TRF3 0039953-39.2011.4.03.9999 00399533920114039999
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADES ESPECIAIS. PERÍCIA
POR SIMILARIDADE COM INCONSISTÊNCIAS. NÃO ENQUADRAMENTO. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE. APOSENTADORIA PROPORCIONAL POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ISENÇÃO DE CUSTAS
PROCESSUAIS. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDAS. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer o labor rural e o labor
especial. Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se
de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso
I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de período de labor rural e
especial.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
7 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica
a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967,
a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida
evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores,
as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
8 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade
incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina,
via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
9 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor pudesse o menor exercer plenamente a atividade rural, inclusive por
não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
10 - Para comprovar o suposto labor rural, foram apresentados os seguintes
documentos: a) Cópia de título eleitoral, emitido em 11/02/1972, constando
a qualificação do autor como lavrador (fl. 18).
11 - Além da documentação trazida como início de prova material hábil
para comprovar o exercício de labor rural, foram ouvidas três testemunhas.
12 - A testemunha Alfeu Catharina dos Santos, afirmou que "Conhece o autor
há 45 anos pois trabalhavam juntos na lavoura. Trabalharam cerca de oito
anos, sempre para empreiteiros. O autor tinha cerca de 12 anos. O autor ia
trabalhar com seus pais. Tinha outras crianças esta idade. Não conhece a
irmã do autor. Depois do período em que trabalharam juntos, não sabe o
que o autor fez."
13 - A testemunha Walter Marques afirmou que "Conhece o autor há 44 anos
pois trabalharam juntos na lavoura. Laborou com o autor por cerca de sete
anos, sempre para empreiteiros. O autor ainda era novo quando começou a
trabalhar. Não trabalhou com mais ninguém da família do autor, como pais
e irmãs, sendo que não os conhece. Depois de trabalharem juntos, o autor
foi trabalhar na usina, não sabendo a função que ele exercia. Trabalharam
juntos nas Fazendas São Luiz, Perobas, Santa Branca e para os empreiteiros
Ari Felipe, Ari Arantes e 'Ditão Preto'. Conhece a testemunha Alfeu pois
ele carregava o caminhão de cana. Ele também trabalhou com o autor."
14 - Finalmente, a testemunha Sebastião Aparecido Piovezan asseverou que
"Começou a trabalhar na roça com cerca de 13 anos junto com o autor Trabalhou
com o autor por seis ou sete anos. Trabalhavam para empreiteiros. O autor, às
vezes, ia com as irmãs de nomes Fátima, Ana, Lourdes e Aparecida. Depois da
lavoura, o autor passou a trabalhar como motorista de caminhão canavieiro."
15 - Assim, a prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia
probatória dos documentos carreados aos autos, tornando possível o
reconhecimento do labor rural em todo o interregno vindicado, de 01/01/1966
a 15/06/1973.
16 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
17 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
18 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
19 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
20 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
21 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
22 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
23 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
24 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
25 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de
redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído
acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora,
forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
26 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
27 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
28 - Para comprovar a natureza especial das atividades, foi realizada perícia
judicial, supostamente in loco em algumas empresas e por similaridade em
outras (fls. 116/125).
29 - Saliente-se que é pacífico o entendimento desta Turma no sentido
da possibilidade de realização de prova pericial indireta, desde que
demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados em
estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e
das condições ambientais de trabalho.
30 - Contudo, no caso dos autos, a utilização da referida prova - laudo
de insalubridade relativo a empresas diversas daquelas em que laborou -
não é possível, porquanto não demonstrada a inexistência das empresas
nas quais trabalhou, nem tampouco observada a similaridade do objeto social
e das condições ambientais de trabalho.
31 - Destaque-se que as atividades exercidas na empresa "Nélio José Ribeiro",
nos períodos de 02/05/1979 a 31/12/1980 e de 02/03/1981 a 01/10/1985, foram
consideradas especiais no laudo pericial em razão de perícia realizada na
empresa Cia Açucareira Vale do Rosário. Entretanto, conforme se verifica
nas cópias das carteiras de trabalho do autor (fls. 19/38), a primeira
empresa é estabelecimento da espécie "agropecuária", sendo que a segunda
é estabelecimento da espécie "industrial".
