TRF3 0046881-06.2011.4.03.9999 00468810620114039999
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO DO
INSS. PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO E DECLARAÇÃO DE TEMPO DE TRABALHO RURAL
E TEMPO DE TRABALHO ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ULTRA PETITA - REDUÇÃO AOS LIMITES DO
PEDIDO. RECONHECIMENTO PARCIAL DO LABOR RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADES ESPECIAIS. PARCIAL
ENQUADRAMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. REMESSA
NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a averbar o labor rural no período
de 01/01/1979 a 30/12/1986, reconhecer o caráter insalubre as atividades
urbanas desempenhadas nos interregnos de 10/06/1986 a 27/11/1986, 27/04/1987
a 16/11/1987, 08/06/1989 a 01/07/1992 e de 02/07/1992 a 13/05/2010,
com conversão para tempo comum, e conceder a aposentadoria por tempo
de contribuição, desde a citação (01/09/2010), no valor de 100%
do salário-de-benefício. Assim, não havendo como se apurar o valor da
condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado
decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido
(extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
3 - Em sua decisão, o juiz a quo condenou o INSS a reconhecer e
averbar período de labor rural e períodos de atividades especiais, com
conversão para tempo comum, além de conceder a aposentadoria por tempo de
contribuição, desde a citação, no valor de 100% do salário-de-benefício,
sem prejuízo do 13º salário.
4 - Logo, é cristalina a ocorrência de julgamento ultra petita, eis que na
exordial não há pedido de expedição de certidão para fins de contagem
recíproca, restando violado o princípio da congruência insculpido no
art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
5 - É firme o entendimento pretoriano no sentido de que, em casos de sentença
ultra petita, não se deve pronunciar a nulidade da decisão recorrida,
mas tão-somente reduzi-la aos limites do pedido. Precedente do STJ.
6 - Reduzida a sentença aos limites do pedido, para excluir da condenação
a determinação de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição,
revogando, por conseguinte, a tutela antecipada.
7 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de período de labor rural e
reconhecimento da especialidade de períodos de trabalho anotados em CTPS.
8 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
9 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
10 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
11 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
12 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica
a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967,
a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida
evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores,
as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
13 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade
incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina,
via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
14 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor pudesse o menor exercer plenamente a atividade rural, inclusive por
não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
15 - Para comprovar o suposto labor rural, foram apresentados os seguintes
documentos: a) Cópia de título eleitoral, emitido em 21/06/1985, constando
a qualificação do autor como lavrador (fl. 17), e b) cópia da carteira
de trabalho, constando o primeiro vínculo empregatício em atividade rural,
no período de 01/09/1980 a 20/12/1980, quando contava com 13 anos de idade
(fls. 18/21).
16 - Além da documentação trazida como início de prova material hábil
para comprovar o exercício de labor rural, foram ouvidas duas testemunhas
(fls. 109/110).
17 - A testemunha José Luiz Marega, afirmou que "conheço o autor desde
criança e sei que ele trabalhou na lavoura de 1.979 a 1.986 sem registro
na carteira; naquela época ele trabalhou para o meu pai e também para
outros arrendatários vizinhos, como Armando Tencati, João Pereira, vulgo
Laidão; depois de 1.986 o auto passou a trabalhar na lavoura com registro
na carteira, mas também trabalhava sem registro na entressafra; a partir
de 1.988 o autor começou a trabalhar na usina Benalcool."
18 - A testemunha Carlos Roberto Acre afirmou que "conheço o autor e sei que
ele começou a trabalhar na lavoura em 1.979 e ficou até 1986 sem registro;
depois começou a trabalhar na usina Benalcool com registro; neste período
não trabalhou sem registro."
19 - Inviável o reconhecimento de prestação de serviço rural-informal
"entretempos" - entre contratos anotados em CTPS - na medida em que a
existência de tais contratos afastaria a presunção de que o labor teria
sido ininterrupto.
20 - Entretanto, exsurge nos autos um indício material autônomo, impossível
de ser ignorado: título eleitoral, de 21/06/1985, consignando sua profissão
como "lavrador", corroborado pela prova oral. Certo é que mencionado documento
refere-se ao ano de 1985 - inserido no interstício vindicado pelo autor,
de 1979 a 1986 - sendo plausível, portanto, admitir-se o labor rural no
período de 31/10/1984 a 03/07/1985 (período entre contratos anotados em
CTPS - fl. 19), exceto para fins de carência.
