TRF5 0000079-88.2012.4.05.8404 00000798820124058404
APELAÇÕES. PENAL E PROCESSO PENAL. CONVÊNIO PARA A CONSTRUÇÃO DE CRECHE. CONTRATAÇÃO DA SEGUNDA COLOCADA NO CERTAME LICITATÓRIO EM DETRIMENTO DA PRIMEIRA. DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 89 PARA O PREVISTO NO ART. 90 DA LEI DE
LICITAÇÕES. AUSÊNCIA DE PROVAS COM RELAÇÃO AOS CRIMES. HIPÓTESE DE ABSOLVIÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. FALSIDADE COMO CRIME-MEIO AO DELITO DE RESPONSBILIDADE DE PREFEITO. OCORRÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE
PREFEITO. MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. AUTORIA. PARCIALMENTE COMPROVADA COM RELAÇÃO AOS ACUSADOS. CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. MATERIALIDADE. COMPROVADA. AUTORIA. COMPRAVADA COM RELAÇÃO AO ENTÃO GESTOR. SUPRESSÃO DE DOCUMENTOS. ART. 305, CP.
MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA APLICADA.
1. Trata-se de apelações criminais propostas pelo Ministério Público Federal e por Jocelito de Oliveira Bento, Athayde Mahatma Fernandes Dantas e Possidônio Queiroga Silva Neto contra sentença que absolveu Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, José
Carlos Pereira Gomes, Maria Helena Godeiro, Pedro Dantas, Leane Gonzaga Dias, Aldo Antônio da Costa, Marcos Aurélio Felipe de Oliveira, Maria do Socorro Vidal da Silva e Kendell Suassuna Dutra do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67,
além de Athayde Mahatma Fernandes Dantas, José Carlos Pereira Gomes, Thales Queiroga da Silva Neto e Suzeny Kelly Sabino Vitorino do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9.613/98, todos com fundamento no art. 386, II, do CPP; Condenou Possidônio
Queiroga da Silva Neto aos crimes previstos no art. 305, CP; art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, e art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, sendo os crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 e 299 do CP absorvidos pelo crime fim; e Condenou Athayde Mahatma
Fernandes Dantas, Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira pelo crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.
2. O Ministério Público apelou pelo reconhecimento dos crimes previstos no art. 89 da Lei nº 8.666/93 e no art. 299 do CPP, por considerá-los autônomos na espécie; pela condenação dos acusados absolvidos pelo desvio de recursos públicos e lavagem de
dinheiro; e pela modificação da dosimetria da pena dos réus que foram condenados. Jocelito de Oliveira Lima e Athayde Mahatma Fernandes Dantas buscaram a reforma de suas condenações com relação ao crime de responsabilidade de prefeito bem como a redução
de suas penas. Possidônio Queiroga Silva Neto defendeu a sua absolvição com relação aos crimes previstos no art. previstos no art. 305, CP; e art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, bem como a redução de sua pena.
3. Os autos tratam da concretização do convênio de nº 830156/2007, que seria a construção de uma creche, firmado entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Município de Patu-RN. Restou comprovado que, no procedimento licitatório
para a realização da obra, realizado no ano de 2008, houve a contratação da segunda colocada, em detrimento da primeira colocada, que desistiu da licitação por não ter sido chamada para a assinatura do contrato. No entanto, em julho de 2008, foi
publicado no DOU um extrato de contrato contrafeito entre a municipalidade e a empresa vencedora, dando conta de que a assinatura do instrumento contratual foi em junho de 2008. O pedido de desistência da primeira colocada se deu em agosto de 2008 e,
sem setembro do mesmo ano, houve a publicação da contratação da segunda colocada, onde consta que o contrato foi assinado em julho de 2008, antes do pedido de desistência da primeira colocada.
4. O procedimento licitatório efetivamente existiu, consoante as provas dos autos, principalmente dos sócios da empresa vencedora, não havendo que se falar em dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei de Licitações). Por outro lado, não há provas
sobre a ocorrência de fraude durante o procedimento licitatório, mas sim que, após a conclusão dele, foi feita a contratação irregular da segunda colocada, baseada em informação ideologicamente falsa, pelo que não há prova de ajuste ou combinação antes
ou no decorrer da licitação, afastando a fraude à licitação (art. 90 da Lei de Licitações. Desse modo, não se trata a questão de desclassificação do art. 89 para o art. 90, como feito pela magistrada sentenciante, mas, sim de absolvição por falta de
provas, consoante o art. 386, VII, do CPP.