32 - Além disso, no laudo pericial constou que no interregno de 02/03/1981
a 01/10/1985 o autor exerceu a função de motorista, mas no registro em
CTPS consta que exerceu o cargo de rurícola-rural (fl. 231), sendo que nas
anotações de alteração salarial consta a mesma função de rurícola
até o final do referido vínculo empregatício (fl. 24), padecendo de
credibilidade as informações contidas no laudo judicial.
33 - Assim, não é possível o enquadramento como especial dos interregnos
de 02/05/1979 a 31/12/1980 e de 02/03/1981 a 01/10/1985.
34 - Quanto aos períodos de 01/02/1995 a 01/06/1997 e de 15/05/2000 a
04/09/2000, laborados nas empresas "Nataliatur Transportes e Turismo Ltda" e
"P.W. Tur Transportes Ltda", respectivamente, o laudo pericial também não
pode ser considerado.
35 - No caso, a perícia foi supostamente realizada na empresa "Nataliatur",
utilizada como paradigma da empresa "P.W. Tur Transportes Ltda". Ocorre que
não há comprovação da inexistência desta, sendo que consta a informação
no laudo de que a perícia não foi realizada in loco pelo fato de a empresa
estar localizada em outro município.
36 - Quanto a perícia realizada na empresa "Nataliatur", consta do laudo que
referida empresa está localizada na cidade de Franca, Avenida Dom Pedro I,
Jardim Petranha. Contudo, na CTPS, consta o endereço da empresa no município
de Orlândia/SP, não havendo nenhuma informação sobre eventual mudança
de endereço. Ademais, em pesquisa ao sítio do "Google", constatou-se
que referida empresa está ativa sob o nome "Paz Transportes e Turismo -
Natalia Transportes e Turismo Ltda", no mesmo endereço constante da CTPS,
na Avenida Marginal Direita, nº 550, Orlândia/SP. No caso, as informações
prestadas no laudo pericial apresentam inconsistências substanciais, que
maculam sua força probante.
37 - Assim, também se mostra inviável o reconhecimento da natureza especial
das atividades exercidas nos períodos de 01/02/1995 a 01/06/1997 e de
15/05/2000 a 04/09/2000.
38 - Somando-se o período de atividade rural (01/01/1966 a 15/06/1973), ora
reconhecido, aos períodos incontroversos constantes da CTPS (fls. 19/38)
e do extrato do CNIS, ora anexado, verifica-se que, até 16/12/1998, data
de publicação da Emenda Constitucional 20/98, o autor contava com 22
anos, 06 meses e 15 dias; insuficiente para a concessão do benefício de
aposentadoria.
39 - Computando-se períodos posteriores, verifica-se que na data do
requerimento administrativo (15/07/200 - fl. 41), o autor contava com 30
anos, 08 meses e 29 dias de tempo de atividade; e na data da citação
(23/01/2009 - fl. 57), com 31 anos, 3 meses e 7 dias de tempo de atividade,
insuficientes para a concessão do benefício de aposentadoria proporcional
por tempo de contribuição.
40 - Observa-se, entretanto, que o autor permaneceu laborando, completando, em
10/10/2010, 32 anos, 11 meses e 24 dias de tempo de atividade; suficiente para
fazer jus ao benefício de aposentadoria proporcional, a partir desta data.
41 - Por fim, esclareço que se sagrou vitoriosa a parte autora ao ver
reconhecido o período de labor rural em sua totalidade. Por outro lado,
nenhum período foi considerado especial e no momento do ajuizamento não
fazia jus à aposentadoria pleiteada. Desta feita, mantida a sucumbência
recíproca determinada na sentença. Sem condenação das partes em custas, por
ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
40 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas. Apelação
do autor parcialmente provida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADES ESPECIAIS. PERÍCIA
POR SIMILARIDADE COM INCONSISTÊNCIAS. NÃO ENQUADRAMENTO. CONJUNTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE. APOSENTADORIA PROPORCIONAL POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ISENÇÃO DE CUSTAS
PROCESSUAIS. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDAS. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer o labor rural e o labor
especial. Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se
de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso
I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de período de labor rural e
especial.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
7 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica
a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967,
a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida
evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores,
as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
8 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade
incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina,
via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
9 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor pudesse o menor exercer plenamente a atividade rural, inclusive por
não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
10 - Para comprovar o suposto labor rural, foram apresentados os seguintes
documentos: a) Cópia de título eleitoral, emitido em 11/02/1972, constando
a qualificação do autor como lavrador (fl. 18).
