TRF5 0000403-24.2011.4.05.8304 00004032420114058304
CONSTITUCIONAL. CIVIL. ENTREGA DE COISA CERTA. IMAGEM SACRA. COMUNIDADE INDÍGENA. RESTRIÇÃO A CULTO RELIGIOSO NÃO EVIDENCIADA. POSSE MANTIDA.
I - Apelação de sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo MPF nos autos de ação ordinária para entrega de coisa certa, no caso, referente à devolução de imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos à comunidade indígena Truká.
II - Em suas razões de fls. 176/184, o MPF destaca que a sentença recorrida partiu de premissa equivocada quando negou tutela aos direitos indígenas pelo fato de se postular o respeito a uma tradição adquirida (devoção a santos da igreja católica),
quando tal aspecto não afasta a proteção constitucional conferida aos índios. Argumenta que está havendo restrição ao culto religioso dos indígenas, posto que a permissão para a volta da imagem sacra à Ilha de Assunção, no Município de Cabrobó/PE, só
ocorre uma vez por ano. Aponta a qualidade da ré/apelada como de mera depósitária, a qual tem a obrigação de entregar coisa certa (imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos) à comunidade indígena (Truká), devendo prevalecer o direito coletivo de
uma etnia diferenciada, que ao longo dos anos sofreu vários tipos de usurpação territorial e cultural.
III - Ao seu turno, em suas contrarrazões, a parte ré/apelada, destaca que após o inquérito civil os indígenas não mais demonstraram interesse em obter a imagem sacra, uma vez que sua presença no Estado de Pernambuco auxilia na aquisição de área ocupada
e reivindicada por eles (povoado de Mãe Rosa e outros). Repisa sua tese de que operou-se a chamada prescrição aquisitiva (usucapião). Destaca, ainda, que tanto ela quanto seus antepassados, também índios, sempre exerceram e continuam exercendo a posse
direta sobre a imagem da Santa.
IV - A parte ré/apelada encontra-se na posse da imagem sacra, desde o falecimento de sua genitora (Sra. Ana Maria da Conceição, em 1988), cuja família recebeu a guarda dada pelo povo Truká, há mais de cinquenta anos (desde 1958), para que a mesma
permanecesse sendo cultuada, à época, em razão de conflito com um posseiro que forçou a saída dos índios da Ilha de Assunção ( situada no rio São Francisco, atual Município de Cabrobó/PE, localizada em frente ao povoado de Mãe Rosa). Tendo sido erguida
uma capela em homenagem e para abrigar a imagem de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, no povoado de Mãe Rosa, em 1983, por iniciativa da Sra. Ana Maria, conservada com a ajuda da comunidade, onde são realizadas missas seguindo a tradição no Povoado de Mãe
Rosa, esta atestada, inclusive, pelas lideranças do povo Truká.
V - Não só a CF/88 (artigo 231), como o Estatuto do Índio (L. 6001/73) concedem ampla proteção constitucional aos direitos indígenas. Ao seu turno, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), em seus artigo 5, garante o
direito dos índios de conservarem e reforçarem suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, e ao mesmo tempo o direito de participarem plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do
Estado.
VI - O cerne da presente demanda não se trata da defesa de direitos indígenas propriamente ditos, constitucionalmente assegurados, mas de garantia do direito de propriedade que atinge a esfera patrimonial da comunidade indígena, embora a competência
permaneça na Justiça Federal (artigo 232, da CF/88). Precedente: STJ, CC 140391, DJE 06/11/2015, Relator Reynaldo Soares da Fonseca. Nesse diapasão, mister se faz indagar sobre a natureza jurídica do ato de entrega da imagem sacra pelos índios à
genitora da parte ré e sobre a existência ou não de restrição ao culto religioso dos indígenas.