5. Sem embargo, a situação se amolda perfeitamente ao delito previsto no art. 299 do Código Penal, de falsidade ideológica, consistente na publicação de informação ideologicamente falsa no DOU. Porém, a falsidade foi utilizada como meio para o desvio
dos recursos públicos, devendo ser por ele absolvido, pela aplicação do princípio da consunção.
6. A materialidade do crime de responsabilidade de prefeito (art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67) está alicerçada em farto arcabouço probatório, onde a totalidade dos recursos, orçada em R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) foi paga à empresa
indevidamente contratada, não tendo a creche sido concluída. Ainda, o então gestor, Possidônio Queiroga da Silva Neto, confessou a prática do desvio dos recursos públicos, em razão de algumas dívidas pessoais e de campanha que teria, isso em seu
interrogatório em juízo, fato que também comprova a sua autoria.
7. As autorias de Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira restaram comprovadas. Ambos detinham cargos em comissão na gestão de Possidônio Queiroga, tendo deixado os respectivos cargos para criar a empresa Mudar Construções, segunda colocada
do procedimento licitatório aqui tratado e que foi irregularmente contratada. Renato Leno não apelou da apelação, tendo Jocelito de Oliveira dito que assinava os cheques em branco e repassava para os perfeitos, versão que não deve ser aceita em se
considerando o arcabouço probatório dos autos, bem como o bom senso, não se tendo por crível que alguém assine cheque em branco sem desconfiar de quem lhe pede para fazê-lo ou sem conhecer suas intenções.
8. A autoria de Athayde Mahatma Fernandes Dantas, que foi secretário de finanças nos últimos meses do mandato de Possidônio Queiroga da Silva Neto, em 2008, substituindo o também acusado Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, uma vez que ele
deliberadamente participou do desvio dos recursos ao assinar um cheque no valor de mais de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) nos últimos dias do mandato de Possidônio, tendo transferido o dinheiro para a conta do acusado José Carlos Pereira Gomes e
sacado junto a este o valor em janeiro de 2009, quando Possidônio já não era prefeito da municipalidade. Não se tem por crível acreditar que Athayde não participou efetivamente do desvio dos recursos, sendo o seu alegado temor de exoneração do cargo
sido afastado pelo saque em janeiro de 2009 do valor, depois do término do mandato do então gestor. Além disso, sua pouca idade à época do fato - 19 anos, não serve como escusa para a exclusão do crime, devendo ser lembrada na segunda fase da dosimetria
da pena.
9. A situação de Athayde Mahatma Fernandes Dantas é diferente da conduta perpetrada por Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, muito embora os dois tenham sido secretários de finanças do município, lidando com os cheques do convênio. Ficou comprovado
que Jefferson Vale, embora tenha assinado os cheques a mando de Possidônio, foi por este exonerado quando discordou das intenções inescrupulosas do então gestor, que acabou colocando Athayde Mahatma no cargo. Este, além de assinar os cheques, participou
da movimentação e dos saques dos valores desviados. Desse modo, devem ser rechaçados os argumentos de Athayde Mahatma e mantida a absolvição do Jefferson Vale, uma vez que o parquet não comprovou o dolo dele para o desvio dos recursos.
10. No que diz respeito aos acusados José Carlos Pereira Gomes, Maria Helena Godeiro, Pedro Dantas, Leane Gonzaga Dias, Aldo Antônio da Costa, Marcos Aurélio Felipe de Oliveira, Maria do Socorro Vidal da Silva e Kendell Suassuna Dutra, não logrou êxito
o Ministério Público Federal em comprovar que eles sabiam da origem ilícita dos recursos transferidos para a sua conta. No caso específico de José Carlos, restou comprovado que ele só cedeu a sua conta por conta do fundando receio de perder seu cargo na
prefeitura de Patu, como motorista. Desse modo, todos devem ser absolvidos com relação ao crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, devendo os mesmos argumentos serem utilizados para a manutenção de suas absolvições com relação ao crime
previsto no art. 1º, parágrafo 1º, II, da Lei de Lavagem de Capitais, com base no art. 386, VII, do CPP, uma vez que não se pode ter um juízo condenatório quando da presença de dúvida mais que razoável.