11 - Além da documentação trazida como início de prova material hábil
para comprovar o exercício de labor rural, foram ouvidas três testemunhas.
12 - A testemunha Alfeu Catharina dos Santos, afirmou que "Conhece o autor
há 45 anos pois trabalhavam juntos na lavoura. Trabalharam cerca de oito
anos, sempre para empreiteiros. O autor tinha cerca de 12 anos. O autor ia
trabalhar com seus pais. Tinha outras crianças esta idade. Não conhece a
irmã do autor. Depois do período em que trabalharam juntos, não sabe o
que o autor fez."
13 - A testemunha Walter Marques afirmou que "Conhece o autor há 44 anos
pois trabalharam juntos na lavoura. Laborou com o autor por cerca de sete
anos, sempre para empreiteiros. O autor ainda era novo quando começou a
trabalhar. Não trabalhou com mais ninguém da família do autor, como pais
e irmãs, sendo que não os conhece. Depois de trabalharem juntos, o autor
foi trabalhar na usina, não sabendo a função que ele exercia. Trabalharam
juntos nas Fazendas São Luiz, Perobas, Santa Branca e para os empreiteiros
Ari Felipe, Ari Arantes e 'Ditão Preto'. Conhece a testemunha Alfeu pois
ele carregava o caminhão de cana. Ele também trabalhou com o autor."
14 - Finalmente, a testemunha Sebastião Aparecido Piovezan asseverou que
"Começou a trabalhar na roça com cerca de 13 anos junto com o autor Trabalhou
com o autor por seis ou sete anos. Trabalhavam para empreiteiros. O autor, às
vezes, ia com as irmãs de nomes Fátima, Ana, Lourdes e Aparecida. Depois da
lavoura, o autor passou a trabalhar como motorista de caminhão canavieiro."
15 - Assim, a prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia
probatória dos documentos carreados aos autos, tornando possível o
reconhecimento do labor rural em todo o interregno vindicado, de 01/01/1966
a 15/06/1973.
16 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
17 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
18 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
19 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
20 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
21 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
22 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
23 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
24 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
25 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de
redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído
acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora,
forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
26 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
27 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
28 - Para comprovar a natureza especial das atividades, foi realizada perícia
judicial, supostamente in loco em algumas empresas e por similaridade em
outras (fls. 116/125).
29 - Saliente-se que é pacífico o entendimento desta Turma no sentido
da possibilidade de realização de prova pericial indireta, desde que
demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados em
estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e
das condições ambientais de trabalho.
30 - Contudo, no caso dos autos, a utilização da referida prova - laudo
de insalubridade relativo a empresas diversas daquelas em que laborou -
não é possível, porquanto não demonstrada a inexistência das empresas
nas quais trabalhou, nem tampouco observada a similaridade do objeto social
e das condições ambientais de trabalho.
31 - Destaque-se que as atividades exercidas na empresa "Nélio José Ribeiro",
nos períodos de 02/05/1979 a 31/12/1980 e de 02/03/1981 a 01/10/1985, foram
consideradas especiais no laudo pericial em razão de perícia realizada na
empresa Cia Açucareira Vale do Rosário. Entretanto, conforme se verifica
nas cópias das carteiras de trabalho do autor (fls. 19/38), a primeira
empresa é estabelecimento da espécie "agropecuária", sendo que a segunda
é estabelecimento da espécie "industrial".
32 - Além disso, no laudo pericial constou que no interregno de 02/03/1981
a 01/10/1985 o autor exerceu a função de motorista, mas no registro em
CTPS consta que exerceu o cargo de rurícola-rural (fl. 231), sendo que nas
anotações de alteração salarial consta a mesma função de rurícola
até o final do referido vínculo empregatício (fl. 24), padecendo de
credibilidade as informações contidas no laudo judicial.
