituição da República. 12. O menosprezo às religiões afro-brasileiras, constrangendo seus adeptos e imputando-lhes expressões ofensivas, configura verdadeiro desrespeito à liberdade de crença, bem como à dignidade da pessoa humana. 13. Não prospera a pretensão de afastar a multa aplicada, com fulcro no art. 538, parágrafo único, primeira parte, do CPC/1973, em vigor à época, uma vez que, ausentes os requisitos legais para oposição de embargos de declaração, estes devem ser considerados protelatórios, inexistindo desproporcionalidade na fixação da multa em 1% (um por cento) sobre o valor da causa. 14. Absolutamente viável a imposição de multa diária às apelantes como meio coercitivo para o cumprimento de obrigação de fazer, não se mostrando excessivo o valor fixado no importe de R$ 500.000,00, eis que amparado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração a inquestionável capacidade econômica dos ofensores, bem como o objetivo de que seja regularmente adimplida a obrigação que lhes foi imposta. 15. Muito embora a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), ao dispor sobre a vigência das leis, enuncie em seu art. 6º que a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, a Lei n.º 13.188/2015 criou uma ação de rito especial a qual deve ser processada no prazo máximo de 30 dias, não sendo possível a aplicação das regras nela estabelecidas à presente demanda, mesmo porque se trata de uma ação civil pública em curso, cujo rito é próprio e regulado pela Lei n.º 7.347/1985. 16. Apelações improvidas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 05/04/2018
Data da Publicação : 10/04/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2225237
Órgão Julgador : SEXTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Outras fontes : RTRF3R 137/169
Referência legislativa : LEG-FED LEI-13188 ANO-2015 ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-535 ART-538 PAR-ÚNICO LEG-FED LEI-11635 ANO-2007 INSTITUI O DIA NACIONAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-5 INC-6 ART-21 INC-12 LET-A ART-215 PAR-1 ***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEG-FED LEI-7347 ANO-1985
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/04/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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