11. Com relação ao referido crime previsto no art. 1º, parágrafo 1º, II, da Lei de Lavagem de Capitais, também devem ser mantidas as absolvições de Thales Queiroga da Silva Neto e Suzeny Kelly Sabino Vitorino, respectivamente, filho e esposa do então
prefeito de Patu-RN, Possidônio, uma vez que não restou comprovado que ambos sabiam a origem ilícita dos recursos presentes em sua conta, revelando a prova dos autos que Possidônio, na verdade, controlava as contas bancárias de ambos.
12. O fato de Possidônio Queiroga ter se utilizado de contas de particulares, como seus parentes próximos e o acusado José Carlos, bem como comprado um veículo com o dinheiro oriundo do convênio revela a sua intenção de branquear os recursos oriundos do
convênio, com a tentativa de ocultar a origem dos próprios, tendo ele orquestrado uma verdadeira empreitada para tanto, não devendo ser aceita a sua tese de falta de provas para a condenação ao presente delito, devendo a sua condenação ao delito
previsto no art. 1º, V, da Lei de Lavagem de Capitais ser mantida.
13. A autoria de Athayde Mahatma Fernandes Dantas com relação ao delito previsto no art. 1º, V, da Lei de Lavagem de Capitais não restou comprovada, uma vez que, muito embora ele tenha efetivamente participado do desvio do dinheiro oriundo do convênio,
seu dolo se ateve a esta conduta, não tendo a comprovação de que ele aderiu ao intuito de Possidônio de ocultar a origem do dinheiro. Efetivamente, era o então prefeito quem comandava as tarefas de Athayde Mahatma.
14. No que diz respeito ao delito de supressão de documentos (art. 305 do CP), em que pese o acusado Possidônio Queiroga ter afirmado a ausência de provas para a sua condenação, tem-se que há robusto arcabouço probatório que comprova o cometimento deste
crime por ele, sendo certo que foram encontrados diversos documentos da Prefeitura de Patu-RN, inclusive com relação ao procedimento licitatório aqui investigado, o que permite a manutenção de sua condenação.
15. Com relação à dosimetria da pena de Possidônio Queiroga da Silva Neto, Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira e Athayde Mahatma Fernandes Dantas, vejo que eles, exceto Renato, pugnaram pela aplicação das penas no seu patamar mínimo. No
entanto, observando a fixação das penas levada a efeito pela magistrada que sentenciou o feito, observo que ela, além de ter realizado um trabalho individual com relação a cada acusado, destacou cada circunstância valorada negativamente, no havendo
exageros quando da fixação da pena, estando todas elas bem próximas ao patamar mínimo, em se considerando a gravidade das circunstâncias aplicadas, como a culpabildade e as consequências do crime.
16. Com relação ao apelo do Ministério Público Federal com relação à dosimetria da pena aplicada, vejo que ele defendeu a valoração negativa da conduta social para Jocelito Bento, personalidade para Possidônio Queiroga e motivos do crime para todos os
condenados/acusados. Com relação a este último, não observou o parquet que, em todos os casos, os motivos eram inerentes aos tipos penais, não devendo ser valorados, sob pena de caracterização do bis in idem. Com relação à conduta social de Jocelito
Bento, não trouxe o parquet qualquer elemento que comprove o comportamento social de Jocelito, confundindo a presente circunstância com a de antecedentes, uma vez que fundamentou seu pedido em condenação sofrida pelo acusado, com relação a qual não há
notícia do trânsito em julgado.
17. Por fim, com relação à personalidade de Possidônio Queiroga, defendeu que ele teria a personalidade voltada para o crime, fazendo-o de forma leviana, sem juntar nada de concreto com relação à personalidade do acusado, pelo que não pode ela ser
negativamente valorada, de acordo com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
18. Desse modo, deve a sentença ser mantida em sua integralidade, não tendo as partes ventilado argumentos capazes de infirmar a robusta estrutura da peça produzida pelo magistrado a quo.
19. Apelações do Ministério Público Federal, de Jocelito de Oliveira Bento, Athayde Mahatma Fernandes Dantas e Possidônio Queiroga Silva Neto improvidas.
Ementa
APELAÇÕES. PENAL E PROCESSO PENAL. CONVÊNIO PARA A CONSTRUÇÃO DE CRECHE. CONTRATAÇÃO DA SEGUNDA COLOCADA NO CERTAME LICITATÓRIO EM DETRIMENTO DA PRIMEIRA. DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 89 PARA O PREVISTO NO ART. 90 DA LEI DE
LICITAÇÕES. AUSÊNCIA DE PROVAS COM RELAÇÃO AOS CRIMES. HIPÓTESE DE ABSOLVIÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. FALSIDADE COMO CRIME-MEIO AO DELITO DE RESPONSBILIDADE DE PREFEITO. OCORRÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE
PREFEITO. MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. AUTORIA. PARCIALMENTE COMPROVADA COM RELAÇÃO AOS ACUSADOS. CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. MATERIALIDADE. COMPROVADA. AUTORIA. COMPRAVADA COM RELAÇÃO AO ENTÃO GESTOR. SUPRESSÃO DE DOCUMENTOS. ART. 305, CP.
MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA APLICADA.
1. Trata-se de apelações criminais propostas pelo Ministério Público Federal e por Jocelito de Oliveira Bento, Athayde Mahatma Fernandes Dantas e Possidônio Queiroga Silva Neto contra sentença que absolveu Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, José
Carlos Pereira Gomes, Maria Helena Godeiro, Pedro Dantas, Leane Gonzaga Dias, Aldo Antônio da Costa, Marcos Aurélio Felipe de Oliveira, Maria do Socorro Vidal da Silva e Kendell Suassuna Dutra do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67,
além de Athayde Mahatma Fernandes Dantas, José Carlos Pereira Gomes, Thales Queiroga da Silva Neto e Suzeny Kelly Sabino Vitorino do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9.613/98, todos com fundamento no art. 386, II, do CPP; Condenou Possidônio
Queiroga da Silva Neto aos crimes previstos no art. 305, CP; art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, e art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, sendo os crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 e 299 do CP absorvidos pelo crime fim; e Condenou Athayde Mahatma
Fernandes Dantas, Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira pelo crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.
2. O Ministério Público apelou pelo reconhecimento dos crimes previstos no art. 89 da Lei nº 8.666/93 e no art. 299 do CPP, por considerá-los autônomos na espécie; pela condenação dos acusados absolvidos pelo desvio de recursos públicos e lavagem de
dinheiro; e pela modificação da dosimetria da pena dos réus que foram condenados. Jocelito de Oliveira Lima e Athayde Mahatma Fernandes Dantas buscaram a reforma de suas condenações com relação ao crime de responsabilidade de prefeito bem como a redução
de suas penas. Possidônio Queiroga Silva Neto defendeu a sua absolvição com relação aos crimes previstos no art. previstos no art. 305, CP; e art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, bem como a redução de sua pena.
3. Os autos tratam da concretização do convênio de nº 830156/2007, que seria a construção de uma creche, firmado entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Município de Patu-RN. Restou comprovado que, no procedimento licitatório
para a realização da obra, realizado no ano de 2008, houve a contratação da segunda colocada, em detrimento da primeira colocada, que desistiu da licitação por não ter sido chamada para a assinatura do contrato. No entanto, em julho de 2008, foi
publicado no DOU um extrato de contrato contrafeito entre a municipalidade e a empresa vencedora, dando conta de que a assinatura do instrumento contratual foi em junho de 2008. O pedido de desistência da primeira colocada se deu em agosto de 2008 e,
sem setembro do mesmo ano, houve a publicação da contratação da segunda colocada, onde consta que o contrato foi assinado em julho de 2008, antes do pedido de desistência da primeira colocada.
4. O procedimento licitatório efetivamente existiu, consoante as provas dos autos, principalmente dos sócios da empresa vencedora, não havendo que se falar em dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei de Licitações). Por outro lado, não há provas
sobre a ocorrência de fraude durante o procedimento licitatório, mas sim que, após a conclusão dele, foi feita a contratação irregular da segunda colocada, baseada em informação ideologicamente falsa, pelo que não há prova de ajuste ou combinação antes
ou no decorrer da licitação, afastando a fraude à licitação (art. 90 da Lei de Licitações. Desse modo, não se trata a questão de desclassificação do art. 89 para o art. 90, como feito pela magistrada sentenciante, mas, sim de absolvição por falta de
provas, consoante o art. 386, VII, do CPP.
5. Sem embargo, a situação se amolda perfeitamente ao delito previsto no art. 299 do Código Penal, de falsidade ideológica, consistente na publicação de informação ideologicamente falsa no DOU. Porém, a falsidade foi utilizada como meio para o desvio
dos recursos públicos, devendo ser por ele absolvido, pela aplicação do princípio da consunção.
6. A materialidade do crime de responsabilidade de prefeito (art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67) está alicerçada em farto arcabouço probatório, onde a totalidade dos recursos, orçada em R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) foi paga à empresa
indevidamente contratada, não tendo a creche sido concluída. Ainda, o então gestor, Possidônio Queiroga da Silva Neto, confessou a prática do desvio dos recursos públicos, em razão de algumas dívidas pessoais e de campanha que teria, isso em seu
interrogatório em juízo, fato que também comprova a sua autoria.