33 - Assim, não é possível o enquadramento como especial dos interregnos
de 02/05/1979 a 31/12/1980 e de 02/03/1981 a 01/10/1985.
34 - Quanto aos períodos de 01/02/1995 a 01/06/1997 e de 15/05/2000 a
04/09/2000, laborados nas empresas "Nataliatur Transportes e Turismo Ltda" e
"P.W. Tur Transportes Ltda", respectivamente, o laudo pericial também não
pode ser considerado.
35 - No caso, a perícia foi supostamente realizada na empresa "Nataliatur",
utilizada como paradigma da empresa "P.W. Tur Transportes Ltda". Ocorre que
não há comprovação da inexistência desta, sendo que consta a informação
no laudo de que a perícia não foi realizada in loco pelo fato de a empresa
estar localizada em outro município.
36 - Quanto a perícia realizada na empresa "Nataliatur", consta do laudo que
referida empresa está localizada na cidade de Franca, Avenida Dom Pedro I,
Jardim Petranha. Contudo, na CTPS, consta o endereço da empresa no município
de Orlândia/SP, não havendo nenhuma informação sobre eventual mudança
de endereço. Ademais, em pesquisa ao sítio do "Google", constatou-se
que referida empresa está ativa sob o nome "Paz Transportes e Turismo -
Natalia Transportes e Turismo Ltda", no mesmo endereço constante da CTPS,
na Avenida Marginal Direita, nº 550, Orlândia/SP. No caso, as informações
prestadas no laudo pericial apresentam inconsistências substanciais, que
maculam sua força probante.
37 - Assim, também se mostra inviável o reconhecimento da natureza especial
das atividades exercidas nos períodos de 01/02/1995 a 01/06/1997 e de
15/05/2000 a 04/09/2000.
38 - Somando-se o período de atividade rural (01/01/1966 a 15/06/1973), ora
reconhecido, aos períodos incontroversos constantes da CTPS (fls. 19/38)
e do extrato do CNIS, ora anexado, verifica-se que, até 16/12/1998, data
de publicação da Emenda Constitucional 20/98, o autor contava com 22
anos, 06 meses e 15 dias; insuficiente para a concessão do benefício de
aposentadoria.
39 - Computando-se períodos posteriores, verifica-se que na data do
requerimento administrativo (15/07/200 - fl. 41), o autor contava com 30
anos, 08 meses e 29 dias de tempo de atividade; e na data da citação
(23/01/2009 - fl. 57), com 31 anos, 3 meses e 7 dias de tempo de atividade,
insuficientes para a concessão do benefício de aposentadoria proporcional
por tempo de contribuição.
40 - Observa-se, entretanto, que o autor permaneceu laborando, completando, em
10/10/2010, 32 anos, 11 meses e 24 dias de tempo de atividade; suficiente para
fazer jus ao benefício de aposentadoria proporcional, a partir desta data.
41 - Por fim, esclareço que se sagrou vitoriosa a parte autora ao ver
reconhecido o período de labor rural em sua totalidade. Por outro lado,
nenhum período foi considerado especial e no momento do ajuizamento não
fazia jus à aposentadoria pleiteada. Desta feita, mantida a sucumbência
recíproca determinada na sentença. Sem condenação das partes em custas, por
ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
40 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas. Apelação
do autor parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária,
tida por interposta, e à apelação do INSS para afastar o reconhecimento
da natureza especial das atividades exercidas nos períodos de 02/05/1979 a
31/12/1980, 02/03/1981 a 01/10/1985, 01/02/1995 a 01/06/1997 e de 15/05/2000
a 04/09/2000, e isentar a autarquia do pagamento de custas processuais, e
dar parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer o exercício
do labor rural no período de 01/01/1966 a 31/01/1972, e condenar o INSS a
implantar em seu favor o benefício de aposentadoria proporcional por tempo
de contribuição, a partir de 10/10/2010, acrescidas as parcelas em atraso
de correção monetária calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação
da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de
variação do IPCA-E, e juros de mora, incidentes até a expedição do
ofício requisitório, fixados de acordo com o mesmo Manual; mantendo, no
mais, a r. sentença proferida em 1º grau de jurisdição, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
10/09/2018
Data da Publicação
:
19/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1685957
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/09/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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