VII - No caso, não consta dos autos comprovação de que houve assunção do compromisso de fiel depositária por parte da genitora da requerida. A imposição à possuidora da obrigação de restituição da imagem sacra aos índios não restou comprovada, de
maneira que não cabe falar em obrigação de entrega de coisa certa, posto que também não há prova de que se tratou de mero depósito. Como visto, a entrega ocorreu, e o acordo foi verbal e/ou a documentação porventura existente extraviou-se com o tempo
(mais de cinquenta anos). Na realidade, tratou-se de dação, embora que para guarda e conservação, o que constata-se restou cumprido, de maneira que a imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos deve permanecer na Capela do Povoado de Mãe Rosa. Ao
revés, restou evidenciado que a tradição religiosa de culto à Nossa Senhora Rainha dos Anjos firmou-se, ao longo dos anos (décadas), em outra comunidade, no caso, no Povoado de Mãe Rosa, integrando, por óbvio, o patrimônio cultural da referida
comunidade.
VIII - O artigo 231 da CF/88 preceitua que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens. Ocorre que, como visto, o culto religioso que se pretende resguardar é católico, portanto, não exclusivo dos indígenas, não tendo sido identificada qualquer transformação de uma devoção católica em indígena, mas em
verdadeira cristianização.
IX - O fato de a imagem encontrar-se na posse da parte ré, por si só, não enseja o entendimento de que há ofensa ao culto religioso cristão pela comunidade Truká. Inclusive, além de restar atestado que a Capela no Povoado de Mãe Rosa (construída em
homenagem a Nossa Senhora Rainha dos Anjos) serve a toda a comunidade interessada, consta que a referida imagem sacra é periodicamente cedida aos indígenas, para prestação de homenagens à Santa, de maneira que não há que se falar em dever de
restituição da imagem sacra com base em alegada restrição ao culto religioso dos indígenas, não evidenciado nos autos.
X - Apelação improvida.
Ementa
CONSTITUCIONAL. CIVIL. ENTREGA DE COISA CERTA. IMAGEM SACRA. COMUNIDADE INDÍGENA. RESTRIÇÃO A CULTO RELIGIOSO NÃO EVIDENCIADA. POSSE MANTIDA.
I - Apelação de sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo MPF nos autos de ação ordinária para entrega de coisa certa, no caso, referente à devolução de imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos à comunidade indígena Truká.
II - Em suas razões de fls. 176/184, o MPF destaca que a sentença recorrida partiu de premissa equivocada quando negou tutela aos direitos indígenas pelo fato de se postular o respeito a uma tradição adquirida (devoção a santos da igreja católica),
quando tal aspecto não afasta a proteção constitucional conferida aos índios. Argumenta que está havendo restrição ao culto religioso dos indígenas, posto que a permissão para a volta da imagem sacra à Ilha de Assunção, no Município de Cabrobó/PE, só
ocorre uma vez por ano. Aponta a qualidade da ré/apelada como de mera depósitária, a qual tem a obrigação de entregar coisa certa (imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos) à comunidade indígena (Truká), devendo prevalecer o direito coletivo de
uma etnia diferenciada, que ao longo dos anos sofreu vários tipos de usurpação territorial e cultural.
III - Ao seu turno, em suas contrarrazões, a parte ré/apelada, destaca que após o inquérito civil os indígenas não mais demonstraram interesse em obter a imagem sacra, uma vez que sua presença no Estado de Pernambuco auxilia na aquisição de área ocupada
e reivindicada por eles (povoado de Mãe Rosa e outros). Repisa sua tese de que operou-se a chamada prescrição aquisitiva (usucapião). Destaca, ainda, que tanto ela quanto seus antepassados, também índios, sempre exerceram e continuam exercendo a posse
direta sobre a imagem da Santa.
IV - A parte ré/apelada encontra-se na posse da imagem sacra, desde o falecimento de sua genitora (Sra. Ana Maria da Conceição, em 1988), cuja família recebeu a guarda dada pelo povo Truká, há mais de cinquenta anos (desde 1958), para que a mesma
permanecesse sendo cultuada, à época, em razão de conflito com um posseiro que forçou a saída dos índios da Ilha de Assunção ( situada no rio São Francisco, atual Município de Cabrobó/PE, localizada em frente ao povoado de Mãe Rosa). Tendo sido erguida
uma capela em homenagem e para abrigar a imagem de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, no povoado de Mãe Rosa, em 1983, por iniciativa da Sra. Ana Maria, conservada com a ajuda da comunidade, onde são realizadas missas seguindo a tradição no Povoado de Mãe
Rosa, esta atestada, inclusive, pelas lideranças do povo Truká.