7. As autorias de Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira restaram comprovadas. Ambos detinham cargos em comissão na gestão de Possidônio Queiroga, tendo deixado os respectivos cargos para criar a empresa Mudar Construções, segunda colocada
do procedimento licitatório aqui tratado e que foi irregularmente contratada. Renato Leno não apelou da apelação, tendo Jocelito de Oliveira dito que assinava os cheques em branco e repassava para os perfeitos, versão que não deve ser aceita em se
considerando o arcabouço probatório dos autos, bem como o bom senso, não se tendo por crível que alguém assine cheque em branco sem desconfiar de quem lhe pede para fazê-lo ou sem conhecer suas intenções.
8. A autoria de Athayde Mahatma Fernandes Dantas, que foi secretário de finanças nos últimos meses do mandato de Possidônio Queiroga da Silva Neto, em 2008, substituindo o também acusado Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, uma vez que ele
deliberadamente participou do desvio dos recursos ao assinar um cheque no valor de mais de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) nos últimos dias do mandato de Possidônio, tendo transferido o dinheiro para a conta do acusado José Carlos Pereira Gomes e
sacado junto a este o valor em janeiro de 2009, quando Possidônio já não era prefeito da municipalidade. Não se tem por crível acreditar que Athayde não participou efetivamente do desvio dos recursos, sendo o seu alegado temor de exoneração do cargo
sido afastado pelo saque em janeiro de 2009 do valor, depois do término do mandato do então gestor. Além disso, sua pouca idade à época do fato - 19 anos, não serve como escusa para a exclusão do crime, devendo ser lembrada na segunda fase da dosimetria
da pena.
9. A situação de Athayde Mahatma Fernandes Dantas é diferente da conduta perpetrada por Jefferson Vale Henrique Godeiro Solano, muito embora os dois tenham sido secretários de finanças do município, lidando com os cheques do convênio. Ficou comprovado
que Jefferson Vale, embora tenha assinado os cheques a mando de Possidônio, foi por este exonerado quando discordou das intenções inescrupulosas do então gestor, que acabou colocando Athayde Mahatma no cargo. Este, além de assinar os cheques, participou
da movimentação e dos saques dos valores desviados. Desse modo, devem ser rechaçados os argumentos de Athayde Mahatma e mantida a absolvição do Jefferson Vale, uma vez que o parquet não comprovou o dolo dele para o desvio dos recursos.
10. No que diz respeito aos acusados José Carlos Pereira Gomes, Maria Helena Godeiro, Pedro Dantas, Leane Gonzaga Dias, Aldo Antônio da Costa, Marcos Aurélio Felipe de Oliveira, Maria do Socorro Vidal da Silva e Kendell Suassuna Dutra, não logrou êxito
o Ministério Público Federal em comprovar que eles sabiam da origem ilícita dos recursos transferidos para a sua conta. No caso específico de José Carlos, restou comprovado que ele só cedeu a sua conta por conta do fundando receio de perder seu cargo na
prefeitura de Patu, como motorista. Desse modo, todos devem ser absolvidos com relação ao crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, devendo os mesmos argumentos serem utilizados para a manutenção de suas absolvições com relação ao crime
previsto no art. 1º, parágrafo 1º, II, da Lei de Lavagem de Capitais, com base no art. 386, VII, do CPP, uma vez que não se pode ter um juízo condenatório quando da presença de dúvida mais que razoável.
11. Com relação ao referido crime previsto no art. 1º, parágrafo 1º, II, da Lei de Lavagem de Capitais, também devem ser mantidas as absolvições de Thales Queiroga da Silva Neto e Suzeny Kelly Sabino Vitorino, respectivamente, filho e esposa do então
prefeito de Patu-RN, Possidônio, uma vez que não restou comprovado que ambos sabiam a origem ilícita dos recursos presentes em sua conta, revelando a prova dos autos que Possidônio, na verdade, controlava as contas bancárias de ambos.
12. O fato de Possidônio Queiroga ter se utilizado de contas de particulares, como seus parentes próximos e o acusado José Carlos, bem como comprado um veículo com o dinheiro oriundo do convênio revela a sua intenção de branquear os recursos oriundos do
convênio, com a tentativa de ocultar a origem dos próprios, tendo ele orquestrado uma verdadeira empreitada para tanto, não devendo ser aceita a sua tese de falta de provas para a condenação ao presente delito, devendo a sua condenação ao delito
previsto no art. 1º, V, da Lei de Lavagem de Capitais ser mantida.