21 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
22 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
23 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
24 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
25 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
26 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
27 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
28 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
29 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
30 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de
redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído
acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora,
forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
31 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
32 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
33 - Para comprovar a natureza especial das atividades, a parte autora
apresentou o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 22, emitido pela
empresa Benalcool Açúcar e Alcool S/A, informando que exerceu as seguintes
funções e permaneceu exposto a agentes agressivos: Períodos de 10/06/1986
a 27/11/1986, 27/04/1987 a 16/11/1987 e de 08/06/1989 a 01/07/1992, o autor
se ativou na função de "serviço gerais urbano" e permaneceu exposto a
ruído de 87 dB(A) e umidade. Reputo enquadrados como especiais os períodos,
eis que desempenhados com sujeição a nível de pressão sonora superior ao
limite de tolerância vigente à época da prestação dos serviços, sendo
despicienda a análise do demais agente agressivo. Período de 02/07/1992 até
a presente data (PPP datado de 07/11/2007), o autor se ativou na função
de "destilador", com exposição a ruído de 87 dB(A) e agentes químicos:
soda caustica, escama e ciclo hexano; agentes químicos enquadrado no código
1.2.11 do Anexo do Decreto nº 53.831/64 e no código 1.2.10 do Anexo I do
Decreto nº 83.080/79.
34 - Assim, possível o enquadramento como especial dos interregnos de
10/06/1986 a 27/11/1986, 27/04/1987 a 16/11/1987, 08/06/1989 a 01/07/1992
e 02/07/1992 a 07/11/2007.
35 - Ressalte-se que impossível o reconhecimento da especialidade do labor
no período de 08/11/2007 a 13/05/2010, eis que não há nos autos provas
de sua especialidade.
36 - Ante a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com os
respectivos honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do
CPC/73. Sem condenação das partes nas custas e despesas processuais, eis
que o autor é beneficiário da justiça gratuita e o INSS delas se encontra
isento.
37 - Remessa necessária, tida por interposta, provida e apelação do INSS
parcialmente provida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO DO
INSS. PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO E DECLARAÇÃO DE TEMPO DE TRABALHO RURAL
E TEMPO DE TRABALHO ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ULTRA PETITA - REDUÇÃO AOS LIMITES DO
PEDIDO. RECONHECIMENTO PARCIAL DO LABOR RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADES ESPECIAIS. PARCIAL
ENQUADRAMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. REMESSA
NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a averbar o labor rural no período
de 01/01/1979 a 30/12/1986, reconhecer o caráter insalubre as atividades
urbanas desempenhadas nos interregnos de 10/06/1986 a 27/11/1986, 27/04/1987
a 16/11/1987, 08/06/1989 a 01/07/1992 e de 02/07/1992 a 13/05/2010,
com conversão para tempo comum, e conceder a aposentadoria por tempo
de contribuição, desde a citação (01/09/2010), no valor de 100%
do salário-de-benefício. Assim, não havendo como se apurar o valor da
condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado
decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido
(extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
3 - Em sua decisão, o juiz a quo condenou o INSS a reconhecer e
averbar período de labor rural e períodos de atividades especiais, com
conversão para tempo comum, além de conceder a aposentadoria por tempo de
contribuição, desde a citação, no valor de 100% do salário-de-benefício,
sem prejuízo do 13º salário.
4 - Logo, é cristalina a ocorrência de julgamento ultra petita, eis que na
exordial não há pedido de expedição de certidão para fins de contagem
recíproca, restando violado o princípio da congruência insculpido no
art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
5 - É firme o entendimento pretoriano no sentido de que, em casos de sentença
ultra petita, não se deve pronunciar a nulidade da decisão recorrida,
mas tão-somente reduzi-la aos limites do pedido. Precedente do STJ.
6 - Reduzida a sentença aos limites do pedido, para excluir da condenação
a determinação de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição,
revogando, por conseguinte, a tutela antecipada.
7 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de período de labor rural e
reconhecimento da especialidade de períodos de trabalho anotados em CTPS.
8 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
9 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
10 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
11 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
12 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica
a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967,
a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida
evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores,
as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
13 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade
incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina,
via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
14 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor pudesse o menor exercer plenamente a atividade rural, inclusive por
não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
15 - Para comprovar o suposto labor rural, foram apresentados os seguintes
documentos: a) Cópia de título eleitoral, emitido em 21/06/1985, constando
a qualificação do autor como lavrador (fl. 17), e b) cópia da carteira
de trabalho, constando o primeiro vínculo empregatício em atividade rural,
no período de 01/09/1980 a 20/12/1980, quando contava com 13 anos de idade
(fls. 18/21).
