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Jurisprudência


TRF5 0000478-11.2016.4.05.8103 00004781120164058103

Ementa
Penal e Processual Penal. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, desafiando a sentença que rejeitou a denúncia a imputar ao ora recorrido a prática continuada do crime de peculato (artigo 312, parágrafo 1º, combinado com o artigo 71, todos do Código Penal). A denúncia rejeitada narra que o ora recorrido, valendo-se da condição de funcionário da Caixa Econômica Federal, efetuara 56 (cinquenta e seis saques) indevidos de valores das contas de correntistas, no período de abril de 2005 a setembro de 2006, dando causa a um prejuízo apurado em R$ 67.820,00 (sessenta e sete mil, oitocentos e vinte reais). A decisão esgrimida rejeitou a exordial acusatória calcando-se em dois fundamentos: a) inexistência de justa causa para a ação penal, na medida em que o ora recorrido não se determinara livre e conscientemente para a prática dos atos ilícitos, pois teria realizado os saques investigados com autorização expressa da gerência, dentro de uma praxe comum naquela instituição bancária, o que, inclusive, teria sido esclarecido em sede de processo administrativo, que findou em simples suspensão do contrato de trabalho do recorrido, pelo prazo de cinco dias; e, b) pela prescrição antecipada (virtual) da pena, porquanto a hipótese seria de peculato culposo. Entrementes, malgrado se revele judicioso o entendimento exarado na decisão atacada, encontra-se divorciado da jurisprudência majoritária. De logo, conquanto a tese defensiva de que o recorrido não agira dolosamente não se aparente inverossímil, conclui-se que o momento do recebimento da denúncia não comporta uma análise mais profunda da autoria, materialidade e culpabilidade delitivas. Ao revés, neste juízo de delibação, cumpre examinar, unicamente, se a peça vestibular satisfaz os requisitos previstos no artigo 41, do Código de Processo Penal, a determinar que a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. Trata-se, outrossim, de momento animado pelo princípio in dubio pro societate, em lugar do in dubio pro reo, que deve ser reservado para o ensejo da sentença. Precedente do Pleno desta Corte Regional: EDINQ 2809/02, des. Vladimir Carvalho, julgado em 14 de março de 2018. Voltando-se ao caso concreto, observa-se que a versão da defesa de que o recorrido não se determinara dolosamente, mas, sim, autorizado pela gerência, carece de enfrentamento que somente pode ser realizado no curso da instrução criminal, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, cumpre destacar, antes de tudo, que os declarantes ouvidos perante a autoridade policial não confirmaram ser praxe da instituição bancária esta autorização da gerência para a realização dos saques. Por outro lado, é cediço que, no momento do recebimento da denúncia, é vedado ao magistrado realizar a emendatio libelli, que deve ser reservada para a sentença. A propósito, há julgado desta Corte Regional pontuando que a jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de que o momento do recebimento da denúncia pelo magistrado não é o adequado para a desclassificação da conduta descrita na inicial acusatória, sendo a ocasião da prolação da sentença, através dos institutos da "emendatio libelli" ou "mutatio libelli", o momento da adequação típica (EDRCHC 6211/01, des. Cid Marconi, julgado em 01 de dezembro de 2016). Sob esse prisma, inexiste margem para, no ensejo do exame de admissibilidade da peça vestibular, desclassificar a conduta, enquadrada pelo Parquet como peculato doloso (artigo 312, parágrafo 1º, combinado com o artigo 71, todos do Código Penal), para a forma culposa deste tipo penal, donde decorre ser ainda mais inadequada, neste ensejo, a análise da prescrição, sobretudo sob as vestes da prescrição antecipada, ou virtual, que é vedada pelo enunciado da Súmula 438, do Superior Tribunal de Justiça, a atroar que é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal. Por fim, anota-se que, mesmo diante do aparente sucesso na via administrativa, as esferas penal e administrativa são independentes, razão por que o Judiciário não se encontra adstrito a acatar o decidido pelas instâncias disciplinares da Caixa Econômica Federal. Nessa vereda, também já decidiu o Pleno desta Corte, mutatis mutandis, ser pacífico o entendimento de autonomia e independência das esferas civil, administrativa e penal, pelo que o eventual julgamento pela regularidade na prestação de contas pelo órgão convenente não inibe a apuração, na seara penal, de conduta ali tipificada, pelo que não há que se falar em afronta ao art. 395, III, do Código de Processo Penal o recebimento da denúncia (EDPIMP 123/02, des. Ivan Lira de Carvalho [convocado], julgado em 03 de setembro de 2014). Em resumo, cotejados os fundamentos lançados na decisão hostilizada com os argumentos trazidos na peça recursal, a conclusão é de que não se revela a presença de obstáculos suficientes ao recebimento da exordial acusatória, tampouco para a instauração e desenvolvimento regular da ação penal. Em arremate, registra-se, que, em consonância com o entendimento remansoso abrigado no enunciado da Súmula 709, do Supremo Tribunal Federal, salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela. Recurso em sentido estrito provido.
Decisão
UNÂNIME

Data do Julgamento : 24/07/2018
Data da Publicação : 27/07/2018
Classe/Assunto : RSE - Recurso em Sentido Estrito - 2445
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Desembargador Federal Vladimir Carvalho
Comarca : TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED SUM-709 (STF) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 ART-395 INC-3 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEG-FED SUM-438 (STJ) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ***** CP-40 Codigo Penal LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-312 PAR-1 ART-71
Fonte da publicação : DJE - Data::27/07/2018
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