13. A autoria de Athayde Mahatma Fernandes Dantas com relação ao delito previsto no art. 1º, V, da Lei de Lavagem de Capitais não restou comprovada, uma vez que, muito embora ele tenha efetivamente participado do desvio do dinheiro oriundo do convênio,
seu dolo se ateve a esta conduta, não tendo a comprovação de que ele aderiu ao intuito de Possidônio de ocultar a origem do dinheiro. Efetivamente, era o então prefeito quem comandava as tarefas de Athayde Mahatma.
14. No que diz respeito ao delito de supressão de documentos (art. 305 do CP), em que pese o acusado Possidônio Queiroga ter afirmado a ausência de provas para a sua condenação, tem-se que há robusto arcabouço probatório que comprova o cometimento deste
crime por ele, sendo certo que foram encontrados diversos documentos da Prefeitura de Patu-RN, inclusive com relação ao procedimento licitatório aqui investigado, o que permite a manutenção de sua condenação.
15. Com relação à dosimetria da pena de Possidônio Queiroga da Silva Neto, Jocelito de Oliveira Bento e Renato Leno de Oliveira e Athayde Mahatma Fernandes Dantas, vejo que eles, exceto Renato, pugnaram pela aplicação das penas no seu patamar mínimo. No
entanto, observando a fixação das penas levada a efeito pela magistrada que sentenciou o feito, observo que ela, além de ter realizado um trabalho individual com relação a cada acusado, destacou cada circunstância valorada negativamente, no havendo
exageros quando da fixação da pena, estando todas elas bem próximas ao patamar mínimo, em se considerando a gravidade das circunstâncias aplicadas, como a culpabildade e as consequências do crime.
16. Com relação ao apelo do Ministério Público Federal com relação à dosimetria da pena aplicada, vejo que ele defendeu a valoração negativa da conduta social para Jocelito Bento, personalidade para Possidônio Queiroga e motivos do crime para todos os
condenados/acusados. Com relação a este último, não observou o parquet que, em todos os casos, os motivos eram inerentes aos tipos penais, não devendo ser valorados, sob pena de caracterização do bis in idem. Com relação à conduta social de Jocelito
Bento, não trouxe o parquet qualquer elemento que comprove o comportamento social de Jocelito, confundindo a presente circunstância com a de antecedentes, uma vez que fundamentou seu pedido em condenação sofrida pelo acusado, com relação a qual não há
notícia do trânsito em julgado.
17. Por fim, com relação à personalidade de Possidônio Queiroga, defendeu que ele teria a personalidade voltada para o crime, fazendo-o de forma leviana, sem juntar nada de concreto com relação à personalidade do acusado, pelo que não pode ela ser
negativamente valorada, de acordo com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
18. Desse modo, deve a sentença ser mantida em sua integralidade, não tendo as partes ventilado argumentos capazes de infirmar a robusta estrutura da peça produzida pelo magistrado a quo.
19. Apelações do Ministério Público Federal, de Jocelito de Oliveira Bento, Athayde Mahatma Fernandes Dantas e Possidônio Queiroga Silva Neto improvidas.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
16/08/2018
Data da Publicação
:
28/09/2018
Classe/Assunto
:
ACR - Apelação Criminal - 14566
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal André Luis Maia Tobias Granja
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Revisor
:
Desembargador Federal Roberto Machado
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-9268 ANO-1996
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-4 (CAPUT) (LEI DOS CRIMES DO COLARINHO BRANCO)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-90 ART-89 (CAPUT) ART-24 ART-25 ART-26
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CP-40 Codigo Penal
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-305 ART-299 ART-304 ART-312 PAR-1 PAR-2 PAR-3 ART-69 ART-33 PAR-2 LET-A ART-49 PAR-1 ART-51 ART-43 INC-1 ART-44 PAR-2 INC-4 ART-77
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPP-41 Codigo de Processo Penal
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-2 ART-396 INC-4 INC-6 INC-7 ART-397 INC-2 INC-1 ART-804
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-9613 ANO-1998 ART-1 INC-2 PAR-1 INC-5
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED DEL-201 ANO-1967 ART-1 INC-1
Fonte da publicação
:
DJE - Data::28/09/2018 - Página::38