V - Não só a CF/88 (artigo 231), como o Estatuto do Índio (L. 6001/73) concedem ampla proteção constitucional aos direitos indígenas. Ao seu turno, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), em seus artigo 5, garante o
direito dos índios de conservarem e reforçarem suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, e ao mesmo tempo o direito de participarem plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do
Estado.
VI - O cerne da presente demanda não se trata da defesa de direitos indígenas propriamente ditos, constitucionalmente assegurados, mas de garantia do direito de propriedade que atinge a esfera patrimonial da comunidade indígena, embora a competência
permaneça na Justiça Federal (artigo 232, da CF/88). Precedente: STJ, CC 140391, DJE 06/11/2015, Relator Reynaldo Soares da Fonseca. Nesse diapasão, mister se faz indagar sobre a natureza jurídica do ato de entrega da imagem sacra pelos índios à
genitora da parte ré e sobre a existência ou não de restrição ao culto religioso dos indígenas.
VII - No caso, não consta dos autos comprovação de que houve assunção do compromisso de fiel depositária por parte da genitora da requerida. A imposição à possuidora da obrigação de restituição da imagem sacra aos índios não restou comprovada, de
maneira que não cabe falar em obrigação de entrega de coisa certa, posto que também não há prova de que se tratou de mero depósito. Como visto, a entrega ocorreu, e o acordo foi verbal e/ou a documentação porventura existente extraviou-se com o tempo
(mais de cinquenta anos). Na realidade, tratou-se de dação, embora que para guarda e conservação, o que constata-se restou cumprido, de maneira que a imagem sacra de Nossa Senhora Rainha dos Anjos deve permanecer na Capela do Povoado de Mãe Rosa. Ao
revés, restou evidenciado que a tradição religiosa de culto à Nossa Senhora Rainha dos Anjos firmou-se, ao longo dos anos (décadas), em outra comunidade, no caso, no Povoado de Mãe Rosa, integrando, por óbvio, o patrimônio cultural da referida
comunidade.
VIII - O artigo 231 da CF/88 preceitua que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens. Ocorre que, como visto, o culto religioso que se pretende resguardar é católico, portanto, não exclusivo dos indígenas, não tendo sido identificada qualquer transformação de uma devoção católica em indígena, mas em
verdadeira cristianização.
IX - O fato de a imagem encontrar-se na posse da parte ré, por si só, não enseja o entendimento de que há ofensa ao culto religioso cristão pela comunidade Truká. Inclusive, além de restar atestado que a Capela no Povoado de Mãe Rosa (construída em
homenagem a Nossa Senhora Rainha dos Anjos) serve a toda a comunidade interessada, consta que a referida imagem sacra é periodicamente cedida aos indígenas, para prestação de homenagens à Santa, de maneira que não há que se falar em dever de
restituição da imagem sacra com base em alegada restrição ao culto religioso dos indígenas, não evidenciado nos autos.
X - Apelação improvida.Decisão
UNÂNIME
Data do Julgamento
:
06/09/2016
Data da Publicação
:
20/09/2016
Classe/Assunto
:
AC - Apelação Civel - 547204
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho
Comarca
:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED SUM-140 (TRF5)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
***** CPC-73 Código de Processo Civil
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-231 (CAPUT)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED LEI-6001 ANO-1973 ART-47 (ESTATUTO DO ÍNDIO)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
LEG-FED PRC-40 ANO-1992 (FUNAI)
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***** CC-02 Código Civil
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1260 ART-1261 ART-1243
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***** CF-88 Constituição Federal de 1988
ART-232 ART-109 INC-11
Fonte da publicação
:
DJE - Data::20/09/2016 - Página::15
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