16 - Além da documentação trazida como início de prova material hábil
para comprovar o exercício de labor rural, foram ouvidas duas testemunhas
(fls. 109/110).
17 - A testemunha José Luiz Marega, afirmou que "conheço o autor desde
criança e sei que ele trabalhou na lavoura de 1.979 a 1.986 sem registro
na carteira; naquela época ele trabalhou para o meu pai e também para
outros arrendatários vizinhos, como Armando Tencati, João Pereira, vulgo
Laidão; depois de 1.986 o auto passou a trabalhar na lavoura com registro
na carteira, mas também trabalhava sem registro na entressafra; a partir
de 1.988 o autor começou a trabalhar na usina Benalcool."
18 - A testemunha Carlos Roberto Acre afirmou que "conheço o autor e sei que
ele começou a trabalhar na lavoura em 1.979 e ficou até 1986 sem registro;
depois começou a trabalhar na usina Benalcool com registro; neste período
não trabalhou sem registro."
19 - Inviável o reconhecimento de prestação de serviço rural-informal
"entretempos" - entre contratos anotados em CTPS - na medida em que a
existência de tais contratos afastaria a presunção de que o labor teria
sido ininterrupto.
20 - Entretanto, exsurge nos autos um indício material autônomo, impossível
de ser ignorado: título eleitoral, de 21/06/1985, consignando sua profissão
como "lavrador", corroborado pela prova oral. Certo é que mencionado documento
refere-se ao ano de 1985 - inserido no interstício vindicado pelo autor,
de 1979 a 1986 - sendo plausível, portanto, admitir-se o labor rural no
período de 31/10/1984 a 03/07/1985 (período entre contratos anotados em
CTPS - fl. 19), exceto para fins de carência.
21 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
22 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
23 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
24 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
25 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
26 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
27 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
28 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
29 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
30 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma
extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se
supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de
redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído
acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora,
forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
31 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28
da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
32 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
33 - Para comprovar a natureza especial das atividades, a parte autora
apresentou o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 22, emitido pela
empresa Benalcool Açúcar e Alcool S/A, informando que exerceu as seguintes
funções e permaneceu exposto a agentes agressivos: Períodos de 10/06/1986
a 27/11/1986, 27/04/1987 a 16/11/1987 e de 08/06/1989 a 01/07/1992, o autor
se ativou na função de "serviço gerais urbano" e permaneceu exposto a
ruído de 87 dB(A) e umidade. Reputo enquadrados como especiais os períodos,
eis que desempenhados com sujeição a nível de pressão sonora superior ao
limite de tolerância vigente à época da prestação dos serviços, sendo
despicienda a análise do demais agente agressivo. Período de 02/07/1992 até
a presente data (PPP datado de 07/11/2007), o autor se ativou na função
de "destilador", com exposição a ruído de 87 dB(A) e agentes químicos:
soda caustica, escama e ciclo hexano; agentes químicos enquadrado no código
1.2.11 do Anexo do Decreto nº 53.831/64 e no código 1.2.10 do Anexo I do
Decreto nº 83.080/79.
34 - Assim, possível o enquadramento como especial dos interregnos de
10/06/1986 a 27/11/1986, 27/04/1987 a 16/11/1987, 08/06/1989 a 01/07/1992
e 02/07/1992 a 07/11/2007.
35 - Ressalte-se que impossível o reconhecimento da especialidade do labor
no período de 08/11/2007 a 13/05/2010, eis que não há nos autos provas
de sua especialidade.
36 - Ante a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com os
respectivos honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do
CPC/73. Sem condenação das partes nas custas e despesas processuais, eis
que o autor é beneficiário da justiça gratuita e o INSS delas se encontra
isento.
37 - Remessa necessária, tida por interposta, provida e apelação do INSS
parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dou provimento à remessa necessária, tida por interposta,
para reduzir a sentença ultra petita aos limites do pedido, a fim de excluir
da condenação a determinação de concessão da aposentadoria por tempo
de contribuição e revogar a tutela antecipada; e dou parcial provimento
à apelação do INSS, para restringir o reconhecimento do labor rural,
sem registro em carteira, ao período de 31/10/1984 a 03/07/1985 e afastar
o reconhecimento do labor especial no período de 08/11/2007 a 13/05/2010
e, ante a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os respectivos
honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, deixando
de condenar qualquer das partes nas custas e despesas processuais; mantendo,
no mais, a r. sentença proferida em 1º grau de jurisdição, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/09/2018
Data da Publicação
:
02/10/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1